domingo, 27 de março de 2022

Mães Paralelas. Sobre ancestralidade e hereditariedade.



Não há como antecipar um filme de Almodóvar sem altas expectativas! Ou sem buscar, mesmo que inconscientemente, os elementos tão característicos que o consagram como um dos maiores diretores de todos os tempos! E o mais maravilhoso é que nunca nos decepcionamos, nunca nos frustramos. Seus filmes acendem questões nada convencionais e  nos mergulham nas suas cores intensas que ambientam os universos femininos que ele cria com maestria. 





"Mães Paralelas" é um filme essencialmente político, costurado no sagrado da maternidade. Duas mulheres de idades diferentes, contextos diferentes, vivenciando a maternidade não planejada de forma diferente. A mais velha, Janis (Penélope Cruz), aceita sem reservas a filha inesperada que atende à sua vontade de ser mãe. A mais nova, Ana (Milena Smit), ao contrário, não tem elo amoroso com a filha que está para nascer. Mas o sentimento de maternidade sempre fala mais alto, e, após o nascimento, Ana se transforma numa cuidadosa e dedicada mãe. Nada diferente das reações durante o processo de gravidez. Há mulheres que se apaixonam perdidamente pelo modelo de bebê que criam durante o período de gestação. Outras se apaixonam pelo bebê real, nascido e em seus braços. São formas diferentes de acolher o bebê que geram e trazem ao mundo.




A morte de uma das crianças de um lado e a descoberta da troca acidental dos bebês de outro são as perdas que escancaram os lutos vividos e sofridos. E servem de pano de fundo para as questões políticas e dilemas pessoais. 




Mulheres. Apenas mulheres. De todas as idades, de diferentes vivências, anseios, culpas, medos, lacunas. São as mulheres que guardam a história, buscam a verdade, alimentam as memórias. São as mulheres as responsáveis pelo culto à ancestralidade. Desvendar os horrores da Guerra Civil Espanhola que mutilou famílias, disseminou orfandade e semeou a morte indigna. 

E é justamente a busca pela ancestralidade que resolve o enorme conflito da maternidade negada à verdadeira mãe e da  maternidade que reclama a posse da qual se julga merecedora. Privar a hereditariedade é trair a ancestralidade. Impossível seguir adiante. Impossível viver esse mor que não te pertence. E a revelação da verdade é um momento sofrido, doído e belíssimo do filme!

Almodóvar não foge ao seus estilo. Não disseca todas as camadas. Mas elas estão todas ali. E pintas as cores fortes, e mantém os diálogos curtos, diretos, objetivos. Não há dramalhão. Mas há muito drama.

Uma delícia rever Rose de Palma! Não há como conceber um filme dele sem esse rosto tão familiar!

E o que falar de Penélope Cruz??? Linda, magistral, absoluta, perfeita! Deusa! Como pode??? Cada vez mais bela! Cada vez mais plena! 

Buscar as respostas do passado para fazer as pazes com o presente e garantir a verdade do futuro.

Que belo filme!