domingo, 20 de fevereiro de 2022

When I'm sixty-four

 




                              Sobre catarata, artrite reumatoide e outras condições inconclusivas.


Na adolescência, quando ouvia essa música dos Beatles, 64 era um número  irreal e incompreensível,   absolutamente fora do único futuro que conseguia vislumbrar:  a juventude  eterna!

Completei 64 anos no dia 13 de janeiro. 

Estava há 5 dias com uma febre persistente que atribuí, inicialmente, à Covid-19, diagnóstico não confirmado após 2 exames. A febre alta persistia e encontrava-me em completa prostração na cama. Virar de lado era esforço, falar era esforço,  levantar e ir até o banheiro era como correr a maratona, comer um desafio. Os batimentos cardíacos estavam acelerados e não baixavam de 130, mesmo permanecendo de repouso o dia todo. A comemoração só não passou em brancas nuvens porque meu filho, que ainda não tinha voltado pra NY, minha filha e meu genro insistiram para que eu soprasse a velinha com deliciosos cupcakes. 

O primeiro médico a quem recorri receitou um antibiótico. A febre alta persistia. No segundo dia do antibiótico, acordei com a pálpebra do olho esquerdo caído e os vasos do olho direito rompidos. Durante o dia, manchas vermelhas começaram a pipocar pelo meu corpo. Minha filha conseguiu marcar horário no mesmo dia  numa das mais renomadas clínicas de oftalmologia de São Paulo e me viraram de cabeça pra baixo, mas não identificaram nada que, do ponto de vista oftalmológico, explicasse o quadro. Aparentemente, era uma reação à infecção que me acometia. Mas ganhei, nessa investigação, um presente dos meus 64 anos: a descoberta da catarata que já avança e que, em muito breve, precisarei operar! Pois é...

Anjos da guarda existem e os astros conspiram a favor. Nesse mesmo dia, a mãe de um aluno me ligou para avisar que já tinham regressado de férias e, ouvindo o meu relato (eu estava muito nervosa), me colocou em contato imediato com o Dr. David Uip, de quem é muito amiga, e ele me atendeu no dia seguinte. O Dr. David pediu milhões de exames, concentrados, inicialmente, no grupo dos "mono like", que aprendi ser o grupo que abrange todas as hepatites, mononucleose, toxoplasmose, dengue, zica, chikungunya e afins, além de eletro, eco, rx e outros. A primeira sorologia de dengue apontou reagente, mas após a repetição do exame, o diagnóstico foi descartado. Todos os outros exames deram negativo. A febre continuava, controlada por Novalgina, a prostração continuava e vocês não imaginam as manchas que cobriam todo o meu corpo!

Dos resultados dessa primeira leve de exames, o referente à artrite reumatoide deu bastante alterado. Tenho artrite há 3 anos e absolutamente sob controle por medicação apropriada. Essa infecção ainda não diagnosticada, aparentemente, teria também atacado esse controle da artrite. A reumatologista também me examinou dos pés à cabeça, pediu mais uma infinidade de exames e ela e o dr. David passaram a investigar algum tipo de doença autoimune  (lúpus, por exemplo) que justificasse esse quadro. Nessa altura, felizmente, eu já não tinha febre e a prostração melhorava um pouquinho a cada  dia. 

Em paralelo, o dr. David pediu que fizesse Pet/CT de corpo inteiro, para afastar a possibilidade de algum tumor, e pediu que consultasse a dermatologista para que fizessem a biópsia das lesões da pele. O Pet/CT deu negativo (graças a Deus!), a biópsia apontou as lesões como reação medicamentosa (ao antibiótico ministrado do início do processo) e os exames da reumatologista, salvo algumas pequenas alterações, também não apontaram nada que merecesse maiores preocupações. 

Quarenta dias se passaram desde os primeiros sintomas. Quarenta dias. e sigo sem diagnóstico. Nesta próxima semana, retorno ao dr. David, à reumatologista e à dermatologista para avaliar os próximos passos. O meu estado geral está infinitamente melhor, as lesões ainda cobrem o meu corpo, mas já estão secando, formando uma crosta áspera que, aos poucos, descasca. Mas sigo sem diagnóstico.

Durante os primeiros 30 dias, tomei a decisão de me afastar totalmente de qualquer noticiário. Não vi nem li uma só notícia. Estava tão fragilizada que não queria que tantas noticias nocivas me afetassem ainda mais. Afastei-me, pelas mesmas razões, de todas as redes sociais e, pela prostração, mal respondi às mensagens de grupos de whatsapp. A profunda prostração também impedia a minha concentração e não conseguia ver filmes, nem séries, nem ler uma só linha. Querem saber como ocupei o meu tempo? Vi Ana Maria Braga, Fátima Bernardes e o desenho do Pica-pau pelas manhãs. Gente, o Pica-pau é mesmo genial! Há anos não via! À tarde, pasmem: "O melhor da tarde com Catia Fonseca" e  "A tarde é sua com Sonia Abrão". Gente!! Estou por dentro de TODAS as fofocas dos famosos!! Um mundo à parte que passei a conhecer! Um dia ainda falarei sobre isso com mais detalhes! As novelas também me ajudaram, claro! E a grande surpresa positiva foi "Duelo com Bobby Flay, um chef americano que é desafiado por outros chefs em receitas específicas. SEMPRE torço por ele! Tomei um chá de Rita Lobo (de quem sempre fui fã) e agora nem aguento passar pelo programa dela! Mas esse repouso emocional me fez um bem enorme!

Esses 40 dias me ensinaram muitas coisas. A minha fragilidade emocional. A minha vulnerabilidade física. A importância de cuidar de mim por inteiro. Os limites que não devem ser ultrapassados. Ainda maior respeito à ciência e  admiração aos profissionais de saúde. A consciência do dia a dia. A valorização das pequenas coisas sem julgamento ou preconceito. 

Esses 40 dias também reforçaram meus valores e minhas verdades. Antes de qualquer coisa, os meus filhos amados que são os que me levam adiante e me fazem lutar. A sorte de ter os meus irmãos e sobrinhos que estão sempre junto, sempre unidos, sempre na torcida e na ação. Que sorte a minha! O apoio e amizade do meu ex-marido, que também se mantém junto, preocupado e disponível.  O reconhecimento pelas famílias expandidas de primos que se preocupam e torcem. E os meus amigos maravilhosos, dos mais antigos aos mais recentes, que não largam a minha mão mesmo diante do meu silêncio e afastamento. Amigos, inclusive os meus queridos amigos americanos,  que buscavam  notícias via Daniel e Marina, que me inundavam de mensagens não respondidas, que insistiam em ligar mesmo sabendo que eu não atenderia, que mandaram mimos incríveis e me fizeram chorar copiosamente a cada gesto e a cada carinho. Estou uma manteiga derretida e choro agora, ao escrever essas linhas ao me lembrar desses momentos. Sou a pessoa mais sortuda do mundo e tenho os melhores amigos do mundo!

Volto aos Beatles e a "When I'm sixty-four". Hoje, o número 64 é real, concreto e absoluto. Tem sido, por vezes, de um peso quase insuportável. Mas, por outras vezes, tem sido de leveza flutuante. Olha pra trás com orgulho da trajetória já percorrida, e olha à frente lapidando as escolhas para viver melhor. Sabe muito, muda muito e não tem receio algum de questionar. Entende e respeita as limitações, mas confia no potencial. 64 é um número que merece respeito e o tenho tratado com todo o cuidado de que sou capaz.

Penso muito no refrão da música: "Will you still need me? Will you still feed me? When I'm sixty-four". Aprendi, nesses 40 dias, a alegria de ainda me sentir querida e necessária. É o melhor sentimento do mundo! E aprendi também o quanto as pessoas que amo ainda me alimentam, todos os dias, com carinho, risadas, apoio, companheirismo e, principalmente, com novos conhecimentos e visões de mundo!

YES! I AM 64! Com atrite, com catarata e com diagnósticos ainda inconclusivos!