quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Rua Ramalhete.



"Sem querer fui me lembrar... De uma rua e seus ramalhetes..." 





Eu tive a sorte de morar na Rua Ramalhete na minha infância em Belo Horizonte. Ficava no bairro da Serra e, naquele tempo, nem a Avenida Afonso Pena chegava lá. Tinha apenas um quarteirão, com a Rua do Ouro de um lado e um córrego do outro. Eram todas casas, com exceção de um pequeno prédio de tês andares que ficava ao lado do córrego. Eu morava no segundo andar desse prédio.

A Ramalhete era um imenso quintal coletivo, onde nós, crianças em  faixas de idade diferentes, aprendemos a  convivência  democrática e inclusiva. Crescemos na rua. Mesmo. Entre jogos de queimada, jogos de vôlei na rede estendida entre os postes opostos da rua, brincadeiras intermináveis de bonecas, simulações de concurso de miss, pique-esconde, amarelinha jogada com casca de banana. E assistíamos, ainda que sem entender direito, o florescer das adolescências dos nossos irmãos mais velhos.

Eram os anos 60, década de altíssima qualidade musical! Rita Pavone. Herman's Hermits. Beatles. Jovem Guarda. Chico Buarque. Caetano Veloso. Milton Nascimento. Os grandes festivais. Música fervilhava! E a Rua Ramalhete era também palco de experimentações musicais. E muita serenata!!

 Aí entra  Tavito e seus dedilhados mágicos. Eu era pequena, muito pequena, mas me lembro do frisson quando Tavito e sua turma chegavam, se acomodavam e exibiam acordes para impressionar o séquito de meninas apaixonadas! Tavito era membro do Clube da Esquina e já trafegava em círculos diferenciados. Mas foi ali, na Rua Ramalhete, que ele construiu suas memórias afetivas dessa época mágica.

Ele era cabeludo, usava óculos redondos e sapatos de saltão. Um típico "transviado", segundo o padrão da época. E namorava a irmã da minha amiga que morava no terceiro andar do meu prédio. Meus irmãos mais velhos faziam parte dessa turma de adolescentes  e que já vivenciavam o jogo amoroso de bilhetes, festinhas, paqueras, tremores dentro dos vestidos. E nós, mais novas, só observávamos e nos deliciávamos! Que época doce! Que tempos generosos!

Gostaria de ter tido maior consciência, na época, do que estava vivendo. Da riqueza de experiências a que estava exposta. Queria ter sentado ao lado do Tavito e discutido o papel de Minas Gerais na construção cultural do Brasil. Queria ter cantado junto com ele refrões transgressores. Mas eu era tão pequena...

Mas Tavito o fez por todos nós, moradores daquela rua. Rua Ramalhete é um hino! O nosso hino! Hino de uma época mágica e das lembranças do tempo que ficou pra trás, mas que construiu quem somos hoje, o que pensamos e o que defendemos.

Para nós, moradores da Rua Ramalhete, Tavito será sempre a nossa voz! E o tradutor dos ramalhetes que sempre renovam nossas esperanças, nossas bem querências, nossa fonte de aprendizados de amizade, carinho, amores.


Uma rua e seus ramalhetes... Que coroem a estrela onde Tavito mora desde ontem. Será, sem dúvida, a estrela mais florida e dos aromas mais doces!!

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Oração a Iemanjá.








Iemanjá - gravura de João Makray.


Ó Iemanjá, soberana mãe das águas:

Se todo o rio corre mesmo sempre para o mar, que o mar, agora, por hora, contra-corra para os nossos rios.
E salgue de ardência insuportável os nossos corações enfurecidos, cegos, insanos. 
E adoce, então, nossas nascentes reversas, recuperadas e salvas. 
Isso feito, que o mar corra de volta para as ondas. 
E ondeie espumas límpidas de lucidez e sanidade.
E espume empatia, solidariedade, serenidade.
Para todo o sempre.
Salve!