quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Árvore de Natal.







Cordões de contas vermelhas abraçam cada galho. Laços se espalham aqui e ali. Bolas de vários tamanhos e texturas se penduram. E todos os outros enfeites acumulados ao longo dos anos. Papai Noéis, botinhas, caramelos, notas musicais, trenzinhos, peões, bonecas, renas, sinos, bailarinas, corações, bonecos de neve, ursinhos, soldadinhos, pombas, presentes e tantos outros. Quase todos vermelhos. Cada um com sua história e memória. No topo, feito pela sobrinha,  um anjo de pano vestido de branco e com revoltos cabelos ruivos.  Pensa, enquanto pendura o enfeite novo desse ano e, por tradição, o último, não haver árvore mais linda! E sente-se tomada de vermelho intenso! Apaixonado. Terno. Emocionado. Agradecido. Sereno. E quando as luzinhas cintilantes acendem, sua árvore vira um céu estrelado! E pisca-piscam sonho, magia e fantasia. E alegria nos olhos das crianças. E crença no bem. E esperança de paz e harmonia. E desejo de confraternização. E generosidade e solidariedade. E seu coração transborda de felicidade!






(Publicado no grupo Minicontos em 19.3.2012. Palavra tema: ÁRVORE)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

"Chewie... We're home!"




Eu tinha 19 anos quando Star Wars estreou,  mudando a história do cinema e criando a legião de fãs que atravessa, fiel, quase 4 décadas !Paisagens inóspitas, personagens inusitados, efeitos especiais surpreendentes e a saga, jamais superada,  da Força vital que busca o seu equilíbrio entre o seu lado de luz e o seu lado obscuro.

Luke Skywalker, Princesa Leia, Han Solo e suas extensões  R2D2, C3PO, Chewie,  contrapostos aos mistérios e conflitos de Darth Vader, construíram imaginários referenciais da minha geração. Jedis, sabres de luz,  a Força intuitiva e a sedução de seu lado obscuro foram/ainda são  conceitos moldadores de caráter e de espelhamento.

A primeira trilogia inovou por começar a história pelo meio, deixando abertas as possibilidades do antes e o depois. Mas, ainda assim, completa e fechada em si mesma.

Em 1999, dezesseis anos depois, portanto, do  Episódio VI (O Retorno do Jedi), fui com meus filhos, pré adolescentes de respectivamente 11 e 10 anos, ver O Episódio I  - A Ameaça Fantasma. A excitação para conferir "o início de tudo" foi frustrada nesse e nos episódios subsequentes.  Sem os elementos que fizeram o sucesso da trilogia inicial, a saga esvaziou sem a mesma  resposta e impacto.

O Episódio VII - O Despertar da Força vem resgatar e reativar a identidade  e essência do verdadeiro Star Wars,   permitindo a reconexão das gerações anteriores, ao mesmo tempo em que  conecta as novas gerações.    Que feliz escolhas! Que transição bem feita! Que equilíbrio entre ação e emoção!

Referência e reverência. Essas são as palavras que definem a tão esperada continuidade! Renovação sustentada pelos acertos do passado. Protagonismos cedidos como ponte para o futuro. E é assim que a independente e destemida  Rey,  o cômico e preocupado Finn,  o leal e determinado Poe e o complexo, perturbado  e intempestivo Kyle Ren estabelecem novas referências para desdobramentos futuros. Um time de jovens atores extremamente talentosos e que assumem os seus espaços  com consciência e competência.  Menção também para o carismático androide BB-8! Que personagem delicioso!

Mas o maior mérito para a transição suave e acolhedora foi, sem dúvida, a sustentação dos ícones da trilogia original. Obi Wan Kenobi, Princesa Leia, Luke Skywalker, C3PO, R2D2, Han Solo e Chewbacca são o conhecido. O sabre de luz tão familiar e a nave antológica Millenium Falcon atravessando a velocidade da luz são o porto seguro.

Neles, reconhecemos a saga. Neles,  reconhecemos nossos mitos, Com eles, torcemos pelo novo, pelo porvir.  E é assim que sentimos a Força -  tal como a conhecemos - despertar em nós e em si mesma.

E à primeira aparição de Han Solo e Chewbacca, emocionada, me senti verdadeiramente em casa!




terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Ele, o outro e os outros.








Tinha chegado no fundo do poço quando o outro apareceu. O primeiro outro. Sentou-se à sua frente e lhe disse que tinha vindo para ajudar. Não questionou a sua aparição súbita, mas estranhou o bigode ruivo que virava nas pontas como personagem de filme antigo.

O outro parecia saber o que fazer. Disse-lhe para agarrar-se em quem realmente era e ele, o outro, levaria quem ele poderia ter sido. Mas quem era aquele outro? Buscava, em vão, referências e reconhecimento. Teria, em algum momento que lhe escapava a memória, cedido à terapia exaustivamente recomendada? Não era isso que diziam? Que lhe ajudaria a suportar-se a si mesmo? Não duvidou mais. Aceitou. A verdade, por menos que admitisse, é que suas lembranças lhe escapavam nos últimos tempos. Mas fosse o que fosse e quem fosse, e se assim o fosse, recebeu a ajuda com alívio imediato!

Sentiu-se leve ao se desfazer de todas as expectativas não atendidas, sonhos não realizados, medos, angústias e decepções acumuladas. E o seu ser acomodou-se melhor no espaço esvaziado. Mas logo percebeu que, ainda assim, havia o gostar e o não gostar de quem realmente era. E o espaço voltou a sufocar.

O outro, por sua vez, visivelmente não esperava poder ter sido tanto. E numa tentativa de também aliviar o sobrepeso, achou justa a separação entre poder/não poder, querer/não querer ter sido. E nessa argumentação lógica e convincente, o segundo , o terceiro e vários outros - até perder a conta - se multiplicaram.

Pensou no paradoxo da multiplicação quando mais divisões se faziam necessárias. E, num último relâmpago de lucidez, rodeado por milhares de outros que eram ele mesmo, sentiu orgulho súbito por ter finalmente desvendado o misterioso - e até então incompreensível  - processo de mitose - ou seria meiose? - das enfadonhas aulas de biologia!

Acordou só num quarto estranho e silencioso. Pessoas de branco deslizavam sem fazer barulho e sussurravam palavras  que ele não entendia.  Ao sentir a agulha penetrar na sua veia, pensou se não deveria deixar o bigode crescer. Até virar nas pontas.

(Publicado no grupo Minicontos em 14.12.2015. Palavra tema: TERAPIA)





sábado, 12 de dezembro de 2015

Madrinha.





Uma porta entreaberta e meus olhos curiosas de menina. Do outro lado, sofás com encosto azul - verdadeiros tronos de reis e rainhas -  e o toque exótico do biombo chinês tornaram-se o cenário preferido dos mistérios e fantasias que embalaram a minha imaginação infantil. Posso ainda sentir a emoção quando o acesso àquela sala me era permitido. Ar solene e  o quase prender a respiração por receio de tocar qualquer um daqueles preciosos objetos. Essas são as primeiras lembranças -  e tão queridas - da minha infância.

Não sei precisar em que momento a escolhi para minha madrinha de crisma. Nem sei se sabia ao certo o que significava ser madrinha de crisma. Mas soava como algo importante. E era, dentro da minha ingenuidade de criança, a maior honraria que podia lhe oferecer e garantir o papel de destaque que ela teria por toda a minha vida.

Dela ganhei a minha primeira Barbie. Com ela aprendi a dança descompromissada, apenas pelo prazer de dançar. Dela ouvi as história mais engraçadas de uma vida que parecia ter sido tirada de um livro. Não podia ser vida real. E tantas outras lembranças... Os jogos de buraco aos sábados à noite. A casa sempre cheia de filhos e amigos e amigos dos amigos e quem mais aparecesse. Férias memoráveis. As tardes e tardes jogando Yam. Os livros que ela devorava sobre belas histórias de amor em lugares longínquos. E tantas outras lembranças...

Das suas qualidades, escolho guardar como exemplo o sorriso sempre estampado no rosto. Mesmo porque, segundo ela, não conseguia mesmo chorar porque tinha o canal lacrimal entupido. A elegância e a graciosidade para superar as adversidades  que não foram poucas! A generosidade para acolher muitos. Sempre acolher muitos. O coração infinito. Uma verdadeira dama.

E se fadas são mesmo madrinhas ou madrinhas são mesmo fadas, não importa. A minha madrinha sempre foi fada. E como tal, num passe de mágica, abriu a porta da sala proibida. E inundou um chão de estrelas para chegar ao céu e sempre brilhar!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Palhaço.

"Faço versos pro palhaço que na vida já foi tudo... Foi soldado, carpinteiro, seresteiro e vagabundo... Sem juiz e sem juizo fez feliz a todo mundo...  Mas no fundo não sabia que em seu rosto coloria... Todo encanto do sorriso que seu povo não sorria... " (O Circo - Sidney Miller)




Sapatos desproporcionais. Nariz vermelho. Trajes multicoloridos. Acessórios inusitados. Maquiagem elaborada. Máscaras que reproduzem as emoções mais primárias do ser humano: o cômico, o trágico, o dramático, o romântico, o terror.

Palhaços são exagerados. Superlativos. Encenam o trivial. Expõem o ridículo. Repetem erros. Estimulam a irreverência, o deboche e a transgressão

Palhaços despertam reações diversas. Da admiração ao medo. Ma jamais a indiferença! Alguns transpiram alegria genuína. Outros inspiram melancolia. Seja como for, são determinantes na formação  do nosso imaginário! E responsáveis pela elaboração das nossas primeiras percepções das mazelas humanas e como aprender a lidar com elas através do humor.

No dicionário dos símbolos, o palhaço representa o reverso da medalha da realeza, opondo-se à soberania com irreverência, ao temor com o riso e ao sagrado com o profano.

Uma pena que tais características, intencionadas à representação cênica, tenham ultrapassado os limites do palco e do picadeiro e disseminado significados pejorativos à realidade e práticas comunitárias e sociais. O arquétipo do riso inspirando o estereótipo do malandro e não confiável, e também o do crédulo, do otário, do manipulado. Esses não celebramos. Lamentamos.

Parabéns aos profissionais que  se dedicam a traduzir a vida em risos e alegria! Aos incansáveis construtores de picadeiros em ruas,  praças, creches, escolas,  hospitais ou em qualquer espaço onde haja uma criança precisando de tantas cores,  fantasias e acrobacias!

Rir ainda é o melhor remédio!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Yamit.

Yamit, em hebraico, quer dizer "do mar".  E foi o nome escolhido pela minha filha  ao completar ontem a sua preparação de conversão ao judaísmo. Nessa  conciliação entre nomes, a intenção era manter a mesma origem de Marina. E Yamit é um nome tão bonito!!

Minha família tem uma longa história com o judaísmo  e que  talvez a simples casualidade não explique. Meus pais conviviam muito intimamente com a comunidade judaica do Rio de Janeiro. Crescemos chamando Doras, Berthas, Claras, Isaacs, Betholdos, Meiers e todos os seus sobrenomes impronunciáveis de tias e tios.

Estudei no Colégio de Aplicação da UFRJ,  que, na época,  concentrava número expressivo de judeus. Além disso, morava em Laranjeiras, pertinho do Clube Hebraica. Minha adolescência foi entre bar mitzvahs dos meus amigos, festinhas dançantes na Hebraica e a consolidação de amizades que ainda duram e me acompanham.

Coincidentemente  - ou não -  meus melhores amigos incorporados através do  casamento também são judeus.

Não é de se estranhar, portanto, que  meus filhos  também tenham formado amizades sólidas dentro do judaísmo.

No entanto, a decisão pela conversão vai além da naturalidade e familiaridade trazidas pela convivência.  A conversão requer identificação. Significa reconhecer-se dentro da essência daquela religião mais do que periférica a  ela. Implica em abraçar a filosofia, rituais e fé por opção consciente e não por tradição familiar. Resulta da ponderação sobre o que aproxima contraposto com o que se opõe.

A conversão refletida e madura é mais crítica, mas também mais  tolerante. Ela permite convivências justamente por trazer vivências anteriores que fazem parte e trazem identidade pessoal e familiar.

E é nesse contexto que minha filha se tornou, a partir de ontem, judia. Após  um ano de preparação e dedicação,   foi acolhida na comunidade judaica. Pude acompanhá-la à mikveh para sua imersão na água  e  fiquei orgulhosa da minha filhota tão determinada e comprometida!

E embora não funcione assim, reclamo, por direito, meu direito a uma merecida porção de mãe judia. Anos de convivência com a comunidade, de uma certa forma, já me habilitam. E agora, como mãe de judia,  não deveria me tornar mãe judia por extensão?

Mas uma coisa é certa: nunca haverá Yamit tão linda, graciosa, generosa, brilhante (palavras do rabino!)  e determinada quanto a minha Marina!

 Mazal Tov!!




















segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Teias e bordados.



... E dizem que todas as noites, protegidas pela escuridão silenciosa e vigilante, intrépidas aranhas espalham-se pelos quatro cantos tecendo e tecendo e tecendo. Destecendo e destecendo e destecendo também. Desfazem o mal feito e refazem bem feito. Desfazem o mal dito e refazem bem dito. Habilidosas e ligeiras, cobrem o mundo com suas teias restauradoras. Já quase ao nascer do sol, exaustas, as aranhas descansam, enquanto fadas e seus fios mágicos bordam por sobre as teias histórias, sonhos e belezas que respirem e inspirem cada novo dia.





(Publicado no grupo Minicontos em 06/12/205. Palavra tema: BORDADO)

sábado, 5 de dezembro de 2015

Pedro.

" O sentimento de que ele aprendeu desde quando era um pequeno embrião a ser pedra, rochedo, uma pequena grande fortaleza, foi um dos motivos pelos quais escolhemos esse nome." (Ana Carolina)


Pedro é filho de Ana Carolina e Simone. Fruto de inseminação artificial, resistiu ao susto que deixou uma de suas mães de repouso por 4 meses.  Nasceu em um domingo  há 6 meses e é um bebê lindo, gostoso, carecão e muito  risonho!

Ana Carolina é a irmã mais velha de Rafael e André. E filha - ardentemente desejada e resultado de tratamento de fertilidade - de Consuelito e Jair. Consuelito e Jair foram meus padrinhos de casamento e perdi a conta de quantas madrugadas varamos  jogando Yam juntos.

Consuelito já é  estrela há 28 anos e Jair estrelou há 3 anos.

Consuelito  é irmã de Lucia, Celsinho, Mario, Berenice, Rubens, Marcos e Paulo. E filha de Consuelo e Celso.

Tia Consuelo e tio Celso eram amigos inseparáveis de meus pais e  parceiros de buraco  todos os sábados às noite  - religiosamente - nos 10 anos que moramos em Belo Horizonte. Tia Consuelo era minha madrinha de crisma, embora eu nunca tenha sido crismada de verdade.

Tia Consuelo e tio Celso também já viraram estrelas.

Tia Consuelo era irmã de Marta que era casada com o Major que era primo da minha mãe.

E foi essa ordem reversa que deu início a  uma das mais belas histórias de amizade e que já atravessa gerações.

Pedro  já é a 4ª geração. E hoje  foi  o seu batizado. Numa cerimônia linda, emocionante e cuidadosamente preparada pelas suas mães sob a supervisão e celebração amorosa do Frei Betto, amigo de infância do avô-estrela do Pedro, amigos e famílias comemoraram esse bebê-rocha.

Com minha mãe ao meu lado, com 89 anos e a única  ponta inicial dessa história ali presente, chorei. Chorei por tantas lembranças. Chorei pelos bisavós-estrelas e  avós-estrelas  que só conhecem esse bisneto/neto lindo visto lá do alto. Chorei especialmente pela Consuelito, que teria um orgulho desmedido da família que não viu crescer. Chorei pela Carola, a menininha de quem eu às vezes cuidava quando Consuelito e Jair tinham algum compromisso. Chorei pela coragem, pela determinação, pela sobrevivência. Chorei pelas músicas lindas que escolheram para a cerimônia. Chorei pelas emoções que a Carola e a Simone estão conhecendo. Chorei pelo merecimento. Chorei pelo Pedro. De alegria. Pela benção  dele ter nascido e crescer  cercado de tanto e tanto e tanto amor!

E desejei fundo toda a felicidade do mundo, dos mundos, para o Pedro! A sua historinha já carrega muitas histórias de carinho, amizade, doação e muito amor! Histórias lindas! E que certamente iluminarão os seus passos de vida!






quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Chico. Artista Brasileiro.

"O meu pai era paulista... Meu avô, pernambucano... O meu bisavô, mineiro... Meu tataravô, baiano... Vou na estrada há muitos anos... Sou um artista brasileiro..."  (Paratodos - Chico Buarque)





Painéis monocrômicos de tamanhos diversos e  propositalmente desordenados   delimitam os espaços cênicos do palco aos poucos ocupado por  músicos e coro. Sem pressa.  O silêncio respeitoso e solene anuncia a entrada  e Chico, cantando Sinhá - lindamente! -  surpreende  pela escolha inesperada  para a  abertura, considerando-se o seu repertório tão vasto e com músicas de maior apelo popular.



O documentário Chico - Artista Brasileiro de Miguel Faria Jr.,  numa escolha acertadamente intimista, envolve e emociona. Mesmo mantendo os elementos básicos de um documentário - depoimentos, fotos e videos - coloca Chico, dentro de sua casa,  como condutor absoluto de sua trajetória de vida e arte. Aos 71 anos, com mais de 5 décadas de uma intensa e bem-sucedida carreira em expressões diversas, Chico é referência. É patrimônio. Entre tantos e tantos Franciscos, ele é o Chico. Entre tantos artistas, é ele o brasileiro.




São vários os níveis que dialogam entre si e compõem  o retrato nada preto e branco  do artista que, certamente, converge a quase unanimidade nacional. Costurar a pluralidade de suas expressões  - família, amigos, música, literatura, dramaturgia, vida pública, futebol, Mangueira, ativismo politico e reflexões pessoais -  não é tarefa fácil.  E Miguel Faria Lima encontrou soluções simples e eficientes!







Os temas surgem dentro da cronologia mais emocional do que temporal e os cortes na narrativa vão costurando a unidade e coerência. E são justamente as "tesouras" desses cortes que respondem pela emoção e beleza inquestionáveis do filme!



 A leitura em off de Marilia Pera de trechos do livro mais recente Meu Irmão Alemão, contextualiza as lembranças de infância e as delicadas relações familiares. São muitas as histórias e muitas as memórias, como a da influência da mãe na sua relação com a música. "Quando ela estava cantando é porque estava tudo bem em casa." 





Chico encanta como contador de casos!  As histórias se sucedem com muito humor e  com detalhes de bastidores  e com fotos e videos que pontuam as histórias pessoais com as  do pais e do mundo! Mais do que as histórias, seus comentários e  reflexões mais maduras e  profundas, mas  desprovidas de filtro ou censura, revelam facetas resguardadas. Como, por exemplo,  ao referir-se aos seus shows mais recente: "Eles me aplaudem mais quando eu entro no palco do que quando saio".  Seu casamento, filhas e netos são tratados com muita delicadeza. E o sarau familiar com 3 de seus netos responde por um dos momentos de maior emoção! Quanto talento junto!




Mas certamente um dos maiores méritos do documentário foi a escolha das músicas e dos artistas que as interpretam, usando o espaço cênico construido pelos painéis e que vão pontuando a obra musical de Chico. Ney Matogrosso,  Adriana Calcanhoto e Mart'nália num dueto absolutamente fantástico, Laila Garin, Milton Nascimento, e tantos outros. E Carminho. Sem palavras. A sua interpretação de Sabiá é tão intensa e maravilhosa que não há como não chorar. Chorar muito. Sabiá jamais foi cantada tão belamente!






Impossível não nos sensibilizarmos ou deixar-nos tocar profundamente  pelo documentário. Impossível não revivermos nossas histórias pessoais ao largo da dele. Impossível não relembrarmos as turbulências históricas dessas décadas tão intensas. Impossível não olharmos com orgulho, admiração e gratidão para as experiências culturais tão ricas, únicas e tantas! Rever festivais, repressão, Bibi em Gota d'Água, Gil, Caetano, Tom, Vinicius, Toquinho, Fernando Sabino, Diretas Já, Bethania, MPB4, Ópera do Malandro e tanto mais é documentar a nossa própria história. É reclamar uma participação do que não é exclusivo dele, mas é também de todos nós por direito e por simultaneidade.







Sei que sou suspeita. Tenho pelo Chico uma relação de fã/ídolo assumida, cultivada e rendida. Chico reina absoluto como a minha maior referência cultural! Gosto de tudo: músicas, livros, peças. Posso gostar um pouco mais ou um pouco menos de um ou outro trabalho, mas gosto! Em tudo vejo sentido, qualidade, abordagem, propósito. Todas as suas palavras, nas diversas manifestações artísticas por onde ele se aventura,  me emocionam. Muito. Chico me ensinou/ensina a pensar e repensar conceitos e a expressar sentimentos. Ele me ensinou/ensina a vasculhar o banal, o cotidiano, a emoção pessoal bem funda e a trazê-los à tona numa linguagem lúcida, por vezes denunciatória, por vezes poética, na maioria das vezes tão simples.O que ele provoca e revolve me ajuda a elaborar e reformular. Sua música, sua literatura e seu teatro encontram em mim correspondência imediata. E ele, como mais ninguém, consegue  me fazer ver a beleza máxima das palavras  e das imagens. Desde sempre. Ainda sempre. E  para sempre!