sexta-feira, 29 de abril de 2016

29 de abril. Dançar é preciso.

"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música." (Nietzsche)




A dança entrou na minha vida tardia e casualmente. Mas de forma tão arrebatadora e envolvente que parece que sempre fez parte. Aliás, sempre fez! Ainda que por  pelas sapatilhas  e saias  e collants imaginários que sempre povoaram a minha imaginação!

Começar a dançar formalmente  já na idade adulta é um desafio! Não é fácil introduzir  tantos movimentos físicos intensos e  estranhos ao mesmo tempo. E coordenar braços e pernas que desafiam a autoridade do seu querer. E memorizar coreografias que, pela  inexperiência, são  mais complexas que equações de física quântica. E absorver os movimentos da salsa e do merengue e do tango e da rumba e do chachacha e do samba e do bolero e do forró e do foxtrot e do clássico e do paso doble e  até do flamenco!

Não se iludam! Sou péssima dançarina, por mais que me custe admitir isso! Mas isso não faz a menor diferença! Pois o prazer de dançar por dançar, sem o compromisso da precisão ou do resultado, é libertador!

Claro que tornar essa experiência positiva e tão prazerosa dependeu de outras condições: um ambiente acolhedor, uma turma parceira e incentivadora, muito bom humor - muito! -  e um professor atento e dedicado capaz de aflorar as divas recolhidas  ao final de cada aula!

Tive a grande sorte do acaso me presentear com todas as condições acima! Pois mais do que passos e rodopios, a  dança me ensinou virtudes mais valiosas e me trouxe companheiras de sapatilhas sem as quais já não imagino a minha vida!

E é por isso, e por celebrar hoje o Dia Internacional da Dança, que reproduzo ,em agradecimento,:

Oração da Dança (Santo Agostinho - 354 a 430 d.C):

Louvada seja a dança,
Ela libera o homem
Do peso das coisas materiais
Para formar a sociedade.

Louvada seja a dança,
Que exige tudo e fortalece
A saúde, uma mente serena
E uma alma encantada.
A dança significa transformar
O espaço, o tempo e o homem
Que sempre corre  perigo
De perder-se ou somente o cérebro,
Ou só vontade, ou só sentimento.

A dança porém exige
O ser humano inteiro,
Ancorado no seu centro
E que não conhece a vontade
De dominar gente e coisas,
E que não sente a obsessão 
De estar perdido no seu ego.

A dança exige o homem livre e aberto,
Vibrando na harmonia de todas as coisas.

Ó homem, ó mulher, aprenda a dançar!
Senão os anjos do céu
Não saberão o que fazer contigo."







segunda-feira, 25 de abril de 2016

25 de abril. Pra não dizer que não falei de flores.

"Sei que há léguas a nos separar... Tanto mar, tanto mar... Sei também que é preciso, pá... Navegar, navegar... Canta a primavera, pá... Cá estou doente... Manda urgentemente... Algum cheirinho de alecrim..." 
(Tanto Mar - Chico Buarque)






A Revolução dos Cravos em Portugal completa hoje 42 anos. Em léguas de mar de lá e em léguas de mar de cá, os ideais de liberdade e democracia exalavam vermelhos e intensos.

Após quatro décadas, vivemos sombrios outonos primaveris. Extremismos religiosos e políticos, contaminação de preconceitos, patrulhamento das liberdades coletivas e individuais, banalização dos valores éticos, morais e humanistas essenciais. Adoecemos em aridez.

Coincidentemente - ou não - nas nossas léguas de mar de cá, inciamos hoje no Senado um importantíssimo processo político e determinante para a lenta recuperação do caos em que estamos mergulhados. Longe de ser o cenário ideal. Longe de ser a composição política qualificada e isenta. Longe de espelhar o respeito pelas diferenças ideológicas desejável e necessário.Longe de qualquer anseio coletivo. Mas assim construímos a nossa representatividade. E é ela que nos conduzirá a qualquer que seja o desfecho, dentro da democracia defendida pela imensa maioria, seja de que lado estejamos.

Historicamente, as transformações se dão justamente dos impasses.

Que esse 25 de abril amanheça florido em posturas e decoro responsáveis . E que cravos em orquestração anárquica promovam novas revoluções. Pacíficas. Pessoais. Coletivas. Profundas. Democráticas. Libertadoras. Salvadoras.

domingo, 24 de abril de 2016

Truman. No direito sobre a própria vida, tudo o que importa na vida.

"Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum." (Salmo 23:4)





O enfrentamento da morte não é tema inédito no cinema e quase sempre oscila naquele limbo perigoso da pieguice e  da obviedade.

O diretor catalão Cesc Gay, com muita competência, traz um filme equilibrado entre a densidade e a leveza; o drama e a comédia; a crueza e  delicadeza. E até mesmo os poucos clichês se justificam justamente por serem usados na perfeição do seu sentido.

Talvez a principal razão do sucesso tenha sido delegar à iminência da morte o papel de fio condutor da trama, e não o protagonismo. Como um rio principal, ela (trans) corre ao longo dos  106 min, mas revela seus afluentes que, estes sim, discutem os temas importantes e fundamentais de quem se confronta com o inevitável.

Assim, temas polêmicos surgem com extremo objetivismo e praticidade  o que, dentro do nosso conservadorismo latino-cristão, certamente causa estranhamento. Estranhamento aliviado pelo brilhantismo dos atores ao imprimir dramaticidade e comicidade calculadas e pertinentes.

Ricardo Darín, a cada projeto, se confirma como o talento  superlativo ibero-americano! Sua capacidade de tornar-se comum diante das situações mais incomuns é surpreendente! Que prazer é vê-lo dar vida a Julián, ator argentino radicado em Madri e que, após um ano lutando contra um câncer, decide abandonar o tratamento e aceitar a sua morte. Com esse conflito superado nos primeiros momentos do filme, o carisma de Darín é emprestado para tornar Julián  ao mesmo tempo afetuoso e ácido, altivo e humilde, maduro e infantil. Tudo na dosagem certa!  Impossível não se comover com o seu destino e  suas tentativas de amarrar as pontas soltas de sua vida.Que coragem para enfrentar a decisão solitária do fim que é sempre solitário!

Javier Cámara, seu amigo Tomás que vive no Canadá e vem passar 4 dias com ele diante desse quadro dramático, é o contraponto perfeito para as reflexões inevitáveis e para as oscilações compreensíveis de humor. Javier Cámara impõe equilíbrio sereno e ponderado com gestual e facial geniais! Os seus espantos são rapidamente assimilados e incorporados com a naturalidade estranha ao seu repertório. Sua lealdade e generosidade comovem. às lágrimas!

E esse passa a ser, no final, o viés raro no cinema: a  relação de amizade entre dois homens. Com toda as contenções características desse universo e tão diferentes da altas temperaturas da mesma relação entre mulheres!

Julián e Tomás protagonizam uma das mais belas e profundas relações de amizade do cinema recente! E justamente diante de uma situação extrema! A dramaticidade argentina de um lado x a contenção espanhola/canadense de outro.  Um presente vê-los desenhar as nuances dessa amizade e criar o conforto necessário - para ambos - para o enfrentamento de suas respectivas perdas. Delicado, sincero, verdadeiro, intenso. E tão imbuído da objetividade e pragmatismo tipicamente masculinos!

Dolores Fonzi, a prima Paula, entra como o elemento feminino necessário para imputar alguns extremos que aliviam a tensão e não possíveis dentro da relação Julián/Tomás.

E o Truman? É o cachorro, leal companheiro e que precisa de um novo lar para quando o seu dono se for. Até mesmo a escolha do nome do filme reforça a  opção da morte como condutora, e não determinante. Determinado já está! Os aspectos práticos da decisão, tão doloridos, entre eles cuidar do futuro do cachorro, são as pulsões emocionais das ações.

Um fato curioso é que o cachorro Truman, na vida real, se chamava Troilo. Ricardo Darín queria manter o nome por remeter a Anibal Troilo, um famoso compositor de tango argentino e que agregaria a "argentinidade" que vem  com a dramaticidade e a sentimentalidade do tango. Cesc Gay manteve Truman. O triste é que Troilo morreu apenas  algumas semanas após a filmagem.

Um filme que surpreende pela leveza inesperada diante da temática tão forte. A comoção é tão inevitável quanto o riso.

A melhor síntese? "Se você quiser chorar, venha ver essa comédia!".


sábado, 23 de abril de 2016

Mateus.18.

"Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo, tempo, tempo, tempo..."

(Oração ao Tempo - Caetano Veloso)

Mateus é o meu sobrinho-neto mais velho. Nasceu  lindo. Cresceu lindo. E lindo completa hoje 18 anos!

Há algo de muito solene nessa maioridade, pois ela desafia o ritmo natural do deus tempo.  Admitir maioridades é , afinal, ritual complexo nas relações familiares. Reconhecer o crescimento  e a independência de filhos e sobrinhos é um processo maturado  muito a contragosto. E não sem sofrimento. Mas sobrinho-neto??  Nem com toda a boa-vontade do mundo!

Mas o deus tempo é caprichoso e ardiloso. E permite que sobrinhos-netos cresçam, aprendam a andar, falar, correr,  ler e escrever, sociabilizar, viajar, formar opiniões, discordar, sobreviver e se bastar.  E permite que eles completem 18 anos. E iniciem a vida adulta e tracem seus próprios caminhos e vivam seus próprios sonhos!  Injusto! Mas a compensação é que jamais deixarão de ser  os bebês lindos que chegaram como presentes divinos nas nossas vidas!

No caso do Mateus, sei que sua vida adulta será plena e rica! E que seus caminhos serão prósperos e cheios de aventuras!

Como poderia ser diferente? Nascido no dia de São Jorge e  com sangue viking correndo nas veias, tem proteção garantida e a coragem dos mais destemidos guerreiros!  Domará dragões e explorará mares! Repousará na lua e testemunhará sóis-da-meia-noite! Haverá destino mais sedutor?

Volto ao tempo. E ao ritual  conflituoso que mostra toda a plenitude da sua divindade . Que   corre continuo e ininterrupto e  nos escapa, fluido e intangível  ao mesmo tempo,  em que cria  os espaços e pausas para contemplação e renovação. Estica-se em promessas de infinitude, ao mesmo tempo em que estabelece  limites ao alcance das mãos.

Que o deus tempo seja generoso com o Mateus! E lhe conceda experiências realizadoras e engrandecedoras! E muitas e muitas e sempre felicidades!








Shakespeare 400.



Mrs. Stevens foi minha professora de Literatura Inglesa na USP.   Era uma mulher grande e andava com dificuldade, arrastando os avantajados quadris. Não tenho a menor ideia de quantos anos teria na época, mas tinha um rosto envelhecido e  boca e nariz nada discretos.  O cabelo era ralo e caia na altura dos ombros.  Parecia uma personagem tirada de algum  dos clássicos!

 De Beowulf  e Chaucer até Virginia Wolf e T.S.Eliot, nos fez percorrer a história, costumes e a literatura da Inglaterra. Sempre na sua forma peculiar. Falava rápido e sem meias palavras. Ria alto e nervosa. E não tinha  paciência pra perguntas e interrupções.

Quando chegamos a Shakespeare, no entanto, descobrimos sua paixão e  inesperada doçura. Um ano inteiro dedicado ao Bardo do Avon, cuja obra dissecamos com  curiosidade  e espantos sucessivos! Ela tinha em sua casa uma coleção de discos rotação 45 de encenações clássicas por renomados atores ingleses e nos fazia ir até lá, aos sábados à tarde, para ouvi-los! Nos recebia numa pequena saleta  vitoriana, com prateleiras repletas de livros, por onde nos espalhávamos pelo chão e nos  servia chá  e biscoitos. Cada sábado era uma obra. Ela se sentava numa poltrona, fechava os olhos e recitava junto com os atores, em enlevação comovente. Nós, por outro lado, lutávamos entre o idioma no original em entonações dramáticas e pouco compreensíveis e a impaciência de perder nossos sábados numa atividade que nos parecia desnecessária.

Ao pensar nos 400 anos da morte de Shakespeare, as memórias de Mrs. Stevens me fazem sorrir e  agradecer aqueles anos, aqueles sábados, e o  conhecimento e a admiração  generosamente compartidos.





William Shakespeare nasceu num 23 de abril e morreu, ao 52 anos, também num 23 de abril. Sua primeira peça foi escrita em 1590 e, em 26 anos, produziu 38 peças e 154 sonetos. Um legado jamais superado e que tem atravessado gerações e gerações sem jamais perder - nem de leve! - o seu vigor e modernidade. Pelo contrário, a abrangência de sua obra nunca pareceu tao vívida e atual no nossos acervos literários, dramáticos, afetivos e simbólicos.

Sua teatrologia completa tem mais de 2.000 páginas. Ele contribuiu com 3.000 palavras e expressões para a língua inglesa. 27 luas de Urano são nomeadas com seus personagens. Machado de Assis faz 300 referências a ele em 170 de seus  textos. 200 cachorros aparecem em sua obra. Ele contabiliza 60 mortes, sendo 18 suicídios.

A explicação para tamanha  influência parece simples, mas reflete a imensa complexidade de sua obra. Shakespeare, como nenhum outro isoladamente, lapidou todas as comédias e tragédias do ser humano, dissecando , em minúcias que ainda surpreendem a cada leitura, os sentimentos mais nobres e os mais vis e  que moldam  nossos comportamentos e consciências. Amor, compaixão, inveja, vingança, ardis, traição, altruísmos,  inocência, cobiça, sofrimento, salvação e fatalidade brincam e determinam destinos. Nossos destinos.

Gênio dos gênios! Talento dos talentos! Insuperável!

Fosse Shakespeare único na história, ainda assim sua obra seria suficiente para provocar todas as reflexões e  encantar e emocionar pela beleza das palavras e pela intensidade dos sentimentos. Fosse a literatura a única arte conhecida, todas as outras surgiriam naturalmente para completá-la e melhor expressá-la. E a música e a dança e e o teatro e as artes plásticas e o cinema  floresceriam em primaveras eternas apenas sob sua inspiração.

A conexão com sua obra é diversa e abrange vários universos criativos. Apesar do cinema ter produzido cerca de 420 versões de suas obras - em formatos clássicos e adaptados - ainda é na literatura  e no teatro que sua referência me toca mais profundamente.

Ler Shakespeare é uma experiência transformadora. A cada leitura, uma nova experiência, uma nova transformação. Cada uma de suas peças abre possibilidades de  correspondência que não se esgotam! A atemporalidade de seus trabalhos impressionam e sempre encontram eco!

Já tive a sorte de assistir a algumas montagens incríveis de Shakespeare no teatro. Cada uma especial a seu modo. Mas nenhuma se compara à montagem de Romeo e Julieta de Gabriel Villela! Que obra-prima! Uma daquelas expressões artísticas inesquecíveis e que agradeço ter vivenciado!

Missão quase impossível listar ou classificar as obras mais importantes ou impactantes do Bardo. Cada uma tem seu espaço e sua relevância. Cada uma, a seu tempo -  em determinado tempo - emociona mais fortemente. E essa é a maior das belezas do seu legado: sempre permite releituras! Tantas quantas as possíveis, ao longo da história, para retratar todas as nossas humanidades!

Particularmente, entre todas, tenho preferência declarada por Sonhos de Uma Noite de Verão! Ainda que não seja a mais característica, o estilo lúdico, leve, romântico e cômico encanta e envolve em alternâncias  entre as  realidades e  as fantasias que permeiam o mundo dos sonhos.  Uma noite para cada sonho. Para todos os sonhos.

"Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre , em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado." 
(William Shakespeare - Sonhos de Uma Noite de Verão)














sexta-feira, 22 de abril de 2016

Breve retrospectiva do nosso Descobrimento.


Era uma vez um país mergulhado em profunda recessão, corrupção, disputas de poder, aberrações políticas, imoralidades,  práticas escusas e polaridades inconciliáveis.


Era uma vez um país que, cheio de otimismo e ilusão, ousou sonhar com um governo mais social, justo e comprometido com mudanças.  De fato. Necessárias e desejadas.




Era uma vez  um país que comemorou a democracia recém conquistada com esperanças de transformação e prosperidade.



Era uma vez um país condenado a uma ditadura cruel e criminosa. E silenciada por torturas indizíveis.



Era uma vez um país que precisou experimentar repúblicas para aprendê-las. Ou desaprendê-las.





Era uma vez um Império que declarou-se República para  decidir os seus rumos incertos.




Era um vez um Império que aboliu a escravatura  apenas numa pena de caneta.



Era uma vez um Reino Unido que bradou o seu grito de (in)dependência às margens do Rio Ipiranga.



Era uma vez uma Colônia que recebeu a corte portuguesa com status inebriante de Reino Unido.



Era uma vez uma Colônia que massacrou insurreições promovidas - ironicamente - a seu próprio favor.




Era uma vez Capitanias Hereditárias que expulsaram invasores que atentavam contra suas riquezas.




Era uma vez uma Colônia que desmembrou-se em  favorecimentos de poder chamados Capitanias Hereditárias.



Era um vez expedições e expedições de reconhecimento de riquezas. De tantas riquezas que nem se podia dar conta.




Era uma vez um terra próspera e abençoada povoada por índios e que foi brutalmente dominada, subjugada e explorada.



Era uma vez três caravelas - Pinta, Nina e Santa Maria - que, durante uma calmaria...





domingo, 17 de abril de 2016

Minha irmã mais velha.

Hoje minha irmã mais velha completa 65 anos!  Minha mãe queria que sua filha tivesse Maria no nome. Meu pai queria  nome de  rainha.  Ela, então,  nasceu Maria Elisabeth. Assim,  com s. Meu pai a chamava de Tequinho. Mas, para o resto do mundo, ela sempre foi Beth.

Quem tem uma irmã mais velha, entende bem as vantagens de  nascer depois dela! Ela é quem ensina os pais a serem pais. Concentra todas as expectativas.  Chama pra si as responsabilidades e os exemplos. E também as transgressões. Aprende desde muito cedo a ceder, a perder a prioridade. Cuida, protege. E abre os espaços e ameniza os conflitos. Sempre na linha de frente!Afina, tudo acontece primeiro com ela!

Mas  quem conhece a Beth sabe que ter  um irmã mais velha como a minha é muito além do listado acima!

Da  minha infância, tenho alguns flashes da minha irmã já adolescente:  dela me buscar algumas vezes na escola;  das toucas  no cabelo feitas com meias de seda; do vestido mais lindo de que tenho memórias: rosa de tecido brilhante e com botões de flores aplicadas;  da paixão pelo ator de Candelabro Italiano; das amigas enlouquecidas com o filme Help; das simpatias de namorados; do meu estranhamento a primeira vez que vi uma aluna dela chamando-a de "dona Elisabeth"; de um curso de culinária e do prato que ela fez: delícia americana; dos posters do Edu Lobo que, na parede do nosso quarto, acompanhavam os meus posters do Chico Buarque.

Eu tinha 14 anos quando ela se casou. Na sua casa tinha um minhocão amarelo-mostarda (acho!) que servia de sofá. E ela fez um lustre de copos descartáveis que eu achava lindo! Aliás, ela sempre teve talentos manuais. Fez cursos de pintura em tecido, pintura em porcelana, bordado e hoje produz quilts maravilhosos!

Minha primeira sobrinha nasceu em 74, minha primeira afilhada em 76 e meu primeiro sobrinho em 79. Acho que ela era meio louca, pois nos deixava sair com essas crianças pra cima e pra baixo sem restrições. Levávamos à praia, ao teatrinho, andávamos de ônibus... Depois que tive meus próprios filhos, passei a achar uma temeridade!

Ela foi avó cedo! Mateus tem 17 anos, Tiago 14, Lucas 9, Tales e Laura 5. Avózona! Dessas de livros. Das memórias.  Mas que faz as coisas despreocupadamente e precisa ser tutelada nas recomendações dos pais mais preocupados.

A Beth é uma figura! O que, no seu entendimento, é sinônimo de vanguardismo!  Vanguardismo legado ao meu filho Daniel, de quem , não por acaso, ela é madrinha! Lê muito e sabe um monte de coisas. De antropologia a astrologia. Tem uma serenidade que você duvida que seja possível! O mundo cai e ela está serena! E olhem que alguns mundos caíram ao redor. Essa serenidade, não gratuitamente, atrai as situações mais bizarras! Ela consegue reagir com naturalidade a toda e qualquer situação! A voz não se altera, o olhar é dento do olhar do outro e qualquer  absurdo soa lugar comum! Ela não precisa sair de casa para as coisas acontecerem. O mundo paralelo do surrealismo bate à sua porta ou no toque do telefone. Tudo chega nela! Às vezes, a imagino sentada numa banquinha dessas de praça "Me Conta Que Eu Te Escuto", e as pessoas sentam lá e contam as histórias mais improváveis!

Essa habilidade faz dela ouvinte preferida! Todos temos ímpetos de ligar pra ela quando alguma coisa acontece! E ela ouve atenta, generosa, tranquila. E sempre responde com ponderação e lógica. Tudo passa a fazer sentido. Tudo encontra seu lugar na lógica e no sentido. E nunca nos sentimos inadequados ou descolocados. Essa habilidade de acolhimento e empatia é rara! E tão especial!

Hoje, ao comemorar os seus 65 anos, desejo a ela toda a felicidade  possível do mundo!

E agradeço a  minha sorte em ser uma das irmãs mais novas da minha irmã mais velha!

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sábado, 16 de abril de 2016

Voz.


Olhou-se no espelho com tristeza endurecida. Nada via naquele rosto e naquele corpo além dos anos acumulados de rejeição. Queria arrancá-los dela! Ser, afinal, apesar de e além deles. O radinho esquecido na gaveta surgiu como salvação. Sem hesitar, engoliu-o om pilha e tudo! E desejou, ardentemente, tornar-se apenas uma voz!



(Publicado no grupo Minicontos em 12.04.2015. Palavra-chave: RÁDIO)

quinta-feira, 14 de abril de 2016

O café nosso de todo dia.






Mil anos de aromas, sabores e lendas. Sol negro que nos desperta para a luz do dia. Todos os dias. Fonte de energia para o nosso cansaço. Sabedoria no momentos de dúvida e preocupação. Aconchego para a tristeza. Comunhão entre amigos. Quietude solidária na solidão. Bebida mágica de poderes misteriosos. Conhece a nossa sorte. Lê nossos segredos. E compreende.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Um beijo.

Ele, então, beijou-a suavemente. E ela, entregue, ignorou os limites do confinamento e descruzou suas pernas na paisagem. Amaram-se, por fim, desmedidamente. Com pressa e sem detalhes. Em planícies construídas a partir de seus abismos.







(Publicado no grupo Minicontos em 22.04.2012. Palavra-chave: LIMITE)








sexta-feira, 8 de abril de 2016

Pé na Cova. Aprendendo com o Irajá.

"É uma história, seu Ruço. É só mais uma história."  (Pé na Cova - 07.04.2016)


Irajá, bairro da  região norte do Rio de Janeiro e originalmente habitada pelos índios tupinambás, significa, na linguagem nativa,  "o mel brota".

E foi nesse  subúrbio típico e caricato que Miguel Falabella decidiu abrigar personagens inusitados, inesperados, improváveis e protagonizar histórias que jorraram mel aos borbotões!!

Tinha tudo pra dar errado.  Um bairro típico sem qualquer qualquer glamour  ou contrastes entre riqueza ou pobreza extrema. A morte como pano de fundo, tratada com irreverência e uma naturalidade que causa estranhamento. Composições familiares e sociais atípicas e beirando o absurdo. A começar pelos nomes. A seguir com as "anormalidades". A continuar com  o humor calculado e medido para também permitir as emoções incontroláveis dos relacionamentos humanos. Mas,  contrariando o risco assumido, deu muito certo!

O sucesso? Um texto primoroso, cuidadoso, coerente e amarrado. Atores dedicados e integrados. E uma generosidade afluente e transbordante que permitiu espaços e brilhos. Até - e principalmente, a   luzes cadentes.

Toda a diversidade do mundo num pequeno fim de mundo do Irajá! Escancarado sem filtro e sem tutela ou didatismo.  Apenas no convívio natural e que precisa, sempre, sem cessar, novos olhares  e acomodações. As vezes com algum esforço, mas sem o julgamento de que sejam aberrações. Os universos plurais com seus espaços garantidos. No bem e no mal. Nas transgressões e nas correções.

Ruço e Darlene serão personagens que ficarão na história. Pela sua simplicidade sábia! Pela intuição muto mais do que pela razão. Pelo amor que aceita e abraça. Sempre e apesar de. Pelas vulnerabilidades expostas sem medo ou defesa. Pelos sentimentos   que comandam a vida que vale a pena viver.

Em tempos de posições, verdades e julgamentos tão extremos, Irajá foi  bálsamo. Em tempos de intolerâncias e ódios separatistas e inconciliáveis, Irajá foi calmaria. Em tempos de lutas  - ainda - por liberdades individuais e garantia da convivência com as diversidades, Irajá foi acolhida serena.

Vai deixar saudades. Principalmente a última temporada, em que Falabella se despediu de Marilia em cenas de emoção verdadeira e contagiante! Iluminado e inspirado, tentando perpetuar todo o brilho possível para a estrela que se apagava.

Uma história é uma história. É só uma historia. Mas há histórias e histórias. Essa valeu a pena!

Os índios sabiam tudo! Brota mel no Irajá! Quem dera brotasse um pouquinho de Irajá em todos nós...





terça-feira, 5 de abril de 2016

Torcidas Organizadas: Paixão, violência e sociedade.

"Não acredito que um jogo de bola e, sobretudo jogado com os pés, seja capaz de inspirar paixões e ódios." (Lima Barreto - 1918)

Torcer vem do latim "torquere", de significado original torcer, desvirtuar, distorcer, adulterar, tornar, virar, torturar e  atormentar. Torcedor seria, portanto, aquele que distorce os fatos e falseia a verdade, vendo apenas o que lhe é favorável.

Curiosamente, numa interpretação exclusivamente brasileira, o jornalista e radialista Luiz Mendes atribui a origem da palavra torcida a um ato de extrema elegância:


"No começo do futebol, ir ao estádio era um ato de elegância, principalmente no Fluminense. Por isso o Fluminense tem até hoje essa fama de clube aristocrático. As mulheres se enfeitavam como se fossem ao Grande Prêmio Brasil, colocavam vestidos de alta costura, chapéus, luvas. Mesmo que a temperatura na cidade estivessem por volta dos 40º, elas iam de luvas. Como o calor era muito grande, elas tiravam as luvas e ficavam com as luvas nas mãos, e como ficavam nervosas com o jogo, elas as torciam ansiosamente. Os homens usavam a palheta, um chapéu de palha muito comum na época, muito elegante e também ficavam com o chapéu na mão enquanto torciam. O Coelho Neto, que além de poeta e cronista era pai de dois jogadores do Fluminense: o Preguinho, que foi o primeiro homem a fazer um gol pela seleção brasileira em uma Copa do Mundo, e do Mano, que morreu em consequência de um jogo de futebol, levou uma bolada e acabou morrendo; pois o Coelho Neto escreveu uma crônica em que ele usava a expressão "as torcedoras" , referindo-se às mulheres e dali a expressão pegou e nasceu a torcida. Havia quem dissesse que torcida vinha do fato de as pessoas torcerem os fatos, de o torcedor torcer os fatos a favor de seu clube, mas não foi dai que o termo veio não. Apesar de que quem torce, realmente torce as coisas e até distorce. Mas, na verdade, não foi por isso, foi mesmo pelo gesto das moças , principalmente das que torciam com as luvas entre as mãos."





Talvez por inevitável identificação tricolor, abraço a segunda versão para a origem da palavra. E não sem lembranças da adolescência polvilhadas do pó de arroz que cobria as arquibancadas do Maracanã aos domingos. Jovem Flu e Young Flu: minhas primeiras e saudosas experiências com torcidas organizadas.

É bem verdade que qualquer confronto Fla x Flu gerava tensão. Discussões e xingamentos eram frequentes. Pancadarias mediante provocações também. Mas o que mais assustava , na verdade, eram os rojões -  dezenas - soltos a esmo na entrada do time ou nas comemorações dos gols.

Havia um comportamento tácito preventivo. Por exemplo, levar sempre uma camiseta extra para esconder a do clube e evitar confrontos na saída. Afinal, quem perdia, com os nervos exaltados, não perdoava. Também sentar na arquibancada oposta só sob voto de silêncio e sem esboçar qualquer reação diante de qualquer supremacia do time do coração. Leis de sobrevivência.

As manifestações mais apaixonadas ou reativas, no entanto, parecem brincadeiras de criança quando comparadas com o grau de violência que impera hoje dentro e fora dos estádios.

"Nós, brasileiros, somos pobres e humilhados. o futebol é a nossa vingança." (Tostão)

Os números assustam. Desde 2010, já foram 113 vítimas fatais, sendo 30 delas apenas em 2013! O perfil dos agressores é o mesmo: jovens entre 15 e 24 anos, de todas as classes sociais , na sua maioria associados ao crime organizado e ao tráfico de drogas.

O futebol talvez ainda seja o mair símbolo de nossa unidade e identidade.Apesar da decepção com o  fraco desempenho das nossas seleções atualmente, ainda somos assumida e orgulhosamente o país das chuteiras. E em clara oposição ao caráter agressivo e violento das manifestações das torcidas, o futebol  é um esporte essencialmente inclusivo e democrático, além de portador de forte apelo lúdico.  Num país de tantos contrastes geográficos, étnicos, culturais e sociais, é de se estranhar a convivência cada vez mais difícil com as diversidades inerentes à prática de qualquer esporte - e, por espelhamento, às nossas próprias diversidades.

E talvez a explicação esteja justamente nesse espelhamento.Imagem distorcida. Macunaímas por natureza.

Quanto mais permissivos e tolerantes com os dois pilares que têm sustentado nossa sociedade - impunidade e corrupção - mais mergulhamos na violência social e permitimos micro violências. E, com elas, abalizamos o descrédito de país, a falta de oportunidades, a injustiça social, a baixa auto estima, a exclusão e inadequação. Sentimentos absolutamente contrários à natureza do futebol! Mas que, lamentavelmente, hoje também o definem.

"Amigos, eu sempre digo, aqui e em qualquer lugar, que o torcedor de futebol é um monstro de circo de cavalinhos. Fala-se que o amor é a mais sombria, a mais violenta, a mais cruel paixão do homem. Mentira; - é o futebol. Insisto: - o futebol desfigura o ser humano, tira-lhe todo o raciocínio, todo o sendo do bem e do mal, faz dele o já aludido monstro de circo, transforma-o num Drácula horrendo." (O Torcedor - Nelson Rodrigues - 1929)

E só assim se explica a má combinação paixão/frustração. O que deveria agregar segrega. O que deveria unir distancia. O que se reconhece renega. E a índole pacífica se revolta.

E o futebol passa a ser o espelho de um país dividido, intolerante, agressor e violento. E o torcedor, mecânico reprodutor do que sofre, aprende e não entende.

Volto às luvas. E à elegância que deveria - e poderia - determinar as nossas chuteiras. Dentro e fora do campo. Dos campos. Todos os campos que desafiam hoje nosso desempenho e torcida.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Bem-me-quer, malmequer.






Bem-me-quer... Malmequer... Hoje, quem mal me queira, conte-me verdades. Todas as que eu preciso ouvir. Malmequer...Bem-me-quer... Mas quem bem me queira, conte-me mentiras. Todas as que eu quero ouvir. Bem-me-quer.. Malmequer... Hoje, quem mal me queira, fique e me lembre quem sou. Malmequer... Bem-me-quer... Mas quem bem me queira, volte só amanhã e deixe-me fingir quem não sou. Hoje todas as verdades descansam. E mal quereres podem fingir bem quereres. Só hoje.