Parte dessa rotina consistia no descanso após o almoço. Com sono ou sem sono, cansada ou não, tinha que ir para o quarto e lá ficar por um hora, todo dia após o almoço. Quando muito pequena, imagino que tenha mesmo descansado naquele quarto. Não tenho memórias dessa época. Minhas lembranças começam, e muito claras, no momento em que, já grandinha para ter sono naquele horário, buscava como me ocupar durante aquela uma hora. E sei que foi ali, sozinha naquele quarto semi-escuro, que me fiz, tornei, formei, percebi professora. Sentava as minhas bonecas - e numa casa de quatro meninas sobravam bonecas compartilhadas - num círculo e reproduzia, naquela hora, as atividades, conversas e histórias que vivia no Izabela Hendrix, o pré-escolar que frequentava. Entre minhas bonecas, descobri e ensaiei os primeiros passos para minha vocação. Identidade. Prazer.
Tive também a sorte e o privilégio de ter sido exposta a grandes professores! E agradeço a cada um pela inspiração, motivação e provocação de inquietudes e inconformismos. Esses professores tornaram-se minha referência de como entender e exercer a educação num âmbito muito mais amplo do que o meramente informativo. Meu ideal de educação foi sustentado em altíssimos pilares de aspiração, esperança e otimismo!
Sou, portanto, professora. E embora não exerça mais a profissão como atividade principal, sou resultado do que o magistério me proporcionou. Pois realmente acredito não haver experiência maior e mais transformadora. Não há troca mais prazerosa. Não há interação mais completa.
Gosto de pensar no processo do aprendizado como uma ponte. De um lado está o aprendiz que, por interesse ou necessidade, precisa daquele conhecimento para seu crescimento. Do outro lado está o mestre, detentor daquele conhecimento que precisa atingir o outro lado. A ponte será construída com mais ou menos eficiência quanto mais comprometidos estiverem mestre e aprendiz. A beleza incomparável dessa relação está justamente na alternância, nem sempre consciente, entre as duas funções. Pois ambos ensinam e aprendem, crescem e se modificam. Ambos descobrem potências e fraquezas que desconheciam. As pontes construídas na participação igualitária e respeitosa são sólidas e duradouras. Lamento pelo mestres que, por arrogância, se colocam fora do processo e não permitem novos espaços de crescimento e conhecimento. Como também lamento pelos aprendizes que, sem consciência da sua essencialidade, hesitam em interagir completamente e colocam-se como coadjuvantes ou meros figurantes. As pontes construídas nessa desigualdade são frágeis e fadadas ao colapso.
Nosso pais ainda reluta em conferir à educação a sua verdadeira importância e lhe nega o protagonismo na construção da nossa cidadania. Nossos professores estão esvaziados de seu orgulho e dignidade. Mas não quero, hoje, discutir o nosso modelo educacional falido, inadequado a insuficiente. Nem quero discorrer sobre o slogan Pátria Educadora escolhido para definir o segundo mandato da presidente Dilma e que, pelo menos até aqui, se mostra vazio e sem ações percebidas como real prioridade.
Hoje quero apenas reconhecer e celebrar os profissionais que lutam, apesar de tantas adversidades, para que as pontes capengas do conhecimento continuem aproximando e encurtando distâncias. . Profissionais que, não sei como, ainda insistem e acreditam na construção de um pais mais educado, cidadão, justo e promissor.
E apenas essa teimosia inexplicável explica essa vocação incompreensível e incompreendida. Hoje não tenho dúvidas de que nos tornamos professores não por querer mas, sim, sem querer. A gente simplesmente é, até quando não quer ser!
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