quarta-feira, 31 de maio de 2017

O Bardo da Democracia.






Bardos, na Europa antiga, eram os contadores de histórias, poetas e cantores que transmitiam lendas, mitos e poemas cantados pelas terras por onde passavam.

A História reconhece alguns "bardos" pela importância e alcance de suas obras. William Shakespeare , inicialmente o Bardo do Avon, tornou-se simplesmente The Bard, por excelência indiscutível e insubstituível.

Mas os Estados Unidos também contribuíram com o seu bardo por excelência igualmente indiscutível e insubstituível : Walt Whitman, o Bardo da Democracia.

 Walt Whitman (1819 - 1892) é considerado o poeta da revolução americana  e o pai do verso livre, recurso literário que transformou  a literatura moderna. A sua produção poética concentra-se em um único livro: Leaves of Grass. Obra-prima. OBRA-PRIMA! A primeira edição foi em 1855 e foi duramente criticada não só pela forma (versos livres, longos e brancos) como também pela temática dos temas cotidianos como progresso técnico, sexualidade e política. Até a sua morte, várias edições foram publicadas, todas devidamente revisitadas e com novos poemas incluídos. OBRA-PRIMA!

A obra, sem surpresas, foi duramente criticada, Por muitos anos. Por muitas  edições. Até ser, merecidamente,  reconhecida como um dos livros mais originais e poderosos da literatura mundial. E a bíblia dos ideais democráticos.

Quem não se lembra do  filme MARAVILHOSO A Sociedade dos Poetas Mortos? E da  atuação brilhante de Robin Williams? E do poema   'O Captain! My Captain!"? Sim, Walt Whitman, em referência metafórica à morte de Abraham Lincoln. OBRA-PRIMA!

O meu encontro com Walt Whitman foi tardio e já na universidade. mas com tal intensidade e potência que nunca me recuperei. Ainda me surpreendo, me sobressalto, me espanto, me choco, me encanto e me emociono a cada verso que leio e releio, incessantemente, desde então. Walt Whitman é o meu poeta! Absoluto! Leaves of Grass é o meu livro de cabeceira. Literalmente! Uma edição bilíngue que cuido como a um tesouro!






Ler Walt Whitman é uma experiência incomparável. E sempre transformadora. A leitura é fluida e  agradável.  E altamente provocante e instigante. Não há como não se deixar tocar pela profundidade de suas reflexões, pelo olhar atento, sensível e observador - e solitário - de quem vê tanto no simples, no trivial e no inesperado.

Fernando Pessoa, sob o seu heterônimo Alvaro de Campos, escreveu, de gênio pra gênio,  o tributo a Walt Whitman que eu gostaria de ter escrito. MESMO!

"Nunca posso ler os teus versos a fio... Há ali sentir de mais...
Atravesso os teus versos como a uma multidão aos encontrões a mim,
E cheira-me a suor, a óleos, a actividade humana e mecânica
Nos teus versos, a certa altura não sei se leio ou se vivo,
Não sei se o meu lugar real é no mundo ou nos teus versos,
Não sei se estou aqui, de pé sobre a terra natural,
Ou de cabeça p'ra baixo, pendurado numa espécie de estabelecimento,
No tecto natural da tua inspiração de tropel,
No centro do tecto da tua intensidade inacessível."

(Saudação a Walt Whitman - Álvaro de Campos)








domingo, 28 de maio de 2017

Bambolê.



Ela adorava prender pensamentos! Mas não qualquer pensamento. Gostava mesmo dos pensamentos com cheiro de jasmim e gosto de pirulito. Desses que colorem cinzas e têm som de violino. Pensamentos suaves como seda. Ou cetim. Não sabia ao certo,  porque, na verdade, nunca tinha tocado um ou outro, mas sabia que eram macios. Tinha lido numa revista. Quando tinha a sorte de ter um pensamento assim, imediatamente prendia-o num bambolê imaginário! E não deixava mais o danado escapar! O pensamento até tentava, mas o bambolê girava, girava... E o pensamento ficava lá, rodopiando dentro do aro. Algumas vezes, quanto mais forte o rodopio, mais o aro se enfeitava! E logo se cobria de laços, fitas e flores. E o pensamento junto, rodando igual até não se ver mais  o que era pensado. Quando ela sentia que o pensamento não conseguia mais fugir, arriscava movimentos mais audaciosos. E então o girava pelas pernas, pelos braços, e deixava o bambolê subir e descer livremente. O pensamento, então, soltava-se em círculos múltiplos que a levavam onde ela jamais pensou ir! E ela ia. Agarrada ao bambolê e entregue à sua imaginação. Aos poucos, o rodopio perdia a sua força. E ia parando, parando, parando. Até o bambolê cair no chão e o pensamento percebendo-se livre, fugir para pensar em outras bandas!

(Publicado no grupo Minicontos no dia 28/05/2017. PALAVRA-CHAVE: BAMBOLÊ)

domingo, 21 de maio de 2017

Ubu Nanini Rei.






 

Alfred Jarry, dramaturgo francês e um dos maiores inspiradores do surrealismo e do teatro do absurdo, foi também inventor da Patafísica, a "ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções", revelando o homem e seu absurdo existencial.

Ubu Roi, sua obra principal e ainda referência não superada, estreou em Paris em 1896 causando atonicidade pela encenação inspirada no teatro de marionetes e pela sua fala inicial:MERDRE. Assim mesmo, com o r descolocado. O teatro veio abaixo com vaias e apenas 10 anos depois voltou a ser encenada.

No melhor estilo Shakespeariano, Pai Ubu, instigado por sua mulher "Mãe Ubu", assassina o rei Venceslau e toma o trono da Polônia. Em metáforas que nunca perderam sua modernidade, Rei Ubu exerce o seu poder da forma mais cruel, monstruosa, corrupta e covarde. Ao final, ele e Mãe Ubu, impunes de todas as atrocidades cometidas,  fogem de barco para França.

Tive a sorte  - a imensa sorte - de assistir, em 1985,  à montagem de Ubu/Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes do grupo Ornitorrinco e protagonizado por   Cacá Rosset . Que experiência teatral!! Que linguagem ousada, transgressora, instigante e irreverente! Quem, daquela época, não se lembra do bordão "Eu não tô legal"? Figurinos e cenário assinados por  Lina Bo Bardi! Precisa dizer mais? A peça ficou em cartaz por alguns anos e sucesso absoluto de crítica e premiações!

 Rei Ubu tornou-se um dos personagens mais famosos e conhecidos no cenário paulistano daquela época.   A tal ponto que lançou  a sua  candidatura ao governo de São Paulo em 1986 e, no plebiscito de 1993, protagonizou o episódio inesquecível na defesa da Monarquia. O Príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança, em visita à rádio CBN, viu-se confrontado, não sem tumulto e constrangimento,  com a corte do Rei Ubu, que insistia no encontro diplomático entre dois chefes de Estado.

Não por acaso, Marco Nanini decidiu celebrar seus 50 anos de carreira na pele de Ubu Rei. E não por acaso, convidou Rosi Campos para contracenar com ele como Mãe Ubu, mesmo papel que ela interpretou na montagem de Cacá Rosset nos anos 80.

O resultado? Ubu da melhor das linhagens! Marco Nanini traz um frescor revigorante e um humor dos mais refinados para o palco. A modernidade do texto impressiona e oferece, sem qualquer esforço, analogias com a nossa atualidade política pérfida com as quais Nanini brinca com maestria. E nos presenteia com um passeio leve, sagaz, ácido, rápido e pertinente pela sordidez e mesquinharia do poder corrompido e corruptor. Que ator! E que atriz! Importante ressaltar também o grupo de atores músicos extremamente talentosos!

Adoro o teatro do exagero, do imaginário, do descompromisso com a realidade! Adoro o teatro do fantasioso, do figurino e cenários alegóricos! Adoro o teatro que brinca  com a heresia e com o profano! E Ubu Rei, com muito humor, constrói e desconstrói  essas linhas imaginárias que só o teatro permite.

O Ubu Rei de Cacá Rosset, até mesmo pelo contexto histórico onde se inseriu, tinha um apelo mais transgressor. Marco Nanini, também pelo contexto histórico onde se insere, tem um apelo mais debochado e cínico. E essa é a genialidade do texto atemporal que abre tantas possibilidades!

Viva Ubu Rei!  E viva Nanini!! Que sorte - que imensa sorte - vê-lo, mais uma vez, no palco!

E viva, sempre, "os chifres que carrego na cabeça"!


segunda-feira, 1 de maio de 2017

La fête du muguet.








Muguets são delicadas e perfumadas flores que desabrocham no início da primavera no hemisfério norte.  Em forma de pequenos sinos, se tornaram símbolo de felicidade e boa sorte.

Conta a lenda que os celtas já festejavam os muguets no dia 1º de maio. Na Idade Média, as flores eram colhidas para festejar as noivas. Mas foi na França renascentista que elas passaram a ter a sua festa como calendário de 1º de maio. O rei Charles IX, depois de  ganhar um galho de muguets nesse dia, passou a presentear, todos os anos,  as damas da corte com um ramo das singelas flores. Esse costume persiste até hoje e divide a importância com o Dia do Trabalho na França.

Em 1º de maio de 1900, os grandes estilistas parisienses organizaram uma festa e presentearam as mulheres com ramos de muguets, que  passaram, então, a fazer parte de coleções importantes. A Maison Dior, em especial, adotou-a com emblema e usou-a em destaque em diversas de suas belíssimas criações.  Givenchy também tem lindíssimas referências em homenagem à frágil flor.



Maison Dior








Givenchy


Noivas importantes também fizeram seus buquês de cachos de muguets. Entre elas, Grace Kelly, Audrey Hepburn e Kate Middleton (ainda que misturada com outras flores também tradicionais).




Grace Kelly e Audrey Hepburn




Kate Middleton



Pois que esse 1º de maio seja uma grande Fête du Muguet! E que nos traga a todos muita sorte e felicidade!