terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Monica. Porque a primeira amiga da adolescência a gente nunca esquece.





Monica foi a minha primeira amiga quando voltei ao Rio com 10 anos de idade. Estudamos juntas na Escola Municipal Albert Schweitzer, na mesma rua em que morávamos. Quer dizer, na rua em que eu morava, Rua General Glicério, em Laranjeiras.  A Monica morava na rua de trás, Rua Professor Ortiz Monteiro, no icônico Edifício Três Mosqueteiros. Da área de serviço da minha casa eu conseguia ver a janela do quarto dela. E era assim que nos comunicávamos para combinar quem ia pra casa de quem. Porque sempre íamos uma pra casa da outra.

Estudamos juntas por apenas 1 ano. No Admissão, eu fui para o Colégio Teresiano, na Gávea. Não me lembro para onde a Monica foi... No ano seguinte, ambas tentamos o sorteio para entrar na 5ª série do Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp) , na Lagoa. A Monica foi sorteada. Eu não. Continuei no Teresiano. Mas nossas janelas continuaram. E, como adendo dela, fui conhecendo os seus amigos e me entrosando no CAp.

Mônica repetiu a 5ª série. Eu entrei no CAp na 6ª série. E, ainda que tenhamos ficado em séries separadas,  nunca deixamos de estar juntas. Nunca. Herdei a sua turma original, da qual ela também jamais deixou de fazer parte.  E ampliamos nosso pequeno círculo com os novos alunos de sua nova turma. E nossas janelas continuaram.

Meu irmão nos levava para o Cap todas as manhãs. Minha irmã caçula, Andrea, e a irmãzinha da Monica, Rossana, também faziam parte da comitiva. E era a mãe da Monica que nos trazia de volta no final da manhã. Nossa convivência ultrapassou o universo de amigas. Virou família. Mesmo. Monica se tornou uma irmã. 

Minha adolescência foi ao lado dela. Não tínhamos segredos, tudo dividíamos. Usamos o primeiro soutien (eu antes que ela!) , menstruamos, demos o primeiro beijo. Juntas sonhamos, vibramos, descobrimos amores e todas as outras coisas importantes desta fase. Não me lembro de nada - importante ou não - que ela não tenha testemunhado ou participado. Eu mega metida, ela mega não metida. Eu na frente, ela na retaguarda. Uma encobrindo a outra. Inventamos roteiros fantásticos! Como tínhamos imaginação! Como ela tinha paciência com as minhas trapalhadas!  Ouvimos todas as trilhas sonoras de novelas ( a mãe dela SEMPRE comprava os discos das Trilhas Nacionais e Internacionais!)! Fizemos guerras de sapato contra a coitada da Rossana de deixar as marcas na parede do quarto! Fomos a festas! E nos metíamos em cada uma... E sempre, sempre, sempre, sempre, sempre defendíamos uma a outra. 

Monica era lobo em pele de cordeiro. Fala mansa... Quieta... Tímida... Mas por dentro... Quando o sangue fervia... Socorro!!! Por sorte, os seus ataques nunca foram dirigidos a mim! Não sei se sobreviveria! Monica tinha uma situação familiar conturbada e, volta e meia, "fugia de casa". Pra aonde? Pra minha casa! Perdi a conta de quantas vezes ela se refugiou conosco. Meus pais a acalmavam, a acolhiam, a mãe dela sabia que ela estava em segurança, ela ficava alguns dias, a poeira baixava, ela voltava pra casa. E essa rotina se repetiu inúmeras vezes. Eu adorava a mãe dela! Mais jovem, tinha uma cabeça mais aberta, a gente conversava muito! E meus pais adoravam a Monica! Virou filha mesmo! Uma vez, ela disse que, se um dia se casasse, queria que o meu pai entrasse com ela na igreja. Isso não aconteceu, porque meu pai morreu muito cedo. Nem sei se realmente aconteceria, mas era essa a nossa intimidade.

Vivemos nossas vidas adultas muito separadas depois que vim pra SP. Monica não teve uma vida fácil. Teve a Gabi sozinha, ficou viúva muito cedo e com outros dois filhos: Marcelo e Roberta. Bateu um pouco a cabeça, mas a sua capacidade de resistência e recomeços é impressionante! Tenho uma admiração infinita pela coragem, pela determinação, pelo despojamento! Hoje ela mora em Portugal. Um novo recomeço, que, espero, lhe traga tudo que ela sempre desejou, correu atrás e merece!

Hoje é o dia dela! 63 anos! E o que eu desejo não cabe nesse número tão pequeno pra contar a nossa história. 

Hoje é o dia dela! E eu só quero agradecer! Muito! Sempre! Porque se eu, ao longo da minha vida, aprendi a ser uma boa amiga, foi com ela que aprendi! Ela me ensinou a amizade da forma mais destilada, generosa e comprometida possível! 

Monica, minha irmã de alma e de vida: PARABÉNS!!!!!!! Te amo tudo o que posso!!!!





quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

63.




Hoje acordei com 63 anos completos. 

Quem me conhece sabe que nunca tive problemas com a idade. Passei dos 20 aos 30, dos 30 aos 40, dos 40 aos 50 e dos 50 aos 60 sem traumas. Com alguns sustos, claro. Mas sem traumas. Cada década é um pequeno susto. Não pelo o que ficou pra trás, mas pelo o que vem pela frente. Sempre acreditei que, se vivemos plenamente nossos tempos, o que fica pra trás é ganho. E não nostalgia. Nostalgia é um vazio incômodo pelo o que deixamos de viver. Nostalgia é diferente dos rompantes de saudades que sentimos. E que são bons de sentir. E que não nos deixam esquecer a nossa história.

Ter trinta anos foi o susto pelas responsabilidades do casamento e da maternidade. Ter quarenta anos foi o susto pela dosagem entre ser eu e ser as outras que eu tinha que ser. Ter cinquenta anos foi o susto de me resgatar fora do casamento e com os filhos independentes. E ter sessenta anos está sendo  escolher, dentro do possível, com o que, como  e com quem (con)viver. Inclusive a escolha pelos meus cabelos naturalmente brancos (aí, o susto foi dos outros! Não meu!)!

Os sessenta anos me têm sido relativamente leves. Prazeirosos. Cheios de humor. Plenos em novos aprendizados. Transbordantes de alegrias e orgulho de ver os meus filhotes trilhando os seus caminhos. Rodeados de jovens que me enchem de energia e compensação todos os dias. 

Mas mesmo com essa aparente serenidade e aceitação do tempo que passa, jamais, em tempo algum, imaginei completar 63 anos em meio a tamanho caos social, político e humano... Mas escolho não falar, aqui e agora, sobre o caos . Escolho  falar, aqui e agora, sobre as flores que brotam/têm brotado do caos.

Escolho falar da minha mãe, que aos 94 anos, tem (sobre)vivido bem, saudável, cuidada, amada! 

Escolho falar dos meus irmãos que, em enorme parceria e cumplicidade, nos alternamos para dividirmos nossas preocupações e dificuldades!

Escolho falar dos meus sobrinhos que nos mantêm desafiados e antenados! 

Escolho falar dos meus primos, de um e do outro lado, que têm sido um enorme alento e porto seguro!

Escolho falar dos amigos/amigas maravilhosos que tenho a sorte de ter. Amigos de longe, de perto, de antes, de durante, antigos, novos, cultivados, resgatados, adotados, descobertos, "reais", virtuais. Amigos que escutam. Ou que falam. E que falam outras línguas. Ou que riem junto comigo até a barriga doer. Ou que choram junto. Que ligam sistematicamente pra saber como estou. Que acompanham os programas bizarros aos quais assisto. Que leem os mesmos livros. Que mandam aqueles textos enormes que nem abro. Que discutem e criam polêmicas. Que mandam os links que você, sim, abre, lê e gosta. Que mandam fotos lindas. Que bordam, costuram, cozinham. E me inundam de fotos que começam a congestionar a memória do meu celular. Que me irritam de um jeito que nem sei dizer. E que me surpreendem de outro jeito que também não sei dizer.

Escolho falar dos artistas que são o único ar que nos fazem respirar e nos manter vivos. Artistas vivos  e os eternos. Os das pinturas, os das músicas, os das palavras, os das telas, os das belezas que até machucam e fazem chorar. E que me fizeram companhia todos os dias desse último ano. 

E, por fim, escolho falar dos meus filhotes. Do meu filho que, mesmo longe, me obriga a sair da minha zona de conforto. Que me dá ordens de "já sabe, né, mãe, de máscara, longe, não inventa!" Ou "Não tenho estrutura pra ver você ou o papai em risco". e que, às vezes, "Tá sem saco pra falar." E que, cada vez que me aparece na tela do meu computador, faz o meu coração transbordar. Ele é tão lindo! Ele é tão "gente"! E eu estou com tanta saudade de abraçar e beijar...

E da minha filhota linda. Meu facetime de todas as noites. Quietinha, faz a sua vida. E, às vezes, me joga  bombas. Joga, não. Comunica. E eu, quietinha, engulo. Não dá pra contrariar. E que me empresta a Nina. E que se preocupa. E faz minhas compras online. E organiza o que tem que organizar. E finge, e eu quase acredito, que está interessada nas minhas novidades. E vem me visitar na garagem. e eu estou com tanta saudade de abraçar e beijar...

E foi assim, então, que completei 63 anos. 

Completei 63 anos com o meu rosto coberto.



Completei 63 anos cantando parabéns ao lado da minha mãe.  




Completei 63 anos recebendo carinhos de todos os lados. Mensagens e chamadas que foram recebidas como beijos e abraços. Necessários e apreciados.

Completei 63 anos tão longe e tão perto. Em tempo e espaços reaprendidos. Adaptados e valorizados.

Completei 63 anos com esse mimo da minha filhota e do genro, entregue em drive thru na garagem: flores lindas, um jantar especial (massa recheada de cebola caramelizada com molho bechamel e até  queijo ralado!), e cupcakes, com velinhas e tudo pra eu cantar parabéns pra mim! O jantar de aniversário mais especial que tive em 63 anos! 





E foi assim, então que completei 63 anos...




sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

2021: sobre décadas e dandelions.

 


Dandelion é a nossa flor Dente-de-leão. Uso o nome em Inglês, porque gosto mais  do som. Acho que tem mais som de flor, tem mais cheiro de flor. Além disso, o meu poeta preferido, Walt Whitman, escreveu um lindo poema  chamado "The First Dandelion", e então eu adotei de vez o nome, em estrangeirismo assumido.

São muitas as lendas em torno dessa flor. Dizem, por exemplo, que dandelions são casas de fadas. Com a chegada do homem ao mundo, todas as criaturas mágicas tiverem que se esconder.  Os vestidos volumosos das fadas dificultaram  os seus esconderijos e elas, então, se transformaram nas belas dandelions. Dizem  também que a cor amarela tão intensa é poeira produzida pela carruagem do Sol. Acreditava-se, como outro exemplo,  que esfregar a flor sobre a pele atraía irresistível bem-querer e até as bruxas usavam essa tática para serem aceitas pelas pessoas. Até mesmo a mitologia atribui poderes para essa flor. Segundo a lenda, Teseu teria se alimentado  apenas de dandelions por 30 dias seguidos para adquirir a força necessária para derrotar o Minotauro. No Nordeste do Brasil, dandelions são conhecidos como "Esperança" e há um dito popular que se refere à flor: "Abre as janelas e deixa a esperança entrar na tua casa trazida pelo vento da tarde." Não é lindo? 

Dandelions resistem ao inverno e renascem a cada primavera em florações em tom amarelo vivo. Após florir, formam um papilho de sementes claras que mais parecem plumas. E essas plumas espalham-se facilmente ao menor sopro. Ou pela brisa mais suave. 

Quem, em criança, não adorava colher essas flores que se espalha por todo o lado e as soprava  mentalizando desejos secretos? Uma das mais doces memórias da minha infância em Belo Horizonte era desejar algum desejo bem intensamente e soprar as flores para ver para onde eram levadas... Ou apenas soprar, sem desejos, apenas por soprar.  

Pensando na década que se encerrou no  dia 31 de dezembro de 2020, e  na nova década que se inicia hoje, pensei em toda a simbologia dessa flor. 

A década passada foi cruel. Para nós, brasileiros, foram dez anos de grandes desafios políticos e econômicos. E um enorme retrocesso nos valores humanos... Para o mundo, a pandemia do novo coronavírus selou a década num rastro de mortes, perdas, incertezas e atos de extremas desumanidades. 

Na nova década, teremos que enfrentar esse terrível legado. Teremos que rever conceitos, valores, práticas. Teremos que refazer planos, ajustar expectativas. Teremos que recuar algumas casas para avançar na direção que queremos e devemos. E, para isso, precisaremos de força, otimismo e  muita esperança.

E é aí que dandelions me emprestam a sua poesia. É da imagem da força dessa flor que brota, perene, desafiando o improvável, que resistiremos. É  do otimismo de sempre acreditar na fecundidade dos solos, ou aventurar-se pelo desconhecido, que insistiremos. 

Mas é sobretudo da esperança obstinada e incansável, que venceremos. Sopremos! Sopremos dandelions! Imitemos a sua capacidade de serem levadas pelo ventos. Sigamos, em frente, a favor do vento. Sopremos! Sopremos dandelions! E, a cada sopro, um desejo profundo de cura. Curas físicas. Curas emocionais. Curas individuais. Curas coletivas. 

Que a nova década seja  um imenso jardim de dandelions! E que elas brotem, vigorosas, rompendo o inverno árido e estéril que acabamos de deixar pra trás. Hoje é o primeiro dia! A primeira dandelion! 

Como inspiração, segue o lindo poema do Walt Whitman, seguido da tradução. Como eu gosto desse poeta! 

The First Dandelion (Walt Whitman)

"Simple and fresh and fair from winter's close emerging,

As if no artifice of fashion, business, politics, had ever been,

Forth from its sunny nook of shelter'd grass-innocent, golden calm as the dawn,

The spring's first dandelion shows its trustful face."


"Singelo, fresco e belo quando brota no fim do inverno,

Como se nenhum artifício da moda, negócios, política tivesse um dia existido,

Surge do seu soalheiro recanto a erva abrigada - inocente dourado, sereno como a aurora,

o primeiro dente-de-leão primaveril que mostra o seu rosto confiante."