terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Sobre misses. E as passarelas na Rua Ramalhete.

"Os estados brasileiros se apresentam... Nesta festa de alegria e esplendor ... Jovens misses seus estados representam... Seus costumes, seus encantos, seu valor... Em desfile, nossa terra, nossa gente... Pela glória do auriverde, em céu de anil... Sempre unidos... Leste, Oeste, Norte e Sul... na beleza das mulheres do Brasil..." 
(Canção das Misses)


Ontem foi o concurso de Miss Universo 2017. Pela primeira vez, a nossa representante foi negra. Belíssima! Mas, infelizmente, nem chegou a figurar entre as 9 finalistas. Venceu a representante da França, de beleza genérica e morna e já caída no esquecimento.O que importa?

A verdade é que esses concursos de beleza estão, a cada ano, mais anacrônicos e descabidos. Inúteis. E que em nada contribuem para qualquer impacto no conceito de beleza ou de multiculturalidade. Pelo contrário, chegam a ser patéticos. Jovens de belezas ajustadas e retocadas, sem emoção e de conteúdo medíocre e limitado. Ainda nos moldes do Pequeno Príncipe e da paz mundial.

Para as mulheres da minha geração, um imenso saudosismo  da época de ouro desses concursos! E que época! E  que ouro!Que maravilha era acompanhar e torcer! Maiôs Catalina. Trajes típicos. E os deslumbrantes vestidos de gala! Treinadas a mão-de-ferro pela inesquecível Maria Augusta da Socila. E o Maracanãzinho? Palco dos sonhos!



Esses concursos eram solenes, formais, nobres, cheios de glamour! Apresentadores e jurados vestiam-se com esmero, tinham honradez, altivez, deferência.

 Fomos referência de beleza na América Latina durante décadas. E produzimos misses de quilates inestimáveis! Misses dos pés a cabeça. Majestosas! Como jamais esquecer Martha Rocha? Adalgisa Colombo? Terezinha Morango? Ieda Maria Vargas? Pra mim, a mais bonita de todas! Martha Vasconcelos? As gêmeas Ana Cristina e Maria Elizabeth Ridzi? Vera Fischer?




Minha infância foi marcada por estes concursos. Grudada na TV. E nas capas da Manchete, Fatos e Fotos e O Cruzeiro.

Quantas vezes reproduzimos os concursos  nos paralelepípedos da Rua  Ramalhete em Belo Horizonte! Da TV para a rua da minha infância! Passarela querida do nosso imaginário feminino! Inventávamos trajes típicos e improvisávamos vestidos de gala para desfilar, empoderadas, diante da comissão julgadora formada por irmãos e amigos do sexo masculino! Gloriosas tardes!

De tantos desfiles naqueles anos, lembro de dois em particular e com imenso carinho. Ambos na minha casa. Desfilávamos na sala, ao som da  radiola que tocava músicas clássicas. Num deles, tia Nenem, minha tia-avó por parte do meu pai, fazia parte do juri, e, enquanto eu desfilava, ela, que era pianista clássica, ouvia a música e  não parava de me chamar; "Maria Alice, parece que estamos no céu!!". Fiquei com muita raiva, porque ela realmente atrapalhou o meu desfile.

A outra lembrança que guardo, saudosa, é do meu primo Carlinhos, já falecido, que calhou de estar lá numa dessas temporadas e foi o apresentador oficial do desfile. Ele adorava anunciar as medidas no desfile de maiô, frisando sempre: 'Busto: ausente". Claro, éramos todas meninas de 6 a 10 anos!! Mas ele anunciava sempre com a maior ênfase!

Esses concursos hoje são bregas e sem importância. Em sintonia com a superficialidade  e inutilidade do que define beleza. Num mundo onde estética ainda é determinante, mas que conflita com as belezas que realmente importam, tornaram-se sem sentido. Ainda bem!

Mas eu, ainda assim, por saudosismo teimoso ,  insisto. Ainda que seja para comprovar que duas polegadas, definitivamente, não fazem a menor diferença. Ou fazem TODA a diferença!





segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

La La Land... La La La...

"City of stars... Are you shining just for me?... City of stars... You never shined so brightly..."





La La Land é  como se costumava chamar Los Angeles, em especial o distrito de Hollywood, em referência à toda a mágica que  acontece ali. Título perfeito para esse filme irresistível, encantador e apaixonante! Toda a magia hollywoodiana está retratada nessa pequena obra-prima!

O musical é um  tributo calculado e merecido ao gênero! O enredo simples e ingênuo,  recheado de clichês, reflete esmero e atenção a detalhes  Nada é descuidado ou gratuito! A nostalgia é construída positivamente e não no saudosismo vão e engessado. Referências a clássicos como Casablanca, Juventude Transviada e Dançando na Chuva celebram a história do cinema, mas, ao mesmo tempo, servem como elo com o tempo presente.

O encantamento já se impõe na cena de abertura. Que cena lindíssima e envolvente! Quanta música, quanta luz, quanta coreografia, quanta juventude! Tudo pulsa! Tudo move! Tudo sugere sonhos e vontades!

A partir dai, já estamos cativos. E entregues para acompanhar e torcer, ao longo da simbologia das estações do ano, as primaveras, verões, outonos e invernos das trajetórias  profissionais e do desenrolar do amor entre Mia (Emma Stone) e Sebastian (Ryan Gosling). A atuação da dupla impressiona e comove! Sem serem particularmente reconhecidos pelas habilidades necessárias para estrelarem musicais (canto e dança), surpreendem pela qualidade, naturalidade e verdade. Com química já lapidada por trabalhos anteriores, constroem sua história de amor com romantismo contagiante e convincente. Não há como não torcer pelo sucesso de ambos e pelo final feliz!

As histórias individuais são comuns a  tantos outros artistas que chegam a Hollywood cheios de sonhos e enfrentam as dificuldades e desilusões. Como também a história de amor é comum a tantas outras que passam do arrebatamento inicial ao desgaste do dia a dia e da interferência dos problemas de sobrevivência. O mérito do diretor Damien Chazelle, que também assina o roteiro, foi criar, dentro de um modelo simples e trivial, personagens que quebram a previsibilidade e se transformam sem perder o que os reconhece.

A cena final provoca  encantamento  ainda mais intenso do que a cena de abertura! O que poderia ter sido contrastado com o que efetivamente foi provoca emoções conflitantes. Um misto de melancolia com resignação, ao mesmo tempo em que anuncia o fim da magia com os créditos finais. Que pena acabar!

Chazelle imprimiu perfeição técnica ao seu filme. Assim,   arte, iluminação, fotografia, figurino e trilha sonora constituem-se elementos formais irretocáveis e impecáveis!

Para quem é familiarizado com literatura, poderia-se dizer que La la Land é um dos mais característicos representantes do parnasianismo, movimento literário definido pela busca da estética perfeita e cuidadosamente trabalhada!

Já consagrado no Globo de Ouro, La La Land  também se  consagrará na emoção inesquecível que certamente entrará na história dos musicais!




quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Inferno Astral.


De todos os infernos do inferno, o inferno astral é o mais desolador. O mais sombrio dos sombrios, o mais assustador dos assustadores, o mais gélido dos gélidos. Um vasto, muito vasto vale de devastação, confusão e abandono.

No inferno astral, cada astro, exaurido ao cumprir seus longos ciclos, encontra descanso. Cada casa tem um dono, cada dono se alimenta do seu elixir para recuperação. Ou redenção. Ao melhor, apenas um salvo-conduto para percorrer mais um ciclo.

Nesse período de convalescença e, portanto, sem guardião, os signos vagueiam à deriva, desorientados,expostos e à mercê dos infortúnios e provações. É mesmo o inferno dos infernos.

Mas, mesmo diante desses perigos, os signos, em geral, aproveitam as suas férias astrais. Enquanto os seus guardiães padecem em sofrimento indescritível, os signos respiram novos ares e ousam novas experiências, novas características, novas definições. Transgressores, saltitam como crianças de casa zodiacal para casa zodiacal sem culpa ou cuidado!

Mas não Capricórnio. Não, não Capricórnio. Nunca Capricórnio. Arcado pelo peso do mundo, Capricórnio é solidário ao seu guardião e também se  recolhe. Sério, preocupado, atento, responsável e resignado, isola-se. Observa, consternado, o caos. Agarra-se, equilibrista, nos picos mais íngremes e inacessíveis para, solitário, ordenar e organizar.  E é nessa  solidão inóspita que espera o seu guardião recuperar-se para, juntos, em missão heroica não reconhecida, reconduzirem o mundo à ordem e ao sentido.

Quando termina o inferno astral de Capricórnio, até o inferno respira em alívio celebrado! Até os fogos  timidamente ardem mais leves! Os demônios festejam! Os monstros ousam brincadeiras inocentes! As profundezas visitam as tonas como comadres. Turbulências se estabilizam. Há suspensão no ar. Por um breve, muito breve  período, os portais do inferno e do paraíso se confundem.

Enquanto isso, Capricórnio, já curvado pelo cansaço jamais refeito, acolhe o seu guardião e, pelos céus zodiacais, segue cumprindo a sua missão.