quarta-feira, 26 de julho de 2017

Origens.




Vovô Alberto 

Meu avô paterno se chamava Alberto e era carioca legítimo, desses que combinava ares de aristocracia com  boemia. Não completou o curso de medicina, mas aplicava os conhecimentos adquiridos nos filhos. Tocava violão e trabalhou como fiscal no Cassino da Urca, onde conheceu muitos artistas famosos  da época. 



Vovó Mocinha

Minha avó paterna se chamava Ottília, mas era conhecida como Mocinha. Vinha de família  tradicional, estudou em colégio alemão e tocava violino lindamente.

Não sabemos como os dois se conheceram. A história familiar é nebulosa nesse sentido, mas consta nos autos não confessos que, contrariando a vontade das famílias, tiveram que fugir para  casar. E tiveram 10 filhos. E somos 26 netos.

Não os conheci. Meu avô morreu em 1950 e minha avó no ano em que nasci. Mas certamente deixaram um legado raro de união familiar. Entre tantos filhos, agregados, netos e bisnetos, parece inacreditável que a família se mantenha íntegra. Os Andrade Leite verdadeiramente se cuidam. Tio cuida de sobrinho, sobrinho de tio, primo de primo e é um tal de um por todos e todos por um que não vejo em nenhuma outra família! É um enorme conforto fazer parte dessa família tão acolhedora e alegre. Rimos até das desgraças. E ainda cultivamos o prazer espontâneo de estarmos juntos.



Vovô José

Meu avô materno se chamava José e era de Canta Galo, no estado do Rio de Janeiro. Era um homem alto e magro, parecia sério,  sisudo.



Vovó Nila

Minha avó materna se chamava Nila, natural de Barras da Maratoan, Piauí. Piauiense legítima, cabeça chata e tudo! Mas com uns olhos azuis que não negavam a passagem dos holandeses por aquelas bandas. Nossa glória familiar é a lenda (não confirmada) de que teria se recusado a casar com o irmão do general Castelo Branco.

Meu avô , casado e com uma filhinha pequena, foi transferido para o Piauí para trabalhar nas obras contra a seca. Lá ficou viúvo, com  a filha de apenas 2 aninhos, e conheceu a minha avó. Diz também a lenda familiar -  não confirmada, mas conhecendo a minha avó plenamente plausível -  que ela anunciava em alto e bom tom que " não se casaria com o resto de ninguém".

Engoliu as palavras. Com um pequeno dote, marido e enteada, veio de navio pro Rio de Janeiro. Da viagem, a sua lembrança era vomitar todo o feijão que comia nas refeições. Tiveram 10 filhos, além da tia Iza, a primeira filha do meu avô. E somos 34 netos.

Meu avó morreu antes da minha mãe e meu pai se casarem. Portanto, a única referência de avós que tenho é a vovó Nila.

E que avó arretada! Uma mulher forte como poucas. Acho que só o sangue piauiense explica. Passou por poucas e boas, muitos adversidades, e ela sempre estoica! A maior das tristezas foi o sumiço inexplicável do meu tio José Luiz, o tio Bamba, durante a ditadura. Meu tio tinha ligações comunistas veladas, que fomos desvendando aos poucos graças às memórias um pouco difusas dos meus primos mais velhos. Mas o fato é que, num belo dia em 1970, meu tio foi à praia e nunca mais voltou. Minha avó quase enlouqueceu. Tentou por todos os meios encontrá-lo, ou, pelo menos, ter alguma pista.  Subiu morros, desceu morros, subiu morros, desceu morros. Vasculhou por onde podia. Nada. Nenhum sinal. Nenhuma notícia.  Nunca mais foi a mesma, mas encontrou no espiritismo o conforto pra seguir adiante. Vovó Nila virou estrela em 1980.

Minha avó era alegre. Gostava de futebol e de samba. Vinha pra nossa casa, religiosamente, toda  quarta-feira. E aproveitava pra consertar as nossas roupas. Na copa de 70,  nos fez uma bandeira  verde e amarela gigante que carregamos de Laranjeiras a Ipanema para comemorar o título! Garantiu que o 3º filho da minha irmã mais velha seria menino. E ai está o Eduardo que não nos deixa mentir.

Mas a maior lembrança que tenho da minha avó são os seus bolinhos fritos. Nunca na história da humanidade em todos os tempos passados, presentes e futuros houve/há/haverá bolinho igual. Polvilho azedo, fubá e banha. Eu tenho lembranças de gosto e de cheiro desses bolinhos. Vinhamos de Belo Horizonte pro Rio e sempre parávamos na casa dela no Méier assim que chegávamos. Vínhamos aguando pelos bolinhos. E ela sempre nos esperava com eles sendo fritos na hora. Saídos da frigideira pelando pra nos queimar a boca. Bom demais! Recentemente, recuperamos a receita e meus primos tentaram fazer. Ainda não saiu igual, mas chegaremos lá!

Ainda não sou avó. Tomara que um dia eu seja! E queria construir com os meus netos memórias coloridas, cheirosas e saborosas.  Com pitadas de tudo isso que tem aí acima. As dores e as alegrias. As perdas e ganhos. Essa misturada toda que me faz sentir falta até dos avós que não conheci. Mas que estão aqui. E são eu. E serão eles também.


terça-feira, 25 de julho de 2017

Poço.



O poço tinha olhos. No início dos tempos, o poço não era tão fundo. E os olhos reconheciam lampejos de luz. Aos poucos, o poço foi ficando fundo, mais fundo, até o mais fundo do fundo. Mas os olhos aprenderam  a fitar, atentos, além da escuridão. Nesses tempos da escuridão do fundo do poço, havia água cristalina. E os olhos boiavam felizes e molhados.Mas logo o fundo do poço ficou ainda mais fundo do que o fundo. E, naquele fundo, a água secou. Mas os olhos aprenderam a fitar, alertas, além da aridez. E assim, de fundo em fundo, descobriram que poço não tem fundo. Mas os olhos aprenderam a fitar, cegos e secos, além, muito além do poço e seu fundo.



(Publicado no grupo MINICONTOS em 24.10.2014. Palavra-chave: POÇO)

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Um pequeno passo para o homem.

"E lá se foi o homem conquistar os mundos lá se foi... Lá se foi buscando a esperança que aqui já se foi... Nos jornais, manchetes, sensação, reportagens, fotos, conclusão... A lua foi alcançada afinal... Muito bem... Confesso que estou contente também..." (Lunik-9 - Gilberto Gil - 1967)








No dia 20 de julho de 1969, um domingo, os olhos do mundo acompanharam pela televisão, como o maior filme de ficção de todos os tempos, o icônico "um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade".

Calcula-se que 1 bilhão de pessoas viram Neil Armstrong escorregar na escada da pequena nave, mas levantar, com firmeza, o pé esquerdo para marcar o solo do Mar da Tranquilidade. Vimos Edwin Aldrin juntar-se a ele para caminharem na superfície lunar por 2 horas e 45 minutos.

Quem viu, jamais  esquecerá. Um dos momentos inesquecíveis da história da humanidade e que a minha geração teve o privilégio de testemunhar.

Quarenta e oito anos depois, a configuração espacial segue em permanente transformação. O nosso sistema solar ganhou planetas anões, pelo menos outro sistema semelhante foi descoberto e até uma Mega-Terra foi identificada!

Para nós, leigos ou, pelo menos para mim,  não fica claro o quanto  os inegáveis e importantíssimos avanços científicos têm contribuído para soluções para o nosso planeta azul. Os investimentos astronômicos nesse área não parecem proporcionais ao quanto essas descobertas podem efetivamente melhorar a nossa vida  tão comprometida. Retrocedemos anos-luz nas questões sociais cruciais e, com isso,  o universo infinito perdeu encanto e interesse.

Mas, ainda assim, a imagem da marca no solo lunar sempre emociona!

E a Lua, linda, misteriosa e voluntariosa mantém  intacta a sua influência nos nossos ciclos e  marés pessoais e coletivos. E continua a atrair nossos olhares e suspiros. E ainda inspira poesias e amores.




sexta-feira, 14 de julho de 2017

Ah! Ça ira, ça ira, ça ira!








O Bastião de Saint Antoine foi construído por Carlos V em 1370, durante a Guerra dos 100 Anos contra a Inglaterra, com o objetivo de defender a entrada do bairro de Saint Antoine em Paris.

Era uma fortaleza retangular de 90 m de comprimento x 25 m de largura, com 8 torres de 30 m de altura cada, 2 pontes levadiças cercadas por um fosso coberto pelas águas do Sena e que davam acesso a 2 torres que guardavam o lado leste da cidade.

Internamente, a Bastilha tinha 3 andares: o andar superior abrigava as celas mais confortáveis; o andar térreo abrigava as celas comuns e, no calabouço, o espaço era apenas para se ficar de pé.

No século XV, a Bastilha foi transformada em prisão e, a partir do século XVII, recolhia os intelectuais e nobres que discordavam do regime político.

Em 14 de julho de 1789,  a Bastilha, um dos maiores símbolos do absolutismo francês, foi  atacada e incendiada até ruir. A Queda da Bastilha tornou-se o marco da Revolução Francesa e soprou os ventos de liberdade, igualdade, e fraternidade por toda a Europa.

A demolição oficial do que restou da edificação foi coordenada por Jean-François Palloy, que utilizou as pedras remanescentes para terminar a Pont de la Concorde. Não há como não sentir um certo arrepio ao pisar essas pedras quando se visita Paris e perpetuar a enorme transformação que elas simbolizam. As pedras reutilizadas mantêm o valor histórico enquanto relembram a sua importância. Não se esquece o que representou e o que permitiu.

Sempre me lembro dessas pedras diante dos graves fatos políticos que têm assolado a nossa frágil democracia. Meu filho, diante do meu repúdio aos ataques de destruição em manifestações populares sempre me lembra: 'Mã, você acha que na Tomada da Bastilha as pessoas ficaram gritando "as pedras da Bastilha, não!! Não destruam a Bastilha!!"? Ele tem razão.


Penso em Brasilia, a nossa Bastilha, ainda que sem qualquer glamour. E penso nos absolutismos e autoritarismos idiossincráticos e tão no contra fluxo dos ideais democráticos. Reis expostos. Reis nus. Reis pérfidos. Reis mergulhados em corrupção, favorecimentos, manipulações e conchavos e que relutam, com unhas, dentes e práticas escusas, a entregar o poder ao povo que verdadeiramente deveria detê-lo.

Penso em Brasilia, a nossa Bastilha torta, manca, aleijada, incapacitada, deturpada e contaminada. E árida, desértica, estéril de ventos de liberdade, igualdade e fraternidade.

E penso  na sua queda urgente e tardia. E penso se há/haverá alguma ponte que mereça ser construída com suas pedras remanescentes entre nós e eles para preservar alguma memória grandiosa. Que me perdoe Niemeyer, mas penso  que não.

Quando nossa Brasilia/Bastilha cair, que seja tragada pras profundezas do lago Paranoá.


terça-feira, 11 de julho de 2017

Nascemos há 30 anos!


Nascemos, eu e ele,  no dia 11 de julho de 1987 às 16:00.  Nascemos prematuros. Ele, por vontade própria e  muita vontade de vida. Eu, pela vontade dele. E da minha também, claro, mas a partir daquele naquele dia em que nasci com ele, a minha vontade passou a contar muito pouco.

Ele nasceu pequenininho... Tão lindo... Nasceu canceriano, porque não seria leonino por nada! E nasceu num sábado, claro, porque estava predestinado a ser o rei dos weekends. Nasceu decidido e curioso. Entendeu o mundo pela dramaticidade. E assim , dramático, ousou alagar mundos.

Eu nasci muito mais insegura e medrosa. O mundo fora dele nos meus braços me parecia tão perigoso... Acho que eu nasci assim torta porque eu  já tinha nascido antes. Eu já tinha sido outra antes de nascer com ele. E é tão  mais difícil tornar-se outra do que tornar-se alguém...

E assim seguimos. Eu e ele. Aprendendo a ser. Como podíamos. Como podemos. Acho que ele aprendeu/aprende muito mais rápido. E eu, na cola dele. Tudo que eu sabia antes de nascer com ele ajudou. Mas pouco, muito pouco. Tudo o que eu sei hoje, e acho que sei bastante -  ou, pelo menos o que mais importa -  aprendi com ele.

Hoje completamos 30 anos. Três décadas. Não é pouca coisa. Mas é muito pouca coisa. Porque 30 anos passam mais rápido do  que o piscar de olhos. Ou do que a menor medida do universo. Mas 3 décadas  é também muita coisa. Porque 30 anos multiplicam o amor que a gente sente . Ou as emoções mais profundas e intensas  que a gente tem vivido.

Eu tento me lembrar de quem eu fui antes de nascer com ele, mas não me encontro. Só sei ser com ele. Sou essa - e até me gosto, quase sempre - porque ele me ensinou a ser assim. Desafiando, abrindo caminhos  que eu desconhecia, apresentando esses mundos alargados que eu olhava/ainda olho com desconfiança, me obrigando a entender, conhecer, refletir, experimentar.

Nesse dia em que comemoramos os nossos nascimentos, eu queria  um mundo em que coubesse tudo que ele é. Porque ele é tanto! E  queria um mundo que refletisse todas as coisas límpidas que ele produz.  E queria um mundo que sonhasse os seus sonhos, e abraçasse seus abraços, e acolhesse a todos os que ele acolhe! Porque o mundo que ele pensa é muito muito muito melhor!

Daniel, meu filho!!! Feliz nova década!!! Que novos mundos continuem a te fazer feliz!!!