Ali ali só ali se se alice ali se visse quanto alice viu e não disse se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece (Paulo Leminski)
sábado, 31 de outubro de 2015
Que las hay, las hay.
... e dizem que neste dia, vassouras colocam-se em sentinela e vigília... guardiãs absolutas da magia e encantamento... enquanto bruxas, em festa, revelam seus mistérios... e desafiam escuridões... e desbrocham em justiça, sabedoria e fecundidade... e o mundo, então, silencia em suspensão indefinida... e nada é o que sugere ser... e sente-se apenas o que não se conhece... e toca-se o inexistente... e tudo se transforma em sussurros de poesia...
domingo, 25 de outubro de 2015
La Pastasciutta.
Deus Pai, Todo Poderoso, eu te rogo! Abençoe e proteja os chineses, assírios, babilônios, hebreus, árabes, Marco Polo ou quem quer que tenha inventado o macarrão nosso de cada dia. Abençoe e proteja também os santos italianos que aprimoraram, multiplicaram e emolharam a divina iguaria. Que nenhuma crise na Europa, de qualquer natureza ou consequências, em hipótese alguma e em tempo algum, afete a Barilla e a De Cecco. Olhe também pela prosperidade e abundância na produção mundial de tomates. Que as palavras penne, rigatoni, farfalle, fusilli, capeletti, ravioli e tagliatelli - não necessariamente nesta ordem - jamais deixem de fazer parte do meu universo linguístico/simbólico/gastronômico. E acima de tudo, te suplico, de joelhos, em fervorosa devoção e fé, que os cientistas, endocrinologistas, nutricionistas e, em particular, a minha balança, finalmente comprovem o seu surpreendente poder emagrecedor! Para todo o sempre. Amém.
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
De volta ao futuro.
Um dia, guardei o nosso amor numa caixinha. Um dia, lá no passado do nosso futuro. Guardei bem guardado. Eu sei. Me lembro. Guardei tudo. Guardei todo. Pra nunca faltar. Guardei bem guardado. Eu sei. Me lembro. Mas um dia, já no futuro do nosso passado, não encontrei o nosso amor dentro da caixinha. Onde estava o nosso amor guardado? Eu o tinha guardado. Eu sei. Me lembro. Mas ele não estava mais lá. Olhei ao redor, aflita, procurando o caminho de volta ao passado do nosso futuro. Precisava voltar. Te encontrar outra vez. Me encontrar em você. Fazer outro nosso amor. Guardá-lo de novo dentro da caixinha. Mas guardar melhor guardado desta vez. Pra nunca faltar. Pra não esgotar. Pra não escapar. Eu vou saber. Eu vou lembrar. E vou levar a caixinha do nosso amor de volta para o futuro do nosso passado. E só assim serei feliz.
domingo, 18 de outubro de 2015
Pedaladas. Aprendendo com Myanmar.
O lago Inle é o segundo maior de Myanmar (antiga Birmânia) e abriga, ao seu redor, várias etnias estabelecidas em ilhas flutuantes, similares às ilhas flutuantes do lago Titicaca no Peru/Bolívia, distribuídas em canais que formam uma verdadeira Veneza rural, mas com toques de mistério e espiritualidade do budismo predominante.
O lago, com profundidade média de 2 m, é praticamente a única fonte de subsistência daquela população, além do turismo, que, aos poucos, se intensifica na região. Nove espécies de peixes são encontradas apenas nesse lago, mas a pesca é dificultada pela quantidade de juncos e outras plantas que se acumulam na superfície.
Os pescadores da etnia Intha ("filhos do lago") desenvolveram a técnica única, passada de geração em geração, de remar com as pernas e pés - e não com as mãos. Uma perna se apoia na pontinha da canoa, enquanto a outra, no ar, com o remo encaixado entre a dobra do joelho e o dorso do pé, impulsiona a embarcação enquanto afasta as plantas e raízes aquáticas , permitindo a visão e que as mãos livres alcancem os peixes com suas redes. Malabaristas circenses. Bailarinos das águas.
Impossível não se maravilhar com as imagens! Impossível não admirar as soluções aprendidas e legadas em confrontos com obstáculos e adversidades! Impossível não se surpreender com a adaptação e adoção de usos múltiplos tão inesperados quanto inusitados! Atribuir aos pés outra função e que, pelas imagens, parece tão natural como se sempre tivesse sido!
Imediatamente o lago Inle e seus remadores acrobatas tornam-se imagens potentes e de associação inevitável com o nosso momento Brasil! E penso no potencial de recuperação da nossa economia como os cardumes submersos nas nossas águas abundantes. Penso nas dificuldades que atravessamos - más administrações, más decisões, corrupções, concessões e trocas inapropriadas, truculências, falta e transparência, conflitos, prioridades equivocadas, sordidez política, etc - como os juncos, raízes e contaminações que turvam a visão e dificultam o acesso ao potencial à espera em inércia produtiva. Penso nos poderes, todos, cada um em sua área de incompetência, como remadores inábeis e desajeitados. E que, ainda assim, consideram-se legítimos donos das águas.
E penso nas tais pedaladas fiscais e políticas, hoje popularizadas e de uso ampliado e ilimitado, como a técnica insistente e teimosa para camuflar e driblar adversidades contábeis ou de governabilidade. Artifícios ineficientes e criminosos que repetem movimentos circulares que apenas aparentam mobilidade, quando, na verdade, não saem do mesmo lugar.
E penso em como o conhecimento - e apenas o conhecimento - profundo, intuitivo e aprendido - permite alternativas criativas. A humildade de render-se às forças sábias da natureza - todas as naturezas, inclusive as econômicas e políticas - e aliar-se à elas para o equilíbrio necessário. A arrogância da ignorância e da truculência do poder - todos os poderes - não acompanha os cursos alterados pelos momentos, pelas necessidades, pelos recursos.
Insistir na dinâmica fracassada e denunciada é perpetuar o insolúvel. Apenas outra dinâmica, menos viciada e mais ousada, poderá clarear as águas e revelar seus mistérios e tesouros alcançáveis. Para isso, no entanto, será necessário coragem, vontade, ruptura e pactos realistas e possíveis. Ações concretas e sem tréguas que resultem em esperanças de flores de lótus renascendo águas límpidas e promissoras.
Quem sabe aprendemos com Myanmar que pedalar com mãos limpas é tão possível quanto remar com os pés?
O lago, com profundidade média de 2 m, é praticamente a única fonte de subsistência daquela população, além do turismo, que, aos poucos, se intensifica na região. Nove espécies de peixes são encontradas apenas nesse lago, mas a pesca é dificultada pela quantidade de juncos e outras plantas que se acumulam na superfície.
Os pescadores da etnia Intha ("filhos do lago") desenvolveram a técnica única, passada de geração em geração, de remar com as pernas e pés - e não com as mãos. Uma perna se apoia na pontinha da canoa, enquanto a outra, no ar, com o remo encaixado entre a dobra do joelho e o dorso do pé, impulsiona a embarcação enquanto afasta as plantas e raízes aquáticas , permitindo a visão e que as mãos livres alcancem os peixes com suas redes. Malabaristas circenses. Bailarinos das águas.
Impossível não se maravilhar com as imagens! Impossível não admirar as soluções aprendidas e legadas em confrontos com obstáculos e adversidades! Impossível não se surpreender com a adaptação e adoção de usos múltiplos tão inesperados quanto inusitados! Atribuir aos pés outra função e que, pelas imagens, parece tão natural como se sempre tivesse sido!
Imediatamente o lago Inle e seus remadores acrobatas tornam-se imagens potentes e de associação inevitável com o nosso momento Brasil! E penso no potencial de recuperação da nossa economia como os cardumes submersos nas nossas águas abundantes. Penso nas dificuldades que atravessamos - más administrações, más decisões, corrupções, concessões e trocas inapropriadas, truculências, falta e transparência, conflitos, prioridades equivocadas, sordidez política, etc - como os juncos, raízes e contaminações que turvam a visão e dificultam o acesso ao potencial à espera em inércia produtiva. Penso nos poderes, todos, cada um em sua área de incompetência, como remadores inábeis e desajeitados. E que, ainda assim, consideram-se legítimos donos das águas.
E penso nas tais pedaladas fiscais e políticas, hoje popularizadas e de uso ampliado e ilimitado, como a técnica insistente e teimosa para camuflar e driblar adversidades contábeis ou de governabilidade. Artifícios ineficientes e criminosos que repetem movimentos circulares que apenas aparentam mobilidade, quando, na verdade, não saem do mesmo lugar.
E penso em como o conhecimento - e apenas o conhecimento - profundo, intuitivo e aprendido - permite alternativas criativas. A humildade de render-se às forças sábias da natureza - todas as naturezas, inclusive as econômicas e políticas - e aliar-se à elas para o equilíbrio necessário. A arrogância da ignorância e da truculência do poder - todos os poderes - não acompanha os cursos alterados pelos momentos, pelas necessidades, pelos recursos.
Insistir na dinâmica fracassada e denunciada é perpetuar o insolúvel. Apenas outra dinâmica, menos viciada e mais ousada, poderá clarear as águas e revelar seus mistérios e tesouros alcançáveis. Para isso, no entanto, será necessário coragem, vontade, ruptura e pactos realistas e possíveis. Ações concretas e sem tréguas que resultem em esperanças de flores de lótus renascendo águas límpidas e promissoras.
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
Sobre ser professor.
Minha mãe acreditava na disciplina como único meio para a educação bem-sucedida. Mas não a disciplina castradora ou punitiva, pois, pelo contrário, e hoje reconheço até como demonstração de muita modernidade, sempre fomos permitidos e incentivados a toda forma de exploração criativa.A disciplina, na visão da minha mãe, era fundamentada em horários. Horário para acordar, para comer, para atividades, para ler, para descansar, para estudar, para brincar. Minha infância foi um relógio. Morávamos numa rua pequena em Belo Horizonte, Rua Ramalhete, cheia de crianças e brincadeiras e palco perfeito para uma infância saudável e feliz. Eu e meus irmãos, no entanto, só tínhamos permissão para sair e brincar depois das 16:00. Olhávamos suplicantes para aqueles ponteiros que, só pra contrariar, moviam-se lentamente... Na batida das 16:00, corríamos alforriados para nos juntar aos nossos amigos!
Parte dessa rotina consistia no descanso após o almoço. Com sono ou sem sono, cansada ou não, tinha que ir para o quarto e lá ficar por um hora, todo dia após o almoço. Quando muito pequena, imagino que tenha mesmo descansado naquele quarto. Não tenho memórias dessa época. Minhas lembranças começam, e muito claras, no momento em que, já grandinha para ter sono naquele horário, buscava como me ocupar durante aquela uma hora. E sei que foi ali, sozinha naquele quarto semi-escuro, que me fiz, tornei, formei, percebi professora. Sentava as minhas bonecas - e numa casa de quatro meninas sobravam bonecas compartilhadas - num círculo e reproduzia, naquela hora, as atividades, conversas e histórias que vivia no Izabela Hendrix, o pré-escolar que frequentava. Entre minhas bonecas, descobri e ensaiei os primeiros passos para minha vocação. Identidade. Prazer.
Tive também a sorte e o privilégio de ter sido exposta a grandes professores! E agradeço a cada um pela inspiração, motivação e provocação de inquietudes e inconformismos. Esses professores tornaram-se minha referência de como entender e exercer a educação num âmbito muito mais amplo do que o meramente informativo. Meu ideal de educação foi sustentado em altíssimos pilares de aspiração, esperança e otimismo!
Sou, portanto, professora. E embora não exerça mais a profissão como atividade principal, sou resultado do que o magistério me proporcionou. Pois realmente acredito não haver experiência maior e mais transformadora. Não há troca mais prazerosa. Não há interação mais completa.
Gosto de pensar no processo do aprendizado como uma ponte. De um lado está o aprendiz que, por interesse ou necessidade, precisa daquele conhecimento para seu crescimento. Do outro lado está o mestre, detentor daquele conhecimento que precisa atingir o outro lado. A ponte será construída com mais ou menos eficiência quanto mais comprometidos estiverem mestre e aprendiz. A beleza incomparável dessa relação está justamente na alternância, nem sempre consciente, entre as duas funções. Pois ambos ensinam e aprendem, crescem e se modificam. Ambos descobrem potências e fraquezas que desconheciam. As pontes construídas na participação igualitária e respeitosa são sólidas e duradouras. Lamento pelo mestres que, por arrogância, se colocam fora do processo e não permitem novos espaços de crescimento e conhecimento. Como também lamento pelos aprendizes que, sem consciência da sua essencialidade, hesitam em interagir completamente e colocam-se como coadjuvantes ou meros figurantes. As pontes construídas nessa desigualdade são frágeis e fadadas ao colapso.
Nesse sentido, sinto-me afortunada! Pois construí, sei, pontes firmes e inabaláveis. Aprendi com meus mestres-aprendizes as ferramentas e valores que hoje me sustentam e norteiam. Aprendi o respeito ao outro. Aprendi a olhar a necessidade do outro. Seus medos, Seus anseios. Suas limitações, Seu senso de preservação. Sua doação e generosidade. Sua espontaneidade. Aprendi o não julgamento. A compreensão das diferenças. A convivência curiosa com a diversidade. Aprendi a valorizar o esforço. Aprendi que cada conquista é única e pessoal e deve ser valorizada fora dos parâmetros coletivos. Aprendi a ouvir verdadeiramente por verdadeiramente querer ouvir. Aprendi que um sorriso diz tudo e que um olhar iluminado é um presente. Aprendi a olhar fundo, dentro do outro e entender como ajudar. Aprendi que com alguns a resposta vem do afago e com outros vem do desafio. Se o estímulo for errado, a resposta certa não vem. Aprendi que o aprendizado só floresce em ambiente seguro e acolhedor. Aprendi que o coração de professor se desmembra em milhares de nomezinhos. E aprendi que não há maior honraria e responsabilidade do que a condução do processo de aprendizado e que, quando exitoso, é a maior das realizações!
Nosso pais ainda reluta em conferir à educação a sua verdadeira importância e lhe nega o protagonismo na construção da nossa cidadania. Nossos professores estão esvaziados de seu orgulho e dignidade. Mas não quero, hoje, discutir o nosso modelo educacional falido, inadequado a insuficiente. Nem quero discorrer sobre o slogan Pátria Educadora escolhido para definir o segundo mandato da presidente Dilma e que, pelo menos até aqui, se mostra vazio e sem ações percebidas como real prioridade.
Hoje quero apenas reconhecer e celebrar os profissionais que lutam, apesar de tantas adversidades, para que as pontes capengas do conhecimento continuem aproximando e encurtando distâncias. . Profissionais que, não sei como, ainda insistem e acreditam na construção de um pais mais educado, cidadão, justo e promissor.
E apenas essa teimosia inexplicável explica essa vocação incompreensível e incompreendida. Hoje não tenho dúvidas de que nos tornamos professores não por querer mas, sim, sem querer. A gente simplesmente é, até quando não quer ser!
Parte dessa rotina consistia no descanso após o almoço. Com sono ou sem sono, cansada ou não, tinha que ir para o quarto e lá ficar por um hora, todo dia após o almoço. Quando muito pequena, imagino que tenha mesmo descansado naquele quarto. Não tenho memórias dessa época. Minhas lembranças começam, e muito claras, no momento em que, já grandinha para ter sono naquele horário, buscava como me ocupar durante aquela uma hora. E sei que foi ali, sozinha naquele quarto semi-escuro, que me fiz, tornei, formei, percebi professora. Sentava as minhas bonecas - e numa casa de quatro meninas sobravam bonecas compartilhadas - num círculo e reproduzia, naquela hora, as atividades, conversas e histórias que vivia no Izabela Hendrix, o pré-escolar que frequentava. Entre minhas bonecas, descobri e ensaiei os primeiros passos para minha vocação. Identidade. Prazer.
Tive também a sorte e o privilégio de ter sido exposta a grandes professores! E agradeço a cada um pela inspiração, motivação e provocação de inquietudes e inconformismos. Esses professores tornaram-se minha referência de como entender e exercer a educação num âmbito muito mais amplo do que o meramente informativo. Meu ideal de educação foi sustentado em altíssimos pilares de aspiração, esperança e otimismo!
Sou, portanto, professora. E embora não exerça mais a profissão como atividade principal, sou resultado do que o magistério me proporcionou. Pois realmente acredito não haver experiência maior e mais transformadora. Não há troca mais prazerosa. Não há interação mais completa.
Gosto de pensar no processo do aprendizado como uma ponte. De um lado está o aprendiz que, por interesse ou necessidade, precisa daquele conhecimento para seu crescimento. Do outro lado está o mestre, detentor daquele conhecimento que precisa atingir o outro lado. A ponte será construída com mais ou menos eficiência quanto mais comprometidos estiverem mestre e aprendiz. A beleza incomparável dessa relação está justamente na alternância, nem sempre consciente, entre as duas funções. Pois ambos ensinam e aprendem, crescem e se modificam. Ambos descobrem potências e fraquezas que desconheciam. As pontes construídas na participação igualitária e respeitosa são sólidas e duradouras. Lamento pelo mestres que, por arrogância, se colocam fora do processo e não permitem novos espaços de crescimento e conhecimento. Como também lamento pelos aprendizes que, sem consciência da sua essencialidade, hesitam em interagir completamente e colocam-se como coadjuvantes ou meros figurantes. As pontes construídas nessa desigualdade são frágeis e fadadas ao colapso.
Nosso pais ainda reluta em conferir à educação a sua verdadeira importância e lhe nega o protagonismo na construção da nossa cidadania. Nossos professores estão esvaziados de seu orgulho e dignidade. Mas não quero, hoje, discutir o nosso modelo educacional falido, inadequado a insuficiente. Nem quero discorrer sobre o slogan Pátria Educadora escolhido para definir o segundo mandato da presidente Dilma e que, pelo menos até aqui, se mostra vazio e sem ações percebidas como real prioridade.
Hoje quero apenas reconhecer e celebrar os profissionais que lutam, apesar de tantas adversidades, para que as pontes capengas do conhecimento continuem aproximando e encurtando distâncias. . Profissionais que, não sei como, ainda insistem e acreditam na construção de um pais mais educado, cidadão, justo e promissor.
E apenas essa teimosia inexplicável explica essa vocação incompreensível e incompreendida. Hoje não tenho dúvidas de que nos tornamos professores não por querer mas, sim, sem querer. A gente simplesmente é, até quando não quer ser!
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
Frida Kahlo e A Casa das 16 Mulheres.
"... and, lastly, I had not yet set eyes on Frida Kahlo de Rivera, resembling these statuettes in her bearing and adorned, too, like a fairy-tale princess, with magic spells at her finger-tip, an apparition in the flash of the light of the quetzal bird which scatters opals among the rocks as it flies away." (André Breton)
O Instituto Tomie Ohtake em São Paulo nem bem abriu suas portas para a exposição "Frida Kahlo - conexões entre mulheres surrealistas no México" e as filas já anunciam presença recorde.
Não é pra menos. Frida Kahlo é unanimidade e fascina pela singularidade de sua obra ao converter, em arte e pela arte, o privado em público. Seus famosos autorretratos estampam a sua biografia tão conturbada pelas dores físicas e emocionais, traições e a angústia da maternidade não realizada sem qualquer pudor ou filtro. E em alternações camaleônicas realmente surpreendentes!
As vinte telas de sua autoria e algumas peças do seu vestuário já justificariam as horas de espera. Mas transformar esse pequeno grande acervo em linha condutora para dar voz a outras 15 mulheres é iluminar mais histórias obscuradas pela História - inclusive a da arte - predominantemente masculina.
O universo feminino é complexo, denso, múltiplo e extremamente acolhedor, empático e solidário. As 15 mulheres que acompanham Frida Kahlo - mexicanas por sangue ou por escolha - traduzem esses universos plurais e complementares com cores e formas intensas, impactantes e intrigantes!
O surrealismo, desafiando os limites da realidade física e racional e abraçando o inconsciente e o mundo onírico, não poderia encontrar melhor inspiração e identidade do que na poesia e magia das civilizações pré-colombianas. Espiritualidade, primitivismo e natureza em sintonia e harmonia.
Frida Kahlo foi a condutora e inspiradora para esse talentosíssimo grupo de mulheres e abriu espaço para uma produção artística de potência absurda! A curadora Teresa Arcq foi feliz na opção temática para expor os trabalhos. Os diálogos, assim, são melhor percebidos e semelhanças e diferenças mais acentuadas. A escolha permite também organizar temas recorrentes da natureza feminina: maternidade, sexualidade fantasia, religiosidade, vaidade, relacionamento, natureza e auto imagem. Um passeio pela turbulência afetiva do mundo cor de rosa.
Os autorretratos são impressionantes! Dissecam a alma de cada uma daquelas mulheres com seus olhares para dentro e que afloram dores e alegrias profundas. Sem poupar tinta. Sem vaidade vã ou auto piedade. E, ainda assim, permitindo ousar-se como mitos, divindades e personagens fantasiosas.
Não conhecia nenhuma daquelas artistas e fiquei particularmente tocada por María Izquierdo (México), Remedios Vara (Espanha) e Alice Rahon (França). Quanta beleza!
Aos poucos, as mulheres ocupam o seu espaço negado e as suas histórias corrigem desfoques e preenchem as lacunas que as vozes e olhares limitados do universo masculino não alcançam .Novas vozes e novos olhares que lapidam humanidades entranhadas com muita força e sensibilidade.
O Instituto Tomie Ohtake em São Paulo nem bem abriu suas portas para a exposição "Frida Kahlo - conexões entre mulheres surrealistas no México" e as filas já anunciam presença recorde.
Não é pra menos. Frida Kahlo é unanimidade e fascina pela singularidade de sua obra ao converter, em arte e pela arte, o privado em público. Seus famosos autorretratos estampam a sua biografia tão conturbada pelas dores físicas e emocionais, traições e a angústia da maternidade não realizada sem qualquer pudor ou filtro. E em alternações camaleônicas realmente surpreendentes!
Autorretrato com macacos (Frida Kahlo) |
As vinte telas de sua autoria e algumas peças do seu vestuário já justificariam as horas de espera. Mas transformar esse pequeno grande acervo em linha condutora para dar voz a outras 15 mulheres é iluminar mais histórias obscuradas pela História - inclusive a da arte - predominantemente masculina.
O universo feminino é complexo, denso, múltiplo e extremamente acolhedor, empático e solidário. As 15 mulheres que acompanham Frida Kahlo - mexicanas por sangue ou por escolha - traduzem esses universos plurais e complementares com cores e formas intensas, impactantes e intrigantes!
O surrealismo, desafiando os limites da realidade física e racional e abraçando o inconsciente e o mundo onírico, não poderia encontrar melhor inspiração e identidade do que na poesia e magia das civilizações pré-colombianas. Espiritualidade, primitivismo e natureza em sintonia e harmonia.
Roulette (Remedios Varo) |
Frida Kahlo foi a condutora e inspiradora para esse talentosíssimo grupo de mulheres e abriu espaço para uma produção artística de potência absurda! A curadora Teresa Arcq foi feliz na opção temática para expor os trabalhos. Os diálogos, assim, são melhor percebidos e semelhanças e diferenças mais acentuadas. A escolha permite também organizar temas recorrentes da natureza feminina: maternidade, sexualidade fantasia, religiosidade, vaidade, relacionamento, natureza e auto imagem. Um passeio pela turbulência afetiva do mundo cor de rosa.
A Noiva que se Espanta ao Ver a Vida Aberta (Frida Kahlo) |
Os autorretratos são impressionantes! Dissecam a alma de cada uma daquelas mulheres com seus olhares para dentro e que afloram dores e alegrias profundas. Sem poupar tinta. Sem vaidade vã ou auto piedade. E, ainda assim, permitindo ousar-se como mitos, divindades e personagens fantasiosas.
Autorretrato (María Izquierdo) |
Não conhecia nenhuma daquelas artistas e fiquei particularmente tocada por María Izquierdo (México), Remedios Vara (Espanha) e Alice Rahon (França). Quanta beleza!
Balada por Frida Kahlo (Alice Rahon) |
Aos poucos, as mulheres ocupam o seu espaço negado e as suas histórias corrigem desfoques e preenchem as lacunas que as vozes e olhares limitados do universo masculino não alcançam .Novas vozes e novos olhares que lapidam humanidades entranhadas com muita força e sensibilidade.
terça-feira, 6 de outubro de 2015
Palavra de Rainha. A loucura em absoluta majestade.
"Eu sonhei que vou morrer louca e numa terra distante." (D.Maria I).
Cenário? Apenas um vestido. Preto. Opressor. Sufocante. Cobre todo o palco, se alastra pelas paredes e se movimenta em ondas. Como em ondas vêem as dores, devaneios e reflexões de D.Maria I, A Louca.
O monólogo protagonizado por Lu Grimaldi, texto de Sérgio Roveri, conta a história praticamente desconhecida da mãe de D.João VI, nos apresentando uma personagem densa, dramática e que mais parece tirada de uma das tragédias de Shakespeare do que da vida real.
D.Maria I, conhecida como A Piedosa em Portugal e A Louca no Brasil, foi a primeira mulher a subir ao trono português depois do reinado sangrento de seu pai, D.José. Casou-se com seu tio, dezessete anos mais velho, com quem teve sete filhos. Além do desafio político, entre os quais demitir o Marquês de Pombal, teve que suportar a dor de perder seis filhos. Apenas D.João VI sobreviveu. Ao apresentar os primeiros sintomas de loucura, viveu reclusa no Palácio de Queluz e, já no Brasil, fugindo da invasão de Napoleão, no Convento das Carmelitas, onde morreu em 1816. Foi dela o decreto que condenou Tiradentes à forca. E ela acreditava que o diabo morava nas montanhas do Pão de Açucar.
A diretora Mika Lins fez um trabalho primoroso, intercalando as nuances entre a lucidez e a loucura. Afinal, há mesmo uma membrana permeável onde sanidade e insanidade se confundem. O cenário preto, espelho do luto de tantas perdas, deixa também obscura a passagem do tempo e a definição espacial. E é assim que os diversos recortes de Queluz, da travessia do mar e do Convento das Carmelitas dialogam entre si e compõem a nossa percepção da Rainha. O vai e vem das lembranças são embalados pelo lirismo sonoro que tão lindamente mescla fados aos barulhos do mar...
Lu Grimaldi dá um show de interpretação! No posicionamento em palco, na leveza com que se movimenta entre 200 m de tecido, pelo encolhimento e agigantamento que intercala com extrema habilidade e nas variações vocais. Mas, principalmente, pela expressividade impressionante do seu olhar, que literalmente nos arrasta para dentro daquela mente doente de melancolia.
E é nesse passeio pela loucura de D.Maria I que nos identificamos com a modernidade da insanidade que nos assola a todos. E sentimos empatia pela dor da mãe que perde seus filhos. E conhecemos a fortaleza da soberana responsável pelos rumos do seus país. E nos encantamos pela multiplicidade e fragilidade de mais uma mulher que envelhece sem saber ao certo quem é e onde está, aprisionada no luto de sua mente e alma.
Em uma belíssima passagem, ela se refere a todas as mulheres que, como ela, já passaram por tantas perdas. E diz que, se sobreviveram e chegaram ao outro lado, todas essas mulheres são rainhas. Um lindo tributo a todas as Marias Loucas, passadas e presentes, submissas e esquecidas pela História intrinsecamente masculina.
Cenário? Apenas um vestido. Preto. Opressor. Sufocante. Cobre todo o palco, se alastra pelas paredes e se movimenta em ondas. Como em ondas vêem as dores, devaneios e reflexões de D.Maria I, A Louca.
O monólogo protagonizado por Lu Grimaldi, texto de Sérgio Roveri, conta a história praticamente desconhecida da mãe de D.João VI, nos apresentando uma personagem densa, dramática e que mais parece tirada de uma das tragédias de Shakespeare do que da vida real.
D.Maria I, conhecida como A Piedosa em Portugal e A Louca no Brasil, foi a primeira mulher a subir ao trono português depois do reinado sangrento de seu pai, D.José. Casou-se com seu tio, dezessete anos mais velho, com quem teve sete filhos. Além do desafio político, entre os quais demitir o Marquês de Pombal, teve que suportar a dor de perder seis filhos. Apenas D.João VI sobreviveu. Ao apresentar os primeiros sintomas de loucura, viveu reclusa no Palácio de Queluz e, já no Brasil, fugindo da invasão de Napoleão, no Convento das Carmelitas, onde morreu em 1816. Foi dela o decreto que condenou Tiradentes à forca. E ela acreditava que o diabo morava nas montanhas do Pão de Açucar.
A diretora Mika Lins fez um trabalho primoroso, intercalando as nuances entre a lucidez e a loucura. Afinal, há mesmo uma membrana permeável onde sanidade e insanidade se confundem. O cenário preto, espelho do luto de tantas perdas, deixa também obscura a passagem do tempo e a definição espacial. E é assim que os diversos recortes de Queluz, da travessia do mar e do Convento das Carmelitas dialogam entre si e compõem a nossa percepção da Rainha. O vai e vem das lembranças são embalados pelo lirismo sonoro que tão lindamente mescla fados aos barulhos do mar...
Lu Grimaldi dá um show de interpretação! No posicionamento em palco, na leveza com que se movimenta entre 200 m de tecido, pelo encolhimento e agigantamento que intercala com extrema habilidade e nas variações vocais. Mas, principalmente, pela expressividade impressionante do seu olhar, que literalmente nos arrasta para dentro daquela mente doente de melancolia.
E é nesse passeio pela loucura de D.Maria I que nos identificamos com a modernidade da insanidade que nos assola a todos. E sentimos empatia pela dor da mãe que perde seus filhos. E conhecemos a fortaleza da soberana responsável pelos rumos do seus país. E nos encantamos pela multiplicidade e fragilidade de mais uma mulher que envelhece sem saber ao certo quem é e onde está, aprisionada no luto de sua mente e alma.
Em uma belíssima passagem, ela se refere a todas as mulheres que, como ela, já passaram por tantas perdas. E diz que, se sobreviveram e chegaram ao outro lado, todas essas mulheres são rainhas. Um lindo tributo a todas as Marias Loucas, passadas e presentes, submissas e esquecidas pela História intrinsecamente masculina.
sábado, 3 de outubro de 2015
Zum-zum e mel.
E não é que tem dia pra tudo? Hoje, por exemplo, 3 de outubro, é o Dia Mundial das Abelhas.
"Abelha, abelhinha... Acabou chorare... Faz zum-zum pra mim... Faz zum-zum pra eu ver... Abelha, abelhinha... Escondido faz bonito... Faz zum-zum e mel..." (Acabou Chorare - Novos Baianos)
O meu primeiro entendimento de abelhas veio de Monteiro Lobato, com a visita de Narizinho e Emília ao Reino das Abelhas m Reinações de Narizinho.Que maravilha a descrição do funcionamento de uma colmeia! Depois isso, nunca penei muito nelas. Nunca me incomodaram ou amedrontaram e nunca tive experiências próximas de ataques furiosos. Esses, só vi em filmes ou reportagens. E, tirando um pote aqui e outro ali para resfriados e dores de garganta, nem sou grande consumidora de mel.
Outro dia, no entanto, vendo o documentário "More than Honey" (Markus Imhoo - 2012) sobre o fenômeno chamado "Distúrbio do Colapso das Colônias" e seu devastador impacto sobre o planeta, passei a pensar abelhas com um pouco mais de interesse.
Aprendi que, a partir de 2006, apicultores americanos perceberam uma verdadeira dizimação - cerca de 70% - da população de abelhas. Após esse primeiro alarme, observou-se o mesmo na Suiça, Alemanha e China. A China, tal a proporção, passou a importar pólen e a polinização tem sido feita manualmente. A extinção já é sentida mundialmente, inclusive no Brasil. As causas são várias e, infelizmente, de responsabilidade quase exclusiva da ação humana: uso indiscriminado de pesticidas, proliferação de ácaros, monoculturas e endogamia, entre outros. Pouco tem sido feito pelos governos para controlar ou implementar medidas que promovam o equilíbrio necessário. E os números continuam alarmantes.
As abelhas são responsáveis pela polinização de cerca de 73% das espécies vegetais cultivadas. Além disso, 1/3 dos alimentos que consumimos são diretamente dependentes delas. O seu desaparecimento compromete a cadeia alimentar em efeito dominó, como já enunciado por Einstein: "se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a espécie humana teria somente mais 4 anos de vida. Sem abelhas não há polinização, ou seja, sem plantas, sem animais, sem homens."
Quem diria que nossa sobrevivência dependeria de zum-zum e mel?
Pra quem tiver interesse, segue link do documentário:
https://vimeo.com/84357859
"Abelha, abelhinha... Acabou chorare... Faz zum-zum pra mim... Faz zum-zum pra eu ver... Abelha, abelhinha... Escondido faz bonito... Faz zum-zum e mel..." (Acabou Chorare - Novos Baianos)
O meu primeiro entendimento de abelhas veio de Monteiro Lobato, com a visita de Narizinho e Emília ao Reino das Abelhas m Reinações de Narizinho.Que maravilha a descrição do funcionamento de uma colmeia! Depois isso, nunca penei muito nelas. Nunca me incomodaram ou amedrontaram e nunca tive experiências próximas de ataques furiosos. Esses, só vi em filmes ou reportagens. E, tirando um pote aqui e outro ali para resfriados e dores de garganta, nem sou grande consumidora de mel.
Outro dia, no entanto, vendo o documentário "More than Honey" (Markus Imhoo - 2012) sobre o fenômeno chamado "Distúrbio do Colapso das Colônias" e seu devastador impacto sobre o planeta, passei a pensar abelhas com um pouco mais de interesse.
Aprendi que, a partir de 2006, apicultores americanos perceberam uma verdadeira dizimação - cerca de 70% - da população de abelhas. Após esse primeiro alarme, observou-se o mesmo na Suiça, Alemanha e China. A China, tal a proporção, passou a importar pólen e a polinização tem sido feita manualmente. A extinção já é sentida mundialmente, inclusive no Brasil. As causas são várias e, infelizmente, de responsabilidade quase exclusiva da ação humana: uso indiscriminado de pesticidas, proliferação de ácaros, monoculturas e endogamia, entre outros. Pouco tem sido feito pelos governos para controlar ou implementar medidas que promovam o equilíbrio necessário. E os números continuam alarmantes.
As abelhas são responsáveis pela polinização de cerca de 73% das espécies vegetais cultivadas. Além disso, 1/3 dos alimentos que consumimos são diretamente dependentes delas. O seu desaparecimento compromete a cadeia alimentar em efeito dominó, como já enunciado por Einstein: "se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a espécie humana teria somente mais 4 anos de vida. Sem abelhas não há polinização, ou seja, sem plantas, sem animais, sem homens."
Quem diria que nossa sobrevivência dependeria de zum-zum e mel?
https://vimeo.com/84357859
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
Outubro e a porta.
Era uma vez uma porta que abria meses.
E era uma vez um outubro.
Outubro olhou pelo buraquinho da fechadura da porta.
Do outro lado, viu de relance um setembro se afastando, já cansado e curvado, e deixando atrás de si um rastro luminoso de cores e flores.
Outubro sentiu muita vontade daquelas cores e flores.
Olhando um pouquinho mais adiante, viu um punhado de crianças correndo e pulando, brincando alegres e despreocupadas.
Outubro sentiu muita vontade daquelas crianças.
Olhando um pouquinho mais pra lá, viu um grupo de pessoas distribuindo um monte de conhecimentos que pareciam não ter fim.
Outubro sentiu muita vontade de conhecer conhecimentos.
Olhando um pouquinho mais acolá, viu uma noite cheia de bruxas e morcegos e abóboras iluminadas.
Outubro sentiu muita vontade daquela noite.
O buraquinho da fechadura fechou.
A fechadura da porta abriu.
Outubro não hesitou.
Entrou.
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