domingo, 31 de dezembro de 2017

2017 e o monstro debaixo da minha cama.









"Once there was a way...  To get back homeward... Once there was a way... To get back home... Sleep, pretty darling... Dot not cry... And I will sing a lullaby... Golden slumbers... Fill your eyes... Smiles await you when you rise... Sleep pretty darling... Do not cry... And I will sing a lullaby... (Golden Slumbers - The Beatles)


O monstro chegou aos poucos, quase sem alarde. Não percebi.  Naquelas noites,  as estrelas ainda brilhavam  e ofuscavam a noite. Ou então os  meus olhos é que conseguiam ver mais além da escuridão. Mas a verdade é que não vi o monstro chegar.

Ele se acomodou debaixo da minha cama. E se espalhou confortavelmente. Acho que gostou daquele espaço amplo e arejado, porque, no início, nem se fez notar. Deve ter sentido que nenhum outro monstro jamais esteve ali e aproveitou sua glória pioneira. Deve ser mesmo difícil disputar a sobrevivência com outros monstros. Esse reinou absoluto.

Por meses, manteve-se quieto e inofensivo. Quer dizer, inofensivo é modo de dizer. Preparou-se com estratégias de fazer inveja aos maiores generais da história.  Calculou cada movimento. Estudou-me, entendeu-me. E cresceu e engordou a sua monstruosidade.

Começou engolindo as minhas estrelas. Uma a uma, pouco a pouco. Minhas noites tornaram-se longas, escuras. Em seguida, comeu as beiradas das madrugadas. Meia-hora aqui, meia-hora ali, até noite e dia se confundirem. Depois, ainda não sei se por maldade ou apenas para agradar sua companheira desabrigada, trouxe a insônia. Quando dei por mim, ela já dormia na minha cama enquanto meus olhos, cansados e inchados convertiam-se em olheiras profundas e irreversíveis. O medo, percebendo a fragilidade, convidou-se sem convite. E tomou conta dos vazios da segurança e confiança. Abusado, vasculhou segredos, invadiu pensamentos, subverteu a ordem, encolheu-me. Acuou-me.

Foi então que  o ouvi, inconfundível:  o monstro debaixo da minha cama. Ruidoso, audível, ensurdecedor. Vencedor. E resolvi encará-lo. Com uma coragem escondida que ele não tinha conseguido levar - e eu nem sabia que ainda estava lá -  olhei-o fundo e profundo. E ele era horrível. Tinha uma cabeça enorme e um corpinho minguado. Seus olhos, esbugalhados, eram frios, gélidos, imóveis. Sua língua era comprida e mal cabia na sua boca enorme. Ele salivava. Uma gosma nojenta e muscosa que escorria pelo chão e deixava um cheiro fétido e purulento. Tive ânsia de vômito. Tremia dos pés a cabeça. Tive medo, muito medo daquele monstro horrível que fez da minha cama e da minha noite a sua morada.

Fechei os olhos bem forte e voltei pra minha cama. Não respirava. Meu coração batia forte e descompassado. Queria ardentemente uma luzinha, um brilhinho luminoso que me acalmasse. Mas o monstro tinha mesmo acabado com as minhas estrelas. E não me deixava sair dos seus domínios das trevas.

Desde então, convivemos - eu e o monstro. Tentamos conviver. Em acordo tácito não verbalizado, respeitamos os limites geográficos da minha cama. Ele debaixo, eu em cima.E também os limites dos tempos.  Ele à noite, eu de dia. Algumas vezes, nos cruzamos nesses limites temporais e espaciais. Ele me ameaça, ruge. Mas eu aprendi/tenho aprendido a enfrentá-lo. Maneira de dizer. Não enfrento, ignoro. Maneira de dizer. Não ignoro, tento dobrá-lo. É como se duas de mim se alternassem.  Uma, essa eu que conheço tão bem e que nasceu comigo. E essa outra, intrusa e desconhecida e de quem não gosto. Rejeito. Mas por quem tenho também uma enorme compaixão.

Até que fiz  progresso. Algumas noites, quando ele está mais desarmado e eu mais atenta, conseguimos até conversar. Tenho aprendido essa língua estranha e tão pouco acolhedora. E até que tenho me saído relativamente bem. Ele, por sua vez, tem recuado. Muito pouco, é verdade. Mas a cada passada pra trás, um mundo se abre diante de mim. Não o deixo  perceber. Faço que não vejo. Ele ainda acha que me domina. Melhor assim.

O maior dos aprendizados tem sido  conseguir ver o escuro. No escuro. Quando a gente consegue ver os contornos, tudo fica mais fácil. Quando a gente consegue enxergar o invisível, os olhos entendem. E o medo encolhe. E o entendimento encorpa, gigante. E a gente se fortalece. Gênio Drummond já sabia: Claro Enigma.

Claro Enigma é conseguir enxergar todas as luzinhas pirilampos que, ainda que imperceptíveis, nunca deixaram de me iluminar. Anjos. Tantos anjos. Anjos-filhos, anjos-irmãos, anjos-família, anjos-amigos.  Até anjos novos, recém chegados e cheios de energia! Anjos-luz  que brilharam  nas minhas noites compartilhadas com esse monstro terrível.  Anjos-guindastes que me obrigaram a levantar e seguir. Anjos-acolhedores que me ouviram, consolaram, ajudaram. De tantas formas. Anjos-guerreiros que travavam minhas batalhas enquanto eu, cansada, sucumbia. Anjos delicados. Anjos sensíveis, Anjos abençoados.

 O monstro bem que ainda tenta me imobilizar e prender em  2017. Deixar o tempo seguir o curso é abrir o umbral de seus domínio. É me perder. E me perderá! Virar, sobrevivente, 2017, é abraçar o meu Claro Enigma!

Que 2018  mingue monstros e  crie debaixos-de-camas leves, livres e criativos!

Desejo a todos estrelas abundantes!! Luzes de reconstrução. De enfrentamentos. De entendimentos. De enigmas claros e reluzentes.

Feliz 2018!!









sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Feminismo.






mulher. homem.luta. respeito. cólica. eu te amo. machismo.igualdade. orgasmo. ou não. discriminação. lingerie. me larga! fogão. misoginia. amamentação. eu posso. não pode. posso? seios. desejo. animal. animais. denúncia. surra. amor. desejo. mãe, quero! mãe, preciso! mãe, mãe, mãe! pênis. gostosa. reunião. reuniões. febre. vagina. vergonha. salário. perfume. supermercado. vestido de noiva. ou não. salto. prazer. competência. preconceito. estou tão cansada. tira a mão! batom. sexismo. cicatrizes. não me bata! vadia. puta. liberdade. você não entende dessas coisas. solidão. dieta. moda. direito.direitos. ou não. acorda, arruma o café, prepara as merendas, deixa o almoço pronto, leva pra escola, pega na tinturaria, lava a roupa, limpa a casa, ajuda na lição, prepara o jantar, limpa a cozinha, desmaia. sobreviver. estupro. um, dois, três, dezesseis. lua e estrelas. movimento. amor. tanto amor. a sra assina aqui, por favor? me ajudem! assédio. na rua, no trabalho, em casa, nas artes. menstruação. depilação. isonomia. ah, como eu queria... não quero! não quero! decote. bunda. mão na bunda. promoção. ou não. só podia ser mulher! espelho, espelho meu! aborto. meu corpo. shhhh... não tenha medo... movimento. em vão. silêncio. oportunidades. isso é roupa que se use? fêmea. suavidade. conhecimento. política. políticas. políticos. nojo. asco. náusea. me acompanhe, por favor. varizes. maternidade. vertigem. olheiras. preocupação. meritocracia. ou não. teste do sofá. filogenia. sucesso. humilhação. patriarcado. gênero. estupidez. submissão. cor de rosa. eu te levo. eu te ajudo. eu te acompanho. eu te entendo. eu te ouço. eu te apoio. celulite. superioridade. empatia. união. sororidade.  macheza. macho. virilidade. orgulho. tanto orgulho. com. muito. sem. sem tréguas. sem negociação. sem concessões.sem discussão. sem volta.  sem menos. só mais. e adiante. e tudo isso. tenho dito. o dito pelo não dito. mais pelo não dito. e pelo não feito. defeito. feminismo.