Silvia tinha acabado de se casar e já era formada em Economia.
Eu era recém chegada a São Paulo, tinha abandonado a Engenharia Química e assumido a minha vocação na área de língua e literatura.
Vocês tinham que conhecer a Rachel pra entendê-la. Vegetariana. Super perfeccionista. Super detalhista. Super preocupada. Super exigente. Super dedicada. Super generosa. Super amorosa. Super solidária. Super atenta. Super filha. Super mãe. Super avó. Ganhou o apelido de Mrs. Morel, em referência à personagem-mãe do clássico inglês Sons and Lovers de D.H. Lawrence.
Vocês tinham que conhecer a Silvia pra entendê-la. Não há pessoa mais atrapalhada. Nem mais engraçada. E engraçada simplesmente porque é, sem qualquer intenção de ser. E não há quem tenha histórias iguais. Sério. Nenhuma ficção chega aos pés das coisas que acontecem com a Silvia! São enredos fantásticos, cheios de tramas, subtramas, melodramas, tragédias, comédias. Mas também não há pessoa mais prática e mais objetiva. Problemas com ela não se criam e são logo colocados dentro da sua ordem de grandeza e zonas de solução.
Eu? Bem, vocês me conhecem bem pra me entender. Sou algo no meio das duas e bem fora das duas.
Portanto, só a casualidade - ou fatalidade - explica esse encontro improvável na Faculdade de Letras da USP em 1978. Improvável não o encontro em si, pois, como em qualquer curso, a diversidade é esperada, previsível e saudável. Digo improvável por ter enraizado, sobrevivido e frutificado fora daquelas salas de aula improvisadas na colmeia, onde o curso de Letras funcionava precariamente naquele tempo. Trinta e oito anos depois, nossas diferenças fazem toda a diferença nessa amizade sólida e que já atravessa a 3ª geração!
Não pensem que foi fácil. Rachel sofreu um pouco. Fazíamos os trabalhos juntas, planejávamos todos os detalhes e, na hora H, eu, que não me preparava como ela, no despreparo trocava tudo e fazia no improviso. E ela ficava sem chão, sem saber como seguir, com aquele monte de folhas que ela tinha estudado e decorado por dias. Ela quis me matar muitas vezes. Sou uma sobrevivente! Mas lembro com carinho das tardes e tardes na sua casa alternando os trabalhos com as minhas epopeias amorosas. Ela ouvia sempre atenta, preocupada e nem sempre de acordo! Foi um alivio quando me estabilizei e casei!
Silvia estava sempre correndo! Ia de casa pra faculdade, da faculdade pra casa da mãe e nunca tinha tempo pra nada! Uma vez tiramos zero - ZERO!! - num trabalho de francês. Tínhamos que ler e resumir La Symphonie Pastorale de André Gide. Inteligentes que somos, dividimos o livro no meio e uma fez uma parte e a outra fez a outra parte. Trocamos, copiamos e entregamos. O trabalho era individual e não em grupo e a professora deu zero pras duas quando identificou as partes absolutamente iguais! Rimos de nos acabar! Duas marmanjas sendo pegas colando. Tivemos que fazer um trabalho de substituição. Bem longe uma da outra!
Formamo-nos em 1981, numa cerimônia coletiva com outros cursos em uma sala na reitoria, sem qualquer pompa ou destaque. Mera formalidade. Mas os legados desses 4 anos em que nossa amizade foi construída não cabem em nenhum diploma!
Vocês tinham que conhecer a Rachel para entender o seu legado! Ela vem de um núcleo familiar pequeno dentro de outro núcleo familiar enorme! Sua mãe, a queridíssima D. Branca, já falecida e com quem tivemos a sorte de conviver por muitos e muitos anos, ficou viúva muito jovem e com dois filhos pequenos. Mas a família maior, de avós, tios e primos tornou-se a família de referência e de lindos exemplos de união e doação. Não conheço ninguém mais dedicada e com maior senso de família do que a Rachel! Seus cuidados realmente emocionam! Além disso, tornou-se a fornecedora oficial das burekas que os meus filhos tanto amam! E é a minha consultora para dúvidas de português, tradução ou qualquer assunto correlacionado. |E a voz da consciência e sensatez!
Vocês tinham que conhecer a Silvia pra entender o seu legado! Ela dá aulas particulares de absolutamente tudo! De corte e costura a Física Quântica! E diz pérolas aos seus alunos do tipo : Não pensem que aqui é um templo ou tenda de milagres!! A gente chora de rir! Silvia tem uma irmã gêmea, Sandra, casada com Arnaldo, o melhor obstetra do mundo e quem me ajudou a trazer Daniel e Marina ao mundo! Só isso já seria legado pra legado suficiente! Mas ela ainda tem 4 cunhadas que também herdamos como se fossem nossas!! Além do mais, é um guia ambulante! Conhece todas as lojas, sabe onde se compra qualquer coisa e faz os melhores roteiros de viagem!
Rachel é casada com Mauricio, que tem um coração maior que esse mundo! Seu filho Adriano é casado com a Fernanda e têm 2 meninos: Gabriel e Ian. Adriano, professor da USP, é o nosso olhar crítico e cético sobre a educação universitária. Sua filha Carolina é casada com Rich, tem um filho, Joshua, e mora nos Estados Unidos. Carolina é grande companheira e que faz enorme falta no nosso convívio diário. A Carolina é uma história à parte nessa nessa história!
Silvia é casada com Luiz Antonio, na minha opinião e na da Rachel, um santo! Sua filha Renata, que hoje é a médica da minha filha, é a doçura em pessoa, casada com Fabiano e têm o Antonio, de 1 aninho e meio. Seu filho Luiz Felipe é o nosso xodó e namora a Cibelis, já adotada com torcida organizada!A caçula, Marina como a minha, mora em Londres e é a nossa Lady absoluta! Realeza da cabeça aos pés!
Nosso maior orgulho é sermos capazes de reunir, todos os anos, nossas 3 famílias e comemorarmos todas as coisas boas que vivemos naquele ano. E, por sorte, sempre temos muito pra comemorar! Principalmente o fato dos nossos filhos, e agora netos, fazerem parte desse legado e, espontaneamente (ou assim queremos acreditar!) acomodarem suas agendas para estarem juntos, interagirem, construírem afinidades e participarem desses encontros que têm tamanha importância pra nós!
Tem sido meu privilégio - e enorme prazer - receber esses encontros na minha casa! E a cada ano, meu prazer é maior e mais emotivo! Olho pras minhas amigas, para as nossas famílias juntas, e meu coração transborda de carinho e orgulho!
Costumo brincar dizendo que quando tudo parece fora do prumo, sem sentido e caótico, volto ao meu centro e me reconheço no mundo quando acordo e vejo que a Rainha Elizabeth continua aqui. De alguma forma, a certeza da permanência dela é a minha certeza de que o mundo ainda é o mundo.
Mas tenho outra certeza. Quando tudo parece mesmo fora do prumo, sem sentido e caótico, esse encontro anual é a minha garantia de que tudo continua certo no meu mundo!
Ontem fizemos o nosso encontro 2016. E hoje acordei com o meu mundo mais florido, mais esperançoso e muito mais promissor!