" Este mi amo por mil señales he visto que es un loco de atar, y aun también yo no le quedo en zaga, pues soy más mentecato que él, pues le sigo y le sirvo, si es verdadero el refrán que dice: "Dime con quién andas , decirte he quién eres", y el otro de "Non con quien naces sino cn quien paces."
(Dom Quixote de La Mancha - Parte 2 - Capítulo X - Miguel de Cervantes)
O PT, Partido dos Trabalhadores, completa hoje 36 anos. Propositalmente escolho "completa" e não "comemora", pois, mergulhado em crises sequenciais e gravíssimas, não vejo o que há para comemorar. A não ser a simples existência e resistência, seja lá como for.
Apesar de assumida e reativa opositora , não é sem algo de melancolia e decepção que escrevo sobre essa data. Acreditem os simpatizantes: para a grande maioria da "oposição", não há sentimentos de vitória ou satisfação ou vingança. Há, no fundo, tristeza ressentida por se ter ido tão longe e apostado tão alto para chegar ao beco sem saída. E sem saída para todos: para os que seguem confiantes, para os que recuaram ao longo do caminho e para os que jamais arriscaram.
Encaixo-me no segundo grupo. Filiei-me ao PT na sua formação, garantindo o número de assinaturas necessárias. Votei - e ainda hoje sem qualquer arrependimento! - na Luiza Erundina para prefeita de São Paulo em 1988. Cantei Lulla Lá em altos brados contra o Collor em 1989. Votei em Eduardo Suplicy - por muito tempo o meu senador - vezes sem conta.
Para a minha geração, que foi às ruas pela Diretas Já e que testemunhou a transição da ditadura para a democracia, o projeto PT era promissor e sedutor. Tenho memórias da ditadura. Estudei num colégio notadamente subversivo (CAp da UFRJ) e vários de nossos professores foram presos e torturados. Alguns dos alunos mais velhos, da geração da minha irmã mais velha, desapareceram. Os relatos eram contados em minúcias. Lembro sempre do nosso professor de História, já no 2º grau, contando sobre o carro preto parado na porta da escola esperando a filha do General Geisel, que também estudou lá, e as mensagens de aprovação ou condenação que recebia sobre os apontamentos de aula que eram lidos com atenção. A oportunidade real de praticar política sob outros valores e outras formas de liberdade e igualdade , portanto, era mais do que bem vinda!
Infelizmente, o meu ceticismo veio rápido e minha simpatia não chegou nem mesmo ao final do primeiro mandato do Lula! E passei, sem remorsos e sem dúvidas, mas ao mesmo sem orgulho, a antipatizante convicta.
Discordo dos meios escusos que jamais justificam os fins. Discordo, aliás, dos fins! Os fins que se distanciaram/distanciam cada vez mais das palavras que os definiam/definem. Discordo até mesmo de esvaziarem conteúdos de palavras par esconder reais finalidades. Mas, afinal, esse é o cruel destino das palavras: serem usadas ao bel prazer dos outros.
Discordo do equívoco de que as políticas frágeis e sem sustentação promoveram a tão aclamada - mais do que necessária - revolução social no Brasil! Promoveu-se, sim, a ilusão de que a miséria pode ser erradicada independente da produção. A mais cruel e destrutiva injustiça social é a combinação desemprego e inflação. Não se promove transformação social sem esse equilíbrio.
Discordo da rede criminosa de complexidades que impressionam. E, claro, revoltam! Discordo da defesa pífia de que práticas corruptas e herdadas da nossa lamentável tradição política justificam a corrupção desta magnitude. Não justificam. E apenas confirmam que o verdadeiro projeto é a manutenção do poder pelo poder. E que se permita usar a miséria e a ignorância como aliados e parceiros desse poder.
Discordo dos que, mesmo diante das evidências e provas irrefutáveis, defendam o indefensável. Discordo que vilões se transformem em heróis. Discordo das blindagens disseminantes de mentiras e artimanhas. Discordo do discurso do nada sei. Discordo da arrogância teimosa de quem se vê acima da lei e das humanidades. Discordo da lealdade cega - ou pior, da lealdade comprometida - que encontra absolvição nas tecnicidades jurídicas.
Discordo das alianças impensáveis com quem, mais dia menos dia, vem cobrar as almas vendidas. Discordo dos que, mesmo contrários - na retórica vazia - às práticas escusas, mantêm-se solidários e co-partidários. Discordo dos oportunistas.
E discordo dos escolhas econômicas que criam - apenas criam - a ilusão da inclusão social. Tão urgente e necessária.
Peço licença ao Mestre Cervantes para apropriar-me da sua Triste Figura para ilustrar as Tristes Figuras em que os fundadores e/ou lideranças e/u sócios do PT se transformaram. Tristes Figuras associadas a escândalos que se desfiam em emaranhados de proporções ainda desconhecidas. Tristes Figuras que, atônitas, se recusam a descobrir sua nudez. Tristes Figuras que acreditam que suas histórias - em algum momento louvável - lhes garantem impunidade e lhe perdoam qualquer transgressão. Tristes Figuras que se rodeiam de interesses e condutas questionáveis, mas que não admitem fazer parte. Tristes Figuras que perderam qualquer credibilidade, mas insistem na divindade salvadora que criaram. Tristes Figuras que se perderam em si mesmos e de si mesmos.
Peço, ao mesmo tempo, desculpas ao Mestre Cervantes pela comparação. O Cavaleiro da Triste Figura da ficção tem mesmo nobres motivações e conduta! Expõe-se pelos seus devaneios e delírios. Vê gigantes em moinhos sem jamais abandonar suas crenças. Segue incansável e obstinado na sua missão.
As Tristes Figuras do PT, pelo seu lado, vivem seus delírios e devaneios cada vez mais distanciados dos ideais de nobreza que regem as grandes missões cavaleiras.
Incapazes de assumir seus erros, limitações e inabilidades, resta às Tristes Figuras fazer aquilo que , SIM, fazem bem:
(1) atribuir seus próprios erros, incapacidades e fracassos à Grande Teoria da Conspiração e Perseguição No quarto mandato consecutivo na condução do país, defender essa teoria é, no mínimo, patético.
E, simultaneamente,
(2) transferir culpas e responsabilidades na confortável posição de oposição. Na falta de culpados fora do seu próprio ninho e berço , já protagonizam a oposição reflexiva, tornando-se oposição nada velada dos seus próprios governos.
Que na reflexão dos seus 36 anos, o PT consiga encontrar respostas e resgatar alguma nobreza intocada. E que dessa semente brote algo de bom, frutífero e produtivo.
Que na reflexão dos 36 anos do PT, nós também, lutemos por uma politica mais nobre, mais inclusiva, mais engrandecedora, mais justa, menos corrompida. Que certamente não está visível por ai, em nenhuma dessas lideranças atuais. Mas que pode surgir de novos alinhamentos, novas convicções, novos comprometimentos!
Ali ali só ali se se alice ali se visse quanto alice viu e não disse se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece (Paulo Leminski)
sábado, 27 de fevereiro de 2016
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
O Quarto de Jack. O Mito da Caverna revisitado.
"Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados de sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos esses movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-o-lá de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?"
(A República de Platão - Cap VII: O Mito da Caverna)
A escritora irlandesa Emma Donoghue, baseando-se na escabrosa história do austríaco Josef Fritzl - que manteve a própria filha em cativeiro por 24 anos e com quem teve 7 filhos - , produziu o livro que inspirou o filme mais impactante dessa temporada.
O diretor também irlandês Lenny Abrahamson, ciente da importância em preservar a essência do enredo , em ato não comum no meio cinematográfico, convidou a própria escritora para assinar a adaptação do roteiro. Decisão acertada!
Pela narrativa do pequeno Jack (Jacob Trembley), que acaba de completar 5 anos, somos apresentados ao pequeno quarto onde ele e sua mãe Joy (Brie Larson) vivem em confinamento, dispondo apenas de uma cama, uma mesa e duas cadeiras, um armário, uma pia, um vaso sanitário e uma claraboia, por onde entra luz e o céu. A extensão do cativeiro é introduzido aos poucos, e sempre pelo olhar inocente e otimista do menino, que, afinal, nunca conheceu outra vida fora aquelas paredes.
A ternura da relação mãe/filho dentro dessas condições tão restritivas emociona. Manter a normalidade, instigar criatividade e conhecimento, exercitar a imaginação e criar um ambiente seguro e amoroso são desafios que só o instinto de sobrevivência exacerbado da maternidade explica. A naturalidade e segurança do menino lembram o belíssimo La Vita è Bella, onde o pequeno Giosuè,em pleno campo de concentração, vivia alheio e protegido daqueles horrores!
Uma vez fora do cativeiro, o mundo do pequeno Jack cresce e deslumbra, ao mesmo tempo em que o mundo da mãe sufoca e angustia. O mundo fora do confinamento requer adaptações e aprendizados difíceis e sofridos.
E é no confronto entre os dois mundos que o Mito da Caverna de Platão se impõe como referência inquestionável! Entender o mundo fora da caverna e aprender o que é ou não real. Alternar as possibilidades da liberdade com a segurança do conhecido. A filosofa platônica é a linha condutora dos ritos de passagem da mãe e do filho.
O maior mérito do filme é manter a ternura natural - e não com a intenção piegas - acima dos horrores por trás do relacionamento mãe/filho. Isso deve-se, sobretudo , ao acerto em manter o foco narrativo no menino e, com isso, trazer lirismo e poesia. O sucesso deve-se também à perfeita caracterização do pequeno Jack como criança normal, sem a armadilha de fazê-lo especial ou mais maduro. Ele é natural, espontâneo, grita, chora, faz birra, tem medos. Uma criança como qualquer outra de 5 anos.
Brie Larson está maravilhosa e emociona com a sua entrega para uma interpretação impecável! E o pequeno Jacob Trembley compõe o seu personagem com uma maturidade artística que impressiona! Que ator!! Que dupla sintonizada e generosa um com o outro! Que acerto na escolha dos atores!
Impossível assistir a esse filme com indiferença e sem transformação e reflexão.
O Quarto de Jack é um soco no estômago! Mas um soco acompanhado de um sorriso que não abandona os cantinhos da boca. E conseguir esse efeito é raro. Muito raro. E, portanto, digno de louvor, reconhecimento e agradecimento!
(A República de Platão - Cap VII: O Mito da Caverna)
A escritora irlandesa Emma Donoghue, baseando-se na escabrosa história do austríaco Josef Fritzl - que manteve a própria filha em cativeiro por 24 anos e com quem teve 7 filhos - , produziu o livro que inspirou o filme mais impactante dessa temporada.
O diretor também irlandês Lenny Abrahamson, ciente da importância em preservar a essência do enredo , em ato não comum no meio cinematográfico, convidou a própria escritora para assinar a adaptação do roteiro. Decisão acertada!
Pela narrativa do pequeno Jack (Jacob Trembley), que acaba de completar 5 anos, somos apresentados ao pequeno quarto onde ele e sua mãe Joy (Brie Larson) vivem em confinamento, dispondo apenas de uma cama, uma mesa e duas cadeiras, um armário, uma pia, um vaso sanitário e uma claraboia, por onde entra luz e o céu. A extensão do cativeiro é introduzido aos poucos, e sempre pelo olhar inocente e otimista do menino, que, afinal, nunca conheceu outra vida fora aquelas paredes.
A ternura da relação mãe/filho dentro dessas condições tão restritivas emociona. Manter a normalidade, instigar criatividade e conhecimento, exercitar a imaginação e criar um ambiente seguro e amoroso são desafios que só o instinto de sobrevivência exacerbado da maternidade explica. A naturalidade e segurança do menino lembram o belíssimo La Vita è Bella, onde o pequeno Giosuè,em pleno campo de concentração, vivia alheio e protegido daqueles horrores!
Uma vez fora do cativeiro, o mundo do pequeno Jack cresce e deslumbra, ao mesmo tempo em que o mundo da mãe sufoca e angustia. O mundo fora do confinamento requer adaptações e aprendizados difíceis e sofridos.
E é no confronto entre os dois mundos que o Mito da Caverna de Platão se impõe como referência inquestionável! Entender o mundo fora da caverna e aprender o que é ou não real. Alternar as possibilidades da liberdade com a segurança do conhecido. A filosofa platônica é a linha condutora dos ritos de passagem da mãe e do filho.
O maior mérito do filme é manter a ternura natural - e não com a intenção piegas - acima dos horrores por trás do relacionamento mãe/filho. Isso deve-se, sobretudo , ao acerto em manter o foco narrativo no menino e, com isso, trazer lirismo e poesia. O sucesso deve-se também à perfeita caracterização do pequeno Jack como criança normal, sem a armadilha de fazê-lo especial ou mais maduro. Ele é natural, espontâneo, grita, chora, faz birra, tem medos. Uma criança como qualquer outra de 5 anos.
Brie Larson está maravilhosa e emociona com a sua entrega para uma interpretação impecável! E o pequeno Jacob Trembley compõe o seu personagem com uma maturidade artística que impressiona! Que ator!! Que dupla sintonizada e generosa um com o outro! Que acerto na escolha dos atores!
Impossível assistir a esse filme com indiferença e sem transformação e reflexão.
O Quarto de Jack é um soco no estômago! Mas um soco acompanhado de um sorriso que não abandona os cantinhos da boca. E conseguir esse efeito é raro. Muito raro. E, portanto, digno de louvor, reconhecimento e agradecimento!
domingo, 21 de fevereiro de 2016
A Garota Dinamarquesa. A difícil arte de ser quem se é.
"Ontem à noite tive o sonho mais lindo. Sonhei que era um bebê nos braços de minha mãe. Ela me olhava. E me chamava de Lili."
(Lili Elbe em A Garota Dinamarquesa)
Tom Hopper (O Discurso do Rei e Os Miseráveis) retorna às telas após 3 anos com a belíssima adaptação de A Garota Dinamarquesa, romance de estreia de David Ebershoff.
Baseado na biografia do casal de pintores Einar Wegener (Eddie Redmayne) e Gerda Wegener (Alicia Vikander) o filme , com muita delicadeza e poesia, conta a transição - não sem sofrimento - de um casamento ativo e funcional para os conflitos individuais quando o estranhamento de gênero veio à tona.
Einar Wegener, reconhecido paisagista, num episódio casual de substituir uma modelo de sua esposa retratista - e, para isso, vestir suas roupas - descobre a sua Lili aprisionada em seu corpo masculino e inicia o seu longo processo de redesignação de gênero. Einar foi a primeira pessoa a se submeter à cirurgia transgênica na História. Os procedimentos foram realizados em Dresden, na Alemanha, cidade banhada pelo Rio Elba, de onde Lili emprestou o seu sobrenome Elbe.
História polêmica e ousada para qualquer época! O que dirá nos anos 30! Mas Tom Hopper, acertadamente, evita o protagonismo do preconceito social e desconhecimento da comunidade científica e prioriza os aspectos mais pessoais e emocionais da relação Einar/Gerda/Lili.
A cuidadosa ambientação e o primoroso figurino garantem verossimilhança e trazem a poesia tirada das nuances das tintas e telas. A delicadeza dos tecidos dão sustentação ao gradual crescimento de Lili. Pode-se quase sentir a leveza e as texturas que trazem Lili à vida!
Mas o que mais emociona é a cumplicidade e atos de amor entre Einar e Gerda! De parceiros e amantes à amizade e apoio às transformações individuais, Gerda e Lili transbordam amor verdadeiro e incondicional. Ainda que em meio a turbulências, dúvidas, angústias, ressentimento, tristezas e medos.
Se por um lado a imposição da presença de Lili termina com o relacionamento amoroso, por outro lado, é o agente impulsor da carreira de Gerda, até então estagnada e ofuscada .
O filme, no entanto, não teria metade de sua potência sem as atuações absolutamente brilhantes de Eddie Redmayne e Alicia Vikander! A conexão, química e sintonia entre o dois atores são os grandes responsáveis pela elegância, empatia e emoções transferidas! Que talentos! Redmayne, validado pelo Oscar 2015, brilha! Einar e Lili se alternam como personalidades distintas, completas e densas. Vikander, por seu lado, imputa fortaleza impressionante! É ela que conduz a linha tênue e tão controversa! É ela, no fim, a verdadeira Garota Dinamarquesa!
A cinebiografia chega com uma década de atraso e após, inclusive, da tentativa frustrada de Nicole Kidman viver Einar/Lili. Mas o atraso foi providencial, pois o filme chega atual em tempos de discussões mais maduras sobre identidade de gênero e orientação sexual. Os esforços globais por reconhecimento, direitos e igualdade já contabilizam alguns avanços.
Nesse sentido, o filme também gerou críticas por não abrir espaço para atores transsexuais. A indústria cinematográfica já é , reconhecidamente, bastante restritiva às minorias. Para transsexuais, então, as oportunidades são ainda mais limitadas. Vale a denúncia. Vale a crítica. Mas confesso não conseguir imaginar ator mais perfeito para o papel! A verdade é que Redmayne empresta traços andróginos que incorporam e convencem.
Um filme intenso e belo. E que pontua um dos marcos da luta de gênero e sexualidade.
(Lili Elbe em A Garota Dinamarquesa)
Tom Hopper (O Discurso do Rei e Os Miseráveis) retorna às telas após 3 anos com a belíssima adaptação de A Garota Dinamarquesa, romance de estreia de David Ebershoff.
Baseado na biografia do casal de pintores Einar Wegener (Eddie Redmayne) e Gerda Wegener (Alicia Vikander) o filme , com muita delicadeza e poesia, conta a transição - não sem sofrimento - de um casamento ativo e funcional para os conflitos individuais quando o estranhamento de gênero veio à tona.
Einar Wegener, reconhecido paisagista, num episódio casual de substituir uma modelo de sua esposa retratista - e, para isso, vestir suas roupas - descobre a sua Lili aprisionada em seu corpo masculino e inicia o seu longo processo de redesignação de gênero. Einar foi a primeira pessoa a se submeter à cirurgia transgênica na História. Os procedimentos foram realizados em Dresden, na Alemanha, cidade banhada pelo Rio Elba, de onde Lili emprestou o seu sobrenome Elbe.
História polêmica e ousada para qualquer época! O que dirá nos anos 30! Mas Tom Hopper, acertadamente, evita o protagonismo do preconceito social e desconhecimento da comunidade científica e prioriza os aspectos mais pessoais e emocionais da relação Einar/Gerda/Lili.
A cuidadosa ambientação e o primoroso figurino garantem verossimilhança e trazem a poesia tirada das nuances das tintas e telas. A delicadeza dos tecidos dão sustentação ao gradual crescimento de Lili. Pode-se quase sentir a leveza e as texturas que trazem Lili à vida!
Mas o que mais emociona é a cumplicidade e atos de amor entre Einar e Gerda! De parceiros e amantes à amizade e apoio às transformações individuais, Gerda e Lili transbordam amor verdadeiro e incondicional. Ainda que em meio a turbulências, dúvidas, angústias, ressentimento, tristezas e medos.
Se por um lado a imposição da presença de Lili termina com o relacionamento amoroso, por outro lado, é o agente impulsor da carreira de Gerda, até então estagnada e ofuscada .
O filme, no entanto, não teria metade de sua potência sem as atuações absolutamente brilhantes de Eddie Redmayne e Alicia Vikander! A conexão, química e sintonia entre o dois atores são os grandes responsáveis pela elegância, empatia e emoções transferidas! Que talentos! Redmayne, validado pelo Oscar 2015, brilha! Einar e Lili se alternam como personalidades distintas, completas e densas. Vikander, por seu lado, imputa fortaleza impressionante! É ela que conduz a linha tênue e tão controversa! É ela, no fim, a verdadeira Garota Dinamarquesa!
A cinebiografia chega com uma década de atraso e após, inclusive, da tentativa frustrada de Nicole Kidman viver Einar/Lili. Mas o atraso foi providencial, pois o filme chega atual em tempos de discussões mais maduras sobre identidade de gênero e orientação sexual. Os esforços globais por reconhecimento, direitos e igualdade já contabilizam alguns avanços.
Nesse sentido, o filme também gerou críticas por não abrir espaço para atores transsexuais. A indústria cinematográfica já é , reconhecidamente, bastante restritiva às minorias. Para transsexuais, então, as oportunidades são ainda mais limitadas. Vale a denúncia. Vale a crítica. Mas confesso não conseguir imaginar ator mais perfeito para o papel! A verdade é que Redmayne empresta traços andróginos que incorporam e convencem.
Um filme intenso e belo. E que pontua um dos marcos da luta de gênero e sexualidade.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
Tema livre.
(Publicado no grupo Minicontos em 17.10.2015. Palavra tema: TEMA LIVRE)
domingo, 14 de fevereiro de 2016
O Filho de Saul e a porta do inferno.
"DEIXAI TODA ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS."
(Canto III - Inferno - Divina Comédia - Dante Alighieri)
O diretor húngaro László Nemes estreia o seu primeiro longa-metragem já como franco favorito ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Os horrores do Holocausto já foram trazidos para as telas sob as lentes mais diversas. E cada lente trás um novo olhar e uma nova angústia ao que, certamente, foi uma das maiores atrocidades já impingidas por um ser humano a outro.
László Nemes trás Auschwitz em 1944. Saul, húngaro-judeu, fazia parte do Sonderkommando, grupo de prisioneiros obrigados a executar a mais cruel das tarefas: despir e direcionar os demais prisioneiros para a câmara de gás e, em seguida, limpar e livrar-se dos corpos. Saul executa a sua missão mecânica e friamente, sem qualquer expressão que revele sentimentos. Ele parece cego, surdo e indiferente aos que caminham para a morte. Até que percebem um adolescente respirar, sobrevivendo ao gás letal. Um dos médicos nazistas, no entanto, sufoca a débil respiração e o rapaz morre. A partir daí, Saul se transforma e corre os ricos mais extremos para oferecer ao rapaz - que ele assume como filho, embora não fique claro se a relação é mesmo verdadeira - um enterro clandestino digno e dentro da tradições judaicas. Nessa busca incansável, obstinada e desesperada, a humanidade sufocada e a sanidade sobrevivente.
László Nemes inova colando a sua lente no protagonista Saul, brilhantemente interpretado por Géza Röhrig, resultando numa filmagem exclusivamente em 1ª pessoa e transformando o espectador em caronista autorizado e acompanhando, sem tréguas e perto demais, o que Saul vive, vê e sente.
Em foco narrativo único, toda a nitidez e lucidez (ou ausência de) são reservadas a Saul. O que está fora de seu foco de visão apresenta-se turvo e difuso. O efeito é aflitivo e perturbador.
Com diálogos concisos e objetivos e sem trilha sonora, a sonoridade extra-campo assume a coadjuvância proposital. Os gritos de dor e desespero em segundo plano pincelam fortemente o quadro de horror.
Esse é o maior mérito do diretor estreante e que deve lhe garantir a estatueta! Sem a exposição ampliada de corpos ou expressões - tudo é sugerido e desfocado - e em ambientes predominantemente escuros, sujos e fétidos, o olhar de Saul - e apenas o seu olhar - revelam o horror e o caos!
É um filme que causa desconforto físico e emocional. A câmara move-se frenética quanto mais freneticamente Saul persegue sua missão. Os detalhes de perversidade e crueldade extremas são absorvidos aos poucos, mas ininterruptamente. Em graus que ainda hoje conseguem surpreender, revoltar e angustiar.
O Filho de Saul, sob a lente potente e ávida de László Nemes é uma condenação, sem escape ou suspensão, às profundezas do inferno.
(Canto III - Inferno - Divina Comédia - Dante Alighieri)
O diretor húngaro László Nemes estreia o seu primeiro longa-metragem já como franco favorito ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Os horrores do Holocausto já foram trazidos para as telas sob as lentes mais diversas. E cada lente trás um novo olhar e uma nova angústia ao que, certamente, foi uma das maiores atrocidades já impingidas por um ser humano a outro.
László Nemes trás Auschwitz em 1944. Saul, húngaro-judeu, fazia parte do Sonderkommando, grupo de prisioneiros obrigados a executar a mais cruel das tarefas: despir e direcionar os demais prisioneiros para a câmara de gás e, em seguida, limpar e livrar-se dos corpos. Saul executa a sua missão mecânica e friamente, sem qualquer expressão que revele sentimentos. Ele parece cego, surdo e indiferente aos que caminham para a morte. Até que percebem um adolescente respirar, sobrevivendo ao gás letal. Um dos médicos nazistas, no entanto, sufoca a débil respiração e o rapaz morre. A partir daí, Saul se transforma e corre os ricos mais extremos para oferecer ao rapaz - que ele assume como filho, embora não fique claro se a relação é mesmo verdadeira - um enterro clandestino digno e dentro da tradições judaicas. Nessa busca incansável, obstinada e desesperada, a humanidade sufocada e a sanidade sobrevivente.
László Nemes inova colando a sua lente no protagonista Saul, brilhantemente interpretado por Géza Röhrig, resultando numa filmagem exclusivamente em 1ª pessoa e transformando o espectador em caronista autorizado e acompanhando, sem tréguas e perto demais, o que Saul vive, vê e sente.
Em foco narrativo único, toda a nitidez e lucidez (ou ausência de) são reservadas a Saul. O que está fora de seu foco de visão apresenta-se turvo e difuso. O efeito é aflitivo e perturbador.
Com diálogos concisos e objetivos e sem trilha sonora, a sonoridade extra-campo assume a coadjuvância proposital. Os gritos de dor e desespero em segundo plano pincelam fortemente o quadro de horror.
Esse é o maior mérito do diretor estreante e que deve lhe garantir a estatueta! Sem a exposição ampliada de corpos ou expressões - tudo é sugerido e desfocado - e em ambientes predominantemente escuros, sujos e fétidos, o olhar de Saul - e apenas o seu olhar - revelam o horror e o caos!
É um filme que causa desconforto físico e emocional. A câmara move-se frenética quanto mais freneticamente Saul persegue sua missão. Os detalhes de perversidade e crueldade extremas são absorvidos aos poucos, mas ininterruptamente. Em graus que ainda hoje conseguem surpreender, revoltar e angustiar.
O Filho de Saul, sob a lente potente e ávida de László Nemes é uma condenação, sem escape ou suspensão, às profundezas do inferno.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016
Finitude.
Já era fim de tarde quando a chuva cedeu e ela finalmente entrou no mar. Estranhamente, a água estava morna e convidativa. Mergulhou fundo e profundo. Por alguma razão que não sabia explicar, a água salgada despertava a sua consciência. Não a consciência dos sentidos mais urgentes e ávidos, mas dos sentidos mais caprichosos e esquivos. Mergulhou outra vez mais fundo e mais profundo. Sentiu cada parte do seu corpo entregar-se em relaxamento curador. Alerta, embeveceu-se com o espetáculo à sua volta. Dia e noite misturavam-se em tons e sons opostos em harmonia impensável. No céu, transformado em um imenso tabuleiro de xadrez, nuvens brancas e cinzas disputavam seus espaços preguiçosas e lentas. Marolas treinavam, à exaustão, movimentos repetidos que as promovessem a ondas. O sol, já cansado, irradiava, sem esforço, apenas no topo da montanha que sobressaia-se, verde e exuberante, na opacidade do final do dia. O tempo parou. E diante da grandiosidade da natureza mutante e imprevisível, o conceito de finitude lhe pareceu absolutamente incompreensível.
(Publicado no grupo Minicontos em 07.02.2016. Palavra tema: FINITUDE)
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
Je suis Mangueira.
Não há, definitivamente, espetáculo maior na Terra do que os desfiles das Escolas de Samba na Sapucaí! O coração pulsa forte e os sentidos se rendem, reféns e deslumbrados, à explosão de sons e cores que se inventam ano após ano!
São muitas as críticas e muitas com fundamento. Mas ainda assim, há uma área preservada - e absolutamente natural - que mantém quase intocada a essência das escolas. E que é o que verdadeiramente fascina e encanta!
Tenho imensa admiração pelos profissionais envolvidos em cada área de criação de um desfile! Da concepção, que requer profundos conhecimentos de enorme complexidade , até a cuidadosa execução, capaz de harmonizar os diferentes universos nos mínimos detalhes! O trabalho em equipe é preciso e, como em nenhuma outra atividade profissional, a importância de cada um - do puxador do samba enredo aos anônimos puxadores de carros alegóricos - é reconhecida e valorizada como essencial.
As Escolas de Samba têm papel fundamental na nossa tradição oral. Com escolaridade tão baixa, os enredos talvez sejam os maiores propagadores de cultura. Macunaíma, por exemplo, dificilmente conseguiria tamanha empatia ou entendimento da sua singularidade através de aulas tradicionais de literatura, como teve através do samba enredo da Portela de 1975! E assim a música clássica, e os sofisticados teatros, e lendas, e celebridades diversas chegam ao popular. O mais surpreendente é a criatividade que se supera, permitindo que histórias, mistérios, mitos e até mesmo o trivial mais banal se contem, inventem, traduzam e reflitam infintas vezes! E sempre será inovador! E sempre provocará encantamentos!
E entre tantos talentos e tantas paixões , tem a Mangueira. Estação Primeira de Mangueira. A Verde e Rosa.
Mangueira é unanimidade. Talvez seja, entre todas as Escolas, a que converge o mais íntimo do mundo do samba. Independente de torcer por uma ou outra Escola, a entrada da Mangueira sempre causa frisson, sempre emociona, sempre arrepia! Todo mundo torce por um desfile impecável da Mangueira. A Sapucaí literalmente suspende aos primeiros acordes de "Mangueira, tem cenário é uma beleza..." O flamular das bandeirolas colorem as arquibancadas como nenhuma outra!
A vitória no Carnaval 2016, após 14 anos de jejum, foi merecida. Um belíssimo desfile, com muita emoção, e, no tributo à Bethânia, toda a diversidade espiritual do Brasil! A disputa é mesmo acirrada, o nível técnico é cada vez mais alto e as inovações se superam Escola a Escola! São, portanto, os pequenos detalhes que fazem a diferença. Foi uma das disputas mais justas dos últimos anos, e Unidos da Tijuca, Salgueiro e Portela, também belíssimas e com desfiles que encheram os olhos e o coração, teriam sido igualmente merecedoras! Mas para felicidade de Oyá e de toda a comunidade, deu Mangueira!
O Brasil hoje é Verde e Rosa! Porque, no fundo, no fundo mesmo, até quem não admite, todo mundo - inclusive quem não é Mangueira, - é Mangueira!
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016
Macaco de Fogo.
"Eu sou o experiente viajante do labirinto.
O gênio do entusiasmo, o mago do impossível.
Meu brilho ainda é incomparável em sua originalidade.
Meu coração está cheio de uma forte magia, que poderia lançar uma centena de encantos.
E coloco todos juntos para o meu próprio prazer.
EU SOU O MACACO."
Fé a gente encontra em todos os credos. Explicações a gente encontra em todos os alinhamentos cósmicos. E é assim, de credo em credo e de astro em astro que a gente se torna um mosaico esotérico. Ainda que céticos e incrédulos, a eternizada máxima "pero que las hay las hay"permite e perdoa qualquer devoção!
Que o ano de 2015 foi nefasto, não resta dúvidas! E parece, me atestam estudiosos e entendidos, que a culpa foi da cabra! E deve ter sido mesmo! Quem é do signo de Capricórnio, como eu, conhece na pele o poder e peso da cabra. Alia-se a isso os conhecimentos milenares dos chineses e a explicação me convence. Maldita cabra nefasta!
Mas a partir de hoje, me afirmam cheios de certeza os mesmos estudiosos e entendidos, começa o novo ciclo! A partir de hoje, entre a regência do Macaco de Fogo!
Não sei ao certo o que significa, mas já recebo o Macaco de Fogo com alegria e honrarias! Passou a ser o meu animal preferido e em quem deposito as minhas esperanças por um ano auspicioso!
Macaco é maroto, safo, cheio de artimanhas, curioso e inventivo. De fogo, então? 2016 vai arder em chamas! Purificação!
Acho promissor. Acho que a personalidade singular do macaco pode abrir possibilidades criativas e surpreendentes! Soluções não convencionais. Adaptabilidades e riscos impulsivos! Transitoriedades e a certeza das impermanências.
Depois do rastro de pessimismo deixado pela cabra nefasta, não é um alento conseguir ver mais além do que parecia não ter saída? Imputar um pouco de leveza e peraltice ao conformismo desesperançado?
Abram alas, todos os credos! Abram alas, todos os astros! Abram alas, signos zodiacais! O Macaco do Fogo pede passagem! Em pleno carnaval, incendeia os caminhos por onde passa!
Salve Símio Vermelho! O ano é todo seu!
O gênio do entusiasmo, o mago do impossível.
Meu brilho ainda é incomparável em sua originalidade.
Meu coração está cheio de uma forte magia, que poderia lançar uma centena de encantos.
E coloco todos juntos para o meu próprio prazer.
EU SOU O MACACO."
Fé a gente encontra em todos os credos. Explicações a gente encontra em todos os alinhamentos cósmicos. E é assim, de credo em credo e de astro em astro que a gente se torna um mosaico esotérico. Ainda que céticos e incrédulos, a eternizada máxima "pero que las hay las hay"permite e perdoa qualquer devoção!
Que o ano de 2015 foi nefasto, não resta dúvidas! E parece, me atestam estudiosos e entendidos, que a culpa foi da cabra! E deve ter sido mesmo! Quem é do signo de Capricórnio, como eu, conhece na pele o poder e peso da cabra. Alia-se a isso os conhecimentos milenares dos chineses e a explicação me convence. Maldita cabra nefasta!
Mas a partir de hoje, me afirmam cheios de certeza os mesmos estudiosos e entendidos, começa o novo ciclo! A partir de hoje, entre a regência do Macaco de Fogo!
Não sei ao certo o que significa, mas já recebo o Macaco de Fogo com alegria e honrarias! Passou a ser o meu animal preferido e em quem deposito as minhas esperanças por um ano auspicioso!
Macaco é maroto, safo, cheio de artimanhas, curioso e inventivo. De fogo, então? 2016 vai arder em chamas! Purificação!
Acho promissor. Acho que a personalidade singular do macaco pode abrir possibilidades criativas e surpreendentes! Soluções não convencionais. Adaptabilidades e riscos impulsivos! Transitoriedades e a certeza das impermanências.
Depois do rastro de pessimismo deixado pela cabra nefasta, não é um alento conseguir ver mais além do que parecia não ter saída? Imputar um pouco de leveza e peraltice ao conformismo desesperançado?
Abram alas, todos os credos! Abram alas, todos os astros! Abram alas, signos zodiacais! O Macaco do Fogo pede passagem! Em pleno carnaval, incendeia os caminhos por onde passa!
Salve Símio Vermelho! O ano é todo seu!
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