Vovô Alberto |
Meu avô paterno se chamava Alberto e era carioca legítimo, desses que combinava ares de aristocracia com boemia. Não completou o curso de medicina, mas aplicava os conhecimentos adquiridos nos filhos. Tocava violão e trabalhou como fiscal no Cassino da Urca, onde conheceu muitos artistas famosos da época.
Vovó Mocinha |
Minha avó paterna se chamava Ottília, mas era conhecida como Mocinha. Vinha de família tradicional, estudou em colégio alemão e tocava violino lindamente.
Não sabemos como os dois se conheceram. A história familiar é nebulosa nesse sentido, mas consta nos autos não confessos que, contrariando a vontade das famílias, tiveram que fugir para casar. E tiveram 10 filhos. E somos 26 netos.
Não os conheci. Meu avô morreu em 1950 e minha avó no ano em que nasci. Mas certamente deixaram um legado raro de união familiar. Entre tantos filhos, agregados, netos e bisnetos, parece inacreditável que a família se mantenha íntegra. Os Andrade Leite verdadeiramente se cuidam. Tio cuida de sobrinho, sobrinho de tio, primo de primo e é um tal de um por todos e todos por um que não vejo em nenhuma outra família! É um enorme conforto fazer parte dessa família tão acolhedora e alegre. Rimos até das desgraças. E ainda cultivamos o prazer espontâneo de estarmos juntos.
Vovô José |
Meu avô materno se chamava José e era de Canta Galo, no estado do Rio de Janeiro. Era um homem alto e magro, parecia sério, sisudo.
Vovó Nila |
Minha avó materna se chamava Nila, natural de Barras da Maratoan, Piauí. Piauiense legítima, cabeça chata e tudo! Mas com uns olhos azuis que não negavam a passagem dos holandeses por aquelas bandas. Nossa glória familiar é a lenda (não confirmada) de que teria se recusado a casar com o irmão do general Castelo Branco.
Meu avô , casado e com uma filhinha pequena, foi transferido para o Piauí para trabalhar nas obras contra a seca. Lá ficou viúvo, com a filha de apenas 2 aninhos, e conheceu a minha avó. Diz também a lenda familiar - não confirmada, mas conhecendo a minha avó plenamente plausível - que ela anunciava em alto e bom tom que " não se casaria com o resto de ninguém".
Engoliu as palavras. Com um pequeno dote, marido e enteada, veio de navio pro Rio de Janeiro. Da viagem, a sua lembrança era vomitar todo o feijão que comia nas refeições. Tiveram 10 filhos, além da tia Iza, a primeira filha do meu avô. E somos 34 netos.
Meu avó morreu antes da minha mãe e meu pai se casarem. Portanto, a única referência de avós que tenho é a vovó Nila.
E que avó arretada! Uma mulher forte como poucas. Acho que só o sangue piauiense explica. Passou por poucas e boas, muitos adversidades, e ela sempre estoica! A maior das tristezas foi o sumiço inexplicável do meu tio José Luiz, o tio Bamba, durante a ditadura. Meu tio tinha ligações comunistas veladas, que fomos desvendando aos poucos graças às memórias um pouco difusas dos meus primos mais velhos. Mas o fato é que, num belo dia em 1970, meu tio foi à praia e nunca mais voltou. Minha avó quase enlouqueceu. Tentou por todos os meios encontrá-lo, ou, pelo menos, ter alguma pista. Subiu morros, desceu morros, subiu morros, desceu morros. Vasculhou por onde podia. Nada. Nenhum sinal. Nenhuma notícia. Nunca mais foi a mesma, mas encontrou no espiritismo o conforto pra seguir adiante. Vovó Nila virou estrela em 1980.
Minha avó era alegre. Gostava de futebol e de samba. Vinha pra nossa casa, religiosamente, toda quarta-feira. E aproveitava pra consertar as nossas roupas. Na copa de 70, nos fez uma bandeira verde e amarela gigante que carregamos de Laranjeiras a Ipanema para comemorar o título! Garantiu que o 3º filho da minha irmã mais velha seria menino. E ai está o Eduardo que não nos deixa mentir.
Mas a maior lembrança que tenho da minha avó são os seus bolinhos fritos. Nunca na história da humanidade em todos os tempos passados, presentes e futuros houve/há/haverá bolinho igual. Polvilho azedo, fubá e banha. Eu tenho lembranças de gosto e de cheiro desses bolinhos. Vinhamos de Belo Horizonte pro Rio e sempre parávamos na casa dela no Méier assim que chegávamos. Vínhamos aguando pelos bolinhos. E ela sempre nos esperava com eles sendo fritos na hora. Saídos da frigideira pelando pra nos queimar a boca. Bom demais! Recentemente, recuperamos a receita e meus primos tentaram fazer. Ainda não saiu igual, mas chegaremos lá!
Ainda não sou avó. Tomara que um dia eu seja! E queria construir com os meus netos memórias coloridas, cheirosas e saborosas. Com pitadas de tudo isso que tem aí acima. As dores e as alegrias. As perdas e ganhos. Essa misturada toda que me faz sentir falta até dos avós que não conheci. Mas que estão aqui. E são eu. E serão eles também.