Ali ali só ali se se alice ali se visse quanto alice viu e não disse se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece (Paulo Leminski)
terça-feira, 31 de outubro de 2017
A bruxa está solta.
A bruxa está solta!! Acionou-se o alarme. A bruxa está solta!! Gritou-se em ruidoso alarde. A bruxa está solta!! O pânico colocou-se em alerta. A bruxa está solta!! E foi o Deus nos acuda!Era chapéu voando pra um lado, gato preto se escondendo pro outro, caldeirões revirados, verrugas arrancadas! A bruxa está solta!!E já não se ouvia um pio de coruja e nem o farfalhar de asas de urubu. O tempo, suspenso, nem ousava respirar. Aguardava e espreitava. Atento. Nada se movia. Nada sugeria. Nada denunciava. O mistério silencioso esgueirava-se em fugacidade intangível. Mas o tempo, experiente e obstinado, não desistia! Sabia que bruxa estava solta! Sentia a sua ausência sob o peso do indecifrável... E foi então que avistou a velha vassoura encostada, com displicência disfarçada, no muro que dividia o aqui do lá. Não se enganara. A bruxa continuava solta...
(Publicado no Grupo Minicontos em 29.10.2017. Palavra-chave: BRUXA)
sábado, 21 de outubro de 2017
Aquela noite em 67.
Ponteio, Domingo no Parque, Roda Viva, Alegria Alegria , A Estrada e o Violeiro.
Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, Sidney Miller. E Sérgio Ricardo.
Marilia Medalha, Os Mutantes, MPB4, Beat Boys e Nara Leão.
Violão, Guitarras elétricas, berimbau. E um violão quebrado.
MPB, Jovem Guarda, Tropicália.
Se ter reunido diamantes musicais desse quilate naquela noite em 67 já parece quase impossível, repetir, em algum momento no futuro, algo minimamente semelhante é inimaginável!
Uma noite mágica! Uma noite inesquecível! A noite que mudou a música brasileira e estabeleceu um patamar de excelência correspondido e jamais superado.
Estava tudo lá. Os segredos não reveláveis das genialidades que combinavam letras e músicas para cantar as profundezas das nossas brasilidades caladas e/ou em construção. As formalidades e as transgressões em consonância e equilíbrio improvável. As emoções à flor da pele. As juventudes protagonistas.
Que noite! Ah... Que noite! Ainda que as torcidas fossem ruidosas e parciais, ainda que a disputa fosse tão acirrada, jamais outra noite provocou tanta comoção e mobilização. E tantas memórias grandiosas de uma parte da nossa história que deu certo.
Que noite grande! Ah...Que grande noite! Noite que ainda ecoa nos ouvidos em acordes perpétuos! E que é marco. E que é divisor. E que é referência e ponto de partida. Pela noite em 67, sempre teremos para onde voltar para reconhecimento e espelhamento.
Aquela noite em 67 foi uma só noite em várias. Noite de música, noite de política, noite de participação, noite de engajamento, noite de posicionamento, noite de inconsequências, noite de experimentações, noite de acasos, noite de bandidos e mocinhos, noite de aplausos, noite de vaias.
Uma noite tão especial que comportaria qualquer resultado! E qualquer que tivesse sido a ordem das premiações, teria provocado o mesmo ganho!
Ao comemorar os cinquenta anos da noite em 67, impossível não reverenciar os protagonistas que ainda fazem história e continuam sendo referência da produção cultural do nosso país. Ao mesmo tempo, impossível não lamentar a esterilidade que não produziu prole fecunda e renovadora.
Salve aquela noite em 67! Que privilégio tê-la em destaque no calendário da minha vida!
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
Minhas crianças.
São dezenove as minhas crianças.
Duas são só minhas. E eu sou delas. Elas me são. E eu só sou nelas.
Outras nove divido com minhas irmãs e irmão. São nossas e nos unem e completam. Mas não deixam de ser um pouquinho só minhas, por ser a Ticinha delas.
As últimas oito - por enquanto! - já são frutos dos nossos frutos. São minhas e nossas e das nossas. E, para nossa alegria, não param de chegar!
E são essas dezenove crianças lindas, especiais e tão amadas que me lembram, todos os dias, a enormidade do ser CRIANÇA!!!
quarta-feira, 4 de outubro de 2017
Mercedes - Ay sí sí sí
Mercedes Sosa ainda é - e sempre será - a voz da América Latina! Dela, a trilha sonora da luta por liberdade, pela democracia e pela justiça social.Uma mulher forte, de presença marcante e nada convencional. Sem dúvida, uma das vozes mais poderosas e inconfundíveis da minha geração. Ao mesmo tempo em que cantava palavras duras que denunciavam os contrastes tão injustos, surpreendia pela doçura de sua voz. Sua bela voz, que cantava por nós a nossa não tão bela condição.
A música como instrumento de parceria e troca. A aproximação, pela semelhança, das diferenças que caracterizam o nosso continente. Reconhecer a qualidade, a diversidade, o talento de tantos sons diferentes e dispersos e em idiomas diversos, ritmos exclusivos, recursos desiguais e mensagens desconexas.
Lembro-me da primeira vez que ouvi Volver a los 17. Tinha exatamente 17 anos e estava estudando para o vestibular. Ouvia essa música dia e noite, noite e dia e a voz do Milton Nascimento e da Mercedes, e o refrão "se va enredando enredando, como en el muro la hiedra, y va brotando brotando, como el musguito en la piedra, como el musguito n la piedra, ay sí sí sí" se misturavam com as fórmulas de física, datas históricas e movimentos literários.
E assim entrou Mercedes na minha vida. E embalou meus sonhos de estudante e minhas discussões inflamadas sobre os rumos do nosso país. E alimentou a minha confiança em conseguir mudar o mundo. E quanto mais a ouvia, mais me descobria e descobria a minha latinidade. E passei a me interessar pela música latina e descobri talentos incríveis e sons maravilhosos. E passei a me interessar por autores latinos e a ler suas ideias e poesias. E fui, aos poucos, perdendo a ingênua alienação adolescente para a crueza da nossa realidade política e social.
Duas de suas músicas, em particular, são parte das memórias da infância dos meus filhos. Eles tinham quatro e cinco aninhos e morávamos em Buenos Aires e depois em Porto Rico e, portanto, o espanhol era idioma familiar e referencial. Mercedes nos acompanhava a caminho da escola. A primeira música era Los Hermanos. Daniel e Marina esperavam ansiosamente pela última estrofe para cantar bem alto "Y una hermana muy hermosa que se llama libertad!" Eles achavam o máximo ter vários irmãos e apenas uma irmã! Santa inocência! A segunda música, ainda hoje uma das minhas favoritas, era Duerme Negrito. Eles amavam a estrofe"Y si negro non se duerme, viene el diablo blanco y zaz, le come la patita chacapumba, chacapumba, apumba, chacapumba".
Nos oito anos sem Mercedes, nossa América Latina segue à deriva em busca de sua consciência e identidade. Parece que, ao perdermos sua voz, perdemos o fio condutor dos ideais comuns de democracia e justiça social. Desagregados, damos cabeçadas cegas enquanto retrocedemos, retrocedemos, retrocedemos. Que falta faz Mercedes!
Mas La Negra segue como inspiração necessária em meio ao caos profundo. Caos moral, ético, político, social. Caos humano, que põe em dúvida a própria vida. Eternizando a obra prima de Violeta Parra, nos ensina a louvar a vida em um idioma que não é o nosso, mas que só nele traz a intensidade e o sentido com o qual precisamos nos identificar. "El canto de ustedes que és el mismo canto, y el canto de todos que és mi próprio canto".
Y Gracias a la Vida!
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