quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Árvore de Natal.







Cordões de contas vermelhas abraçam cada galho. Laços se espalham aqui e ali. Bolas de vários tamanhos e texturas se penduram. E todos os outros enfeites acumulados ao longo dos anos. Papai Noéis, botinhas, caramelos, notas musicais, trenzinhos, peões, bonecas, renas, sinos, bailarinas, corações, bonecos de neve, ursinhos, soldadinhos, pombas, presentes e tantos outros. Quase todos vermelhos. Cada um com sua história e memória. No topo, feito pela sobrinha,  um anjo de pano vestido de branco e com revoltos cabelos ruivos.  Pensa, enquanto pendura o enfeite novo desse ano e, por tradição, o último, não haver árvore mais linda! E sente-se tomada de vermelho intenso! Apaixonado. Terno. Emocionado. Agradecido. Sereno. E quando as luzinhas cintilantes acendem, sua árvore vira um céu estrelado! E pisca-piscam sonho, magia e fantasia. E alegria nos olhos das crianças. E crença no bem. E esperança de paz e harmonia. E desejo de confraternização. E generosidade e solidariedade. E seu coração transborda de felicidade!






(Publicado no grupo Minicontos em 19.3.2012. Palavra tema: ÁRVORE)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

"Chewie... We're home!"




Eu tinha 19 anos quando Star Wars estreou,  mudando a história do cinema e criando a legião de fãs que atravessa, fiel, quase 4 décadas !Paisagens inóspitas, personagens inusitados, efeitos especiais surpreendentes e a saga, jamais superada,  da Força vital que busca o seu equilíbrio entre o seu lado de luz e o seu lado obscuro.

Luke Skywalker, Princesa Leia, Han Solo e suas extensões  R2D2, C3PO, Chewie,  contrapostos aos mistérios e conflitos de Darth Vader, construíram imaginários referenciais da minha geração. Jedis, sabres de luz,  a Força intuitiva e a sedução de seu lado obscuro foram/ainda são  conceitos moldadores de caráter e de espelhamento.

A primeira trilogia inovou por começar a história pelo meio, deixando abertas as possibilidades do antes e o depois. Mas, ainda assim, completa e fechada em si mesma.

Em 1999, dezesseis anos depois, portanto, do  Episódio VI (O Retorno do Jedi), fui com meus filhos, pré adolescentes de respectivamente 11 e 10 anos, ver O Episódio I  - A Ameaça Fantasma. A excitação para conferir "o início de tudo" foi frustrada nesse e nos episódios subsequentes.  Sem os elementos que fizeram o sucesso da trilogia inicial, a saga esvaziou sem a mesma  resposta e impacto.

O Episódio VII - O Despertar da Força vem resgatar e reativar a identidade  e essência do verdadeiro Star Wars,   permitindo a reconexão das gerações anteriores, ao mesmo tempo em que  conecta as novas gerações.    Que feliz escolhas! Que transição bem feita! Que equilíbrio entre ação e emoção!

Referência e reverência. Essas são as palavras que definem a tão esperada continuidade! Renovação sustentada pelos acertos do passado. Protagonismos cedidos como ponte para o futuro. E é assim que a independente e destemida  Rey,  o cômico e preocupado Finn,  o leal e determinado Poe e o complexo, perturbado  e intempestivo Kyle Ren estabelecem novas referências para desdobramentos futuros. Um time de jovens atores extremamente talentosos e que assumem os seus espaços  com consciência e competência.  Menção também para o carismático androide BB-8! Que personagem delicioso!

Mas o maior mérito para a transição suave e acolhedora foi, sem dúvida, a sustentação dos ícones da trilogia original. Obi Wan Kenobi, Princesa Leia, Luke Skywalker, C3PO, R2D2, Han Solo e Chewbacca são o conhecido. O sabre de luz tão familiar e a nave antológica Millenium Falcon atravessando a velocidade da luz são o porto seguro.

Neles, reconhecemos a saga. Neles,  reconhecemos nossos mitos, Com eles, torcemos pelo novo, pelo porvir.  E é assim que sentimos a Força -  tal como a conhecemos - despertar em nós e em si mesma.

E à primeira aparição de Han Solo e Chewbacca, emocionada, me senti verdadeiramente em casa!




terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Ele, o outro e os outros.








Tinha chegado no fundo do poço quando o outro apareceu. O primeiro outro. Sentou-se à sua frente e lhe disse que tinha vindo para ajudar. Não questionou a sua aparição súbita, mas estranhou o bigode ruivo que virava nas pontas como personagem de filme antigo.

O outro parecia saber o que fazer. Disse-lhe para agarrar-se em quem realmente era e ele, o outro, levaria quem ele poderia ter sido. Mas quem era aquele outro? Buscava, em vão, referências e reconhecimento. Teria, em algum momento que lhe escapava a memória, cedido à terapia exaustivamente recomendada? Não era isso que diziam? Que lhe ajudaria a suportar-se a si mesmo? Não duvidou mais. Aceitou. A verdade, por menos que admitisse, é que suas lembranças lhe escapavam nos últimos tempos. Mas fosse o que fosse e quem fosse, e se assim o fosse, recebeu a ajuda com alívio imediato!

Sentiu-se leve ao se desfazer de todas as expectativas não atendidas, sonhos não realizados, medos, angústias e decepções acumuladas. E o seu ser acomodou-se melhor no espaço esvaziado. Mas logo percebeu que, ainda assim, havia o gostar e o não gostar de quem realmente era. E o espaço voltou a sufocar.

O outro, por sua vez, visivelmente não esperava poder ter sido tanto. E numa tentativa de também aliviar o sobrepeso, achou justa a separação entre poder/não poder, querer/não querer ter sido. E nessa argumentação lógica e convincente, o segundo , o terceiro e vários outros - até perder a conta - se multiplicaram.

Pensou no paradoxo da multiplicação quando mais divisões se faziam necessárias. E, num último relâmpago de lucidez, rodeado por milhares de outros que eram ele mesmo, sentiu orgulho súbito por ter finalmente desvendado o misterioso - e até então incompreensível  - processo de mitose - ou seria meiose? - das enfadonhas aulas de biologia!

Acordou só num quarto estranho e silencioso. Pessoas de branco deslizavam sem fazer barulho e sussurravam palavras  que ele não entendia.  Ao sentir a agulha penetrar na sua veia, pensou se não deveria deixar o bigode crescer. Até virar nas pontas.

(Publicado no grupo Minicontos em 14.12.2015. Palavra tema: TERAPIA)





sábado, 12 de dezembro de 2015

Madrinha.





Uma porta entreaberta e meus olhos curiosas de menina. Do outro lado, sofás com encosto azul - verdadeiros tronos de reis e rainhas -  e o toque exótico do biombo chinês tornaram-se o cenário preferido dos mistérios e fantasias que embalaram a minha imaginação infantil. Posso ainda sentir a emoção quando o acesso àquela sala me era permitido. Ar solene e  o quase prender a respiração por receio de tocar qualquer um daqueles preciosos objetos. Essas são as primeiras lembranças -  e tão queridas - da minha infância.

Não sei precisar em que momento a escolhi para minha madrinha de crisma. Nem sei se sabia ao certo o que significava ser madrinha de crisma. Mas soava como algo importante. E era, dentro da minha ingenuidade de criança, a maior honraria que podia lhe oferecer e garantir o papel de destaque que ela teria por toda a minha vida.

Dela ganhei a minha primeira Barbie. Com ela aprendi a dança descompromissada, apenas pelo prazer de dançar. Dela ouvi as história mais engraçadas de uma vida que parecia ter sido tirada de um livro. Não podia ser vida real. E tantas outras lembranças... Os jogos de buraco aos sábados à noite. A casa sempre cheia de filhos e amigos e amigos dos amigos e quem mais aparecesse. Férias memoráveis. As tardes e tardes jogando Yam. Os livros que ela devorava sobre belas histórias de amor em lugares longínquos. E tantas outras lembranças...

Das suas qualidades, escolho guardar como exemplo o sorriso sempre estampado no rosto. Mesmo porque, segundo ela, não conseguia mesmo chorar porque tinha o canal lacrimal entupido. A elegância e a graciosidade para superar as adversidades  que não foram poucas! A generosidade para acolher muitos. Sempre acolher muitos. O coração infinito. Uma verdadeira dama.

E se fadas são mesmo madrinhas ou madrinhas são mesmo fadas, não importa. A minha madrinha sempre foi fada. E como tal, num passe de mágica, abriu a porta da sala proibida. E inundou um chão de estrelas para chegar ao céu e sempre brilhar!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Palhaço.

"Faço versos pro palhaço que na vida já foi tudo... Foi soldado, carpinteiro, seresteiro e vagabundo... Sem juiz e sem juizo fez feliz a todo mundo...  Mas no fundo não sabia que em seu rosto coloria... Todo encanto do sorriso que seu povo não sorria... " (O Circo - Sidney Miller)




Sapatos desproporcionais. Nariz vermelho. Trajes multicoloridos. Acessórios inusitados. Maquiagem elaborada. Máscaras que reproduzem as emoções mais primárias do ser humano: o cômico, o trágico, o dramático, o romântico, o terror.

Palhaços são exagerados. Superlativos. Encenam o trivial. Expõem o ridículo. Repetem erros. Estimulam a irreverência, o deboche e a transgressão

Palhaços despertam reações diversas. Da admiração ao medo. Ma jamais a indiferença! Alguns transpiram alegria genuína. Outros inspiram melancolia. Seja como for, são determinantes na formação  do nosso imaginário! E responsáveis pela elaboração das nossas primeiras percepções das mazelas humanas e como aprender a lidar com elas através do humor.

No dicionário dos símbolos, o palhaço representa o reverso da medalha da realeza, opondo-se à soberania com irreverência, ao temor com o riso e ao sagrado com o profano.

Uma pena que tais características, intencionadas à representação cênica, tenham ultrapassado os limites do palco e do picadeiro e disseminado significados pejorativos à realidade e práticas comunitárias e sociais. O arquétipo do riso inspirando o estereótipo do malandro e não confiável, e também o do crédulo, do otário, do manipulado. Esses não celebramos. Lamentamos.

Parabéns aos profissionais que  se dedicam a traduzir a vida em risos e alegria! Aos incansáveis construtores de picadeiros em ruas,  praças, creches, escolas,  hospitais ou em qualquer espaço onde haja uma criança precisando de tantas cores,  fantasias e acrobacias!

Rir ainda é o melhor remédio!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Yamit.

Yamit, em hebraico, quer dizer "do mar".  E foi o nome escolhido pela minha filha  ao completar ontem a sua preparação de conversão ao judaísmo. Nessa  conciliação entre nomes, a intenção era manter a mesma origem de Marina. E Yamit é um nome tão bonito!!

Minha família tem uma longa história com o judaísmo  e que  talvez a simples casualidade não explique. Meus pais conviviam muito intimamente com a comunidade judaica do Rio de Janeiro. Crescemos chamando Doras, Berthas, Claras, Isaacs, Betholdos, Meiers e todos os seus sobrenomes impronunciáveis de tias e tios.

Estudei no Colégio de Aplicação da UFRJ,  que, na época,  concentrava número expressivo de judeus. Além disso, morava em Laranjeiras, pertinho do Clube Hebraica. Minha adolescência foi entre bar mitzvahs dos meus amigos, festinhas dançantes na Hebraica e a consolidação de amizades que ainda duram e me acompanham.

Coincidentemente  - ou não -  meus melhores amigos incorporados através do  casamento também são judeus.

Não é de se estranhar, portanto, que  meus filhos  também tenham formado amizades sólidas dentro do judaísmo.

No entanto, a decisão pela conversão vai além da naturalidade e familiaridade trazidas pela convivência.  A conversão requer identificação. Significa reconhecer-se dentro da essência daquela religião mais do que periférica a  ela. Implica em abraçar a filosofia, rituais e fé por opção consciente e não por tradição familiar. Resulta da ponderação sobre o que aproxima contraposto com o que se opõe.

A conversão refletida e madura é mais crítica, mas também mais  tolerante. Ela permite convivências justamente por trazer vivências anteriores que fazem parte e trazem identidade pessoal e familiar.

E é nesse contexto que minha filha se tornou, a partir de ontem, judia. Após  um ano de preparação e dedicação,   foi acolhida na comunidade judaica. Pude acompanhá-la à mikveh para sua imersão na água  e  fiquei orgulhosa da minha filhota tão determinada e comprometida!

E embora não funcione assim, reclamo, por direito, meu direito a uma merecida porção de mãe judia. Anos de convivência com a comunidade, de uma certa forma, já me habilitam. E agora, como mãe de judia,  não deveria me tornar mãe judia por extensão?

Mas uma coisa é certa: nunca haverá Yamit tão linda, graciosa, generosa, brilhante (palavras do rabino!)  e determinada quanto a minha Marina!

 Mazal Tov!!




















segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Teias e bordados.



... E dizem que todas as noites, protegidas pela escuridão silenciosa e vigilante, intrépidas aranhas espalham-se pelos quatro cantos tecendo e tecendo e tecendo. Destecendo e destecendo e destecendo também. Desfazem o mal feito e refazem bem feito. Desfazem o mal dito e refazem bem dito. Habilidosas e ligeiras, cobrem o mundo com suas teias restauradoras. Já quase ao nascer do sol, exaustas, as aranhas descansam, enquanto fadas e seus fios mágicos bordam por sobre as teias histórias, sonhos e belezas que respirem e inspirem cada novo dia.





(Publicado no grupo Minicontos em 06/12/205. Palavra tema: BORDADO)

sábado, 5 de dezembro de 2015

Pedro.

" O sentimento de que ele aprendeu desde quando era um pequeno embrião a ser pedra, rochedo, uma pequena grande fortaleza, foi um dos motivos pelos quais escolhemos esse nome." (Ana Carolina)


Pedro é filho de Ana Carolina e Simone. Fruto de inseminação artificial, resistiu ao susto que deixou uma de suas mães de repouso por 4 meses.  Nasceu em um domingo  há 6 meses e é um bebê lindo, gostoso, carecão e muito  risonho!

Ana Carolina é a irmã mais velha de Rafael e André. E filha - ardentemente desejada e resultado de tratamento de fertilidade - de Consuelito e Jair. Consuelito e Jair foram meus padrinhos de casamento e perdi a conta de quantas madrugadas varamos  jogando Yam juntos.

Consuelito já é  estrela há 28 anos e Jair estrelou há 3 anos.

Consuelito  é irmã de Lucia, Celsinho, Mario, Berenice, Rubens, Marcos e Paulo. E filha de Consuelo e Celso.

Tia Consuelo e tio Celso eram amigos inseparáveis de meus pais e  parceiros de buraco  todos os sábados às noite  - religiosamente - nos 10 anos que moramos em Belo Horizonte. Tia Consuelo era minha madrinha de crisma, embora eu nunca tenha sido crismada de verdade.

Tia Consuelo e tio Celso também já viraram estrelas.

Tia Consuelo era irmã de Marta que era casada com o Major que era primo da minha mãe.

E foi essa ordem reversa que deu início a  uma das mais belas histórias de amizade e que já atravessa gerações.

Pedro  já é a 4ª geração. E hoje  foi  o seu batizado. Numa cerimônia linda, emocionante e cuidadosamente preparada pelas suas mães sob a supervisão e celebração amorosa do Frei Betto, amigo de infância do avô-estrela do Pedro, amigos e famílias comemoraram esse bebê-rocha.

Com minha mãe ao meu lado, com 89 anos e a única  ponta inicial dessa história ali presente, chorei. Chorei por tantas lembranças. Chorei pelos bisavós-estrelas e  avós-estrelas  que só conhecem esse bisneto/neto lindo visto lá do alto. Chorei especialmente pela Consuelito, que teria um orgulho desmedido da família que não viu crescer. Chorei pela Carola, a menininha de quem eu às vezes cuidava quando Consuelito e Jair tinham algum compromisso. Chorei pela coragem, pela determinação, pela sobrevivência. Chorei pelas músicas lindas que escolheram para a cerimônia. Chorei pelas emoções que a Carola e a Simone estão conhecendo. Chorei pelo merecimento. Chorei pelo Pedro. De alegria. Pela benção  dele ter nascido e crescer  cercado de tanto e tanto e tanto amor!

E desejei fundo toda a felicidade do mundo, dos mundos, para o Pedro! A sua historinha já carrega muitas histórias de carinho, amizade, doação e muito amor! Histórias lindas! E que certamente iluminarão os seus passos de vida!






quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Chico. Artista Brasileiro.

"O meu pai era paulista... Meu avô, pernambucano... O meu bisavô, mineiro... Meu tataravô, baiano... Vou na estrada há muitos anos... Sou um artista brasileiro..."  (Paratodos - Chico Buarque)





Painéis monocrômicos de tamanhos diversos e  propositalmente desordenados   delimitam os espaços cênicos do palco aos poucos ocupado por  músicos e coro. Sem pressa.  O silêncio respeitoso e solene anuncia a entrada  e Chico, cantando Sinhá - lindamente! -  surpreende  pela escolha inesperada  para a  abertura, considerando-se o seu repertório tão vasto e com músicas de maior apelo popular.



O documentário Chico - Artista Brasileiro de Miguel Faria Jr.,  numa escolha acertadamente intimista, envolve e emociona. Mesmo mantendo os elementos básicos de um documentário - depoimentos, fotos e videos - coloca Chico, dentro de sua casa,  como condutor absoluto de sua trajetória de vida e arte. Aos 71 anos, com mais de 5 décadas de uma intensa e bem-sucedida carreira em expressões diversas, Chico é referência. É patrimônio. Entre tantos e tantos Franciscos, ele é o Chico. Entre tantos artistas, é ele o brasileiro.




São vários os níveis que dialogam entre si e compõem  o retrato nada preto e branco  do artista que, certamente, converge a quase unanimidade nacional. Costurar a pluralidade de suas expressões  - família, amigos, música, literatura, dramaturgia, vida pública, futebol, Mangueira, ativismo politico e reflexões pessoais -  não é tarefa fácil.  E Miguel Faria Lima encontrou soluções simples e eficientes!







Os temas surgem dentro da cronologia mais emocional do que temporal e os cortes na narrativa vão costurando a unidade e coerência. E são justamente as "tesouras" desses cortes que respondem pela emoção e beleza inquestionáveis do filme!



 A leitura em off de Marilia Pera de trechos do livro mais recente Meu Irmão Alemão, contextualiza as lembranças de infância e as delicadas relações familiares. São muitas as histórias e muitas as memórias, como a da influência da mãe na sua relação com a música. "Quando ela estava cantando é porque estava tudo bem em casa." 





Chico encanta como contador de casos!  As histórias se sucedem com muito humor e  com detalhes de bastidores  e com fotos e videos que pontuam as histórias pessoais com as  do pais e do mundo! Mais do que as histórias, seus comentários e  reflexões mais maduras e  profundas, mas  desprovidas de filtro ou censura, revelam facetas resguardadas. Como, por exemplo,  ao referir-se aos seus shows mais recente: "Eles me aplaudem mais quando eu entro no palco do que quando saio".  Seu casamento, filhas e netos são tratados com muita delicadeza. E o sarau familiar com 3 de seus netos responde por um dos momentos de maior emoção! Quanto talento junto!




Mas certamente um dos maiores méritos do documentário foi a escolha das músicas e dos artistas que as interpretam, usando o espaço cênico construido pelos painéis e que vão pontuando a obra musical de Chico. Ney Matogrosso,  Adriana Calcanhoto e Mart'nália num dueto absolutamente fantástico, Laila Garin, Milton Nascimento, e tantos outros. E Carminho. Sem palavras. A sua interpretação de Sabiá é tão intensa e maravilhosa que não há como não chorar. Chorar muito. Sabiá jamais foi cantada tão belamente!






Impossível não nos sensibilizarmos ou deixar-nos tocar profundamente  pelo documentário. Impossível não revivermos nossas histórias pessoais ao largo da dele. Impossível não relembrarmos as turbulências históricas dessas décadas tão intensas. Impossível não olharmos com orgulho, admiração e gratidão para as experiências culturais tão ricas, únicas e tantas! Rever festivais, repressão, Bibi em Gota d'Água, Gil, Caetano, Tom, Vinicius, Toquinho, Fernando Sabino, Diretas Já, Bethania, MPB4, Ópera do Malandro e tanto mais é documentar a nossa própria história. É reclamar uma participação do que não é exclusivo dele, mas é também de todos nós por direito e por simultaneidade.







Sei que sou suspeita. Tenho pelo Chico uma relação de fã/ídolo assumida, cultivada e rendida. Chico reina absoluto como a minha maior referência cultural! Gosto de tudo: músicas, livros, peças. Posso gostar um pouco mais ou um pouco menos de um ou outro trabalho, mas gosto! Em tudo vejo sentido, qualidade, abordagem, propósito. Todas as suas palavras, nas diversas manifestações artísticas por onde ele se aventura,  me emocionam. Muito. Chico me ensinou/ensina a pensar e repensar conceitos e a expressar sentimentos. Ele me ensinou/ensina a vasculhar o banal, o cotidiano, a emoção pessoal bem funda e a trazê-los à tona numa linguagem lúcida, por vezes denunciatória, por vezes poética, na maioria das vezes tão simples.O que ele provoca e revolve me ajuda a elaborar e reformular. Sua música, sua literatura e seu teatro encontram em mim correspondência imediata. E ele, como mais ninguém, consegue  me fazer ver a beleza máxima das palavras  e das imagens. Desde sempre. Ainda sempre. E  para sempre!











segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Memória.

Durante as longas noites de insônia, é na minha memória que desafio o tempo que conta parado ou para trás. Entre as paredes das minhas lembranças difusas e desconexas, busco refúgio e experimento fragmentos que tudo me permitem. Liberto-me. E visito lugares muito além das fronteiras permitidas nos mapas. E vivo tempos passados e futuros como se um e outro fossem o mesmo. E sou tantas pessoas quanto consiga ser nesses tempos e espaços indefinidos. Tenho as idades que quero e brinco com cabelos e roupas. Aprendo e desaprendo  o que me convém. Vivo e revivo amores e esqueço desamores. Reinvento a minha vida, as minhas vidas. Perco-me de mim mesma sem saber onde e encontro-me sem querer na primeira luz do novo dia. Recolho, então, os meus fragmentos até que a minha memória me salve de alguma outra noite em que ser apenas eu não me descanse. 





(Publicado no Grupo Minicontos em 29/11/2015. Palavra tema: MEMÓRIA)




quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Dando graças.






DANIEL E MARINA, minha mãe e meu pai e meus irmãos e meus sobrinhos e meus sobrinhos-netos, minhas enormes famílias expandidas, meus amigos tão queridos, e também e inclusive e não necessariamente nessa ordem, minha casa, pizza, vinho, luzinhas de natal, walt whitman, rua general glicério, lagunas coloradas, juquehy, música, banana, manhã de domingo, silêncio, muitas risadas, mar, lua cheia, fluminense, alho poró, caipirinha bem fraquinha, ó minas gerais, mangueira, salada de beterraba com queijo, sparta, dança, empada de palmito, lâmpada amarela, petula clark, pérolas, o rio de janeiro continua lindo, trovão e cookie e mel e nina e vito, água gelada, gengibre, porta dos fundos, praga e paris e new york, pernil, beatles, usp, valter hugo mãe, itaim, pão de queijo da minha mãe, ricardo darin,  wifi, sorvete de manga, alguma coisa acontece no meu coração, suco de laranja, machado de assis, sítio do burle marx, pão e pão e mais pão, novela, ovo de páscoa diamante negro, sala são paulo, flowers by kenzo, coleção de xícaras, cap, álbum de figurinhas, joan baez, vôlei, messi, cherinho de bebê, havaianas, ler na cama, jm wisnik, auto viação 1001, bem casados, flores, trocar a roupa de cama, coleção de casinhas, montar árvore de natal, e tantas coisas mais... Ah! Sim! Claro! E sempre chico buarque!

Y GRACIAS A LA VIDA! MUCHAS GRACIAS A LA VIDA!




segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O peão e a torre.

Era uma vez um pobre peão esquecido num tabuleiro de xadrez. Cansado de andar passo a passo e apenas para a frente, sem nunca ter a opção de voltar atrás, sentou-se para descansar e caiu no sono profundo do tempo que já tinha perdido a conta do seu tempo.

E sonhou. É bem verdade que sonhou preto e branco, pois outras cores não conhecia, mas sonho é sonho. E no seu sonho, o cavalo aparecia para lhe resgatar. Segurou forte na crina para não cair enquanto o cavalo, em disparada, pulava por cima do que via e nenhum obstáculo o impedia de seguir na cavalgada! Quer dizer, nenhum obstáculo que não fosse o bispo. Diante do bispo, até o cavalo se recolhia em respeito e intimidação.

O bispo, no centro do tabuleiro, interrompeu a fuga desatinada exigindo credenciais e roteiro de destino. O pobre peão suou frio, porque destino não tinha, uma vez que sonho não se programa nem controla. Mas o cavalo, mais acostumado com os ares da liberdade, prontamente comunicou que estavam apenas cumprindo ordens do rei para vigiar a torre. Aparentemente, confessou em segredo ao bispo, a torre, rebelde, deu pra ousar andar em diagonal, desequilibrando  todos os movimentos do tabuleiro. O bispo empalideceu, enquanto lhes cedia  passagem imediata. O cavalo saiu em disparada, exibindo toda a sua dentadura, maroto, por ter ludibriado a autoridade religiosa, enquanto o pobre peão só se benzeu, temente que era, acreditando no perdão pela afronta que não era dele, mas do sonho que sonhava.

E já que a torre veio no improviso, deveria ser mesmo desejo desejado, e assim partiram em direção à torre mais afastada do tabuleiro.O peão, mais relaxado, admirou as paisagens onde nunca tinha estado. Não era peão particularmente estrategista e não lembrava de ter chegado tão longe em alguma partida. Até mesmo pela rainha passaram, mas esta, tão absorta estava no seu passeio pelas suas casas, que nem lhe fez caso ou ciência de presença.

Quando finalmente chegaram ao seu destino, o cavalo lhe fez apear e nem lhe deu a chance de agradecer ou se despedir, e já partiu em retirada. O peão estava  só outra vez com o seu sonho, diante daquela construção tão enorme e imponente. Hesitante, passou pelo umbral e subiu, degrau a degrau, em movimentos que conhecia como ninguém, até chegar ao topo da torre. Nunca imaginou tal altura! Sentiu vertigem diante daquela imensidão que a vista alcançava. Nunca imaginara que o tabuleiro, visto do alto, fosse tão grande e tão bonito. Sentiu tanta beleza e tanta grandeza que pensou que a torre era, realmente, a mais feliz de todas as peças! Nada podia ser maior na vida do que ser capaz de ver tão belo, tão grande e tão distante! Mas ainda mais feliz do que a torre era ele, pobre peão, no topo da torre! E desejou, do fundo do seu sonho, nunca mais sair dali.

E tanto sonhou e tão intensamente, que o mundo não entendeu quando, de uma hora para outra, sem aviso ou explicação, uma nova peça apareceu em todos os tabuleiros de xadrez: uma torre com um peão por cima, arraigado que nemao lombo de um cavalo bravo. Estranhamente, não fazia nenhum movimento, não andava nenhum casa e não capturava nenhuma peça.A torre-peão tinha a única função  da contemplação vigilante e guardiã da beleza e grandeza dos tabuleiros do mundo! 





(Publicado no Grupo Minicontos em 20/11/2015. Palavra tema: TORRE)

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A Tempestade. Sobre sonhos telúricos.

"Somos feitos da matéria dos sonhos." (Próspero. A Tempestade. Ato IV - Cena 1)


Um leve tecido cor-de-mar-caribenho flutuando o movimento do mar revolto e abraçando a réplica perfeita de uma caravela dão o único toque real de água na montagem de A Tempestade de Gabriel Villela. A partir dai, a ilha de Próspero acolhe todo o terra das terras concretas e imaginárias. Realidade e ilusão desfilam em tons de barro - todos os tons de barro - alternando-se em suas funções de vida e arte. Na ilha de Próspero, vida e arte se definem, contradizem, complementam e potencializam.




A última obra de Shakespeare reúne, de forma genial e harmônica, todas as motivações do ser humano - da mais vil a mais nobre - além de destacar o teatro como catalisador dessas motivações. Uma ilha sem latitude ou longitude e que permite brincar com todos os idiomas, todas as teorias teatrais, todos os elementos da tragédia, comédia e romance que respondem pelos movimentos do mundo.

Com todos esses elementos em suas mãos, o diretor Gabriel Villela mais uma vez se supera e cria um universo que arrepia de tão intenso e emociona de tão lindo! Encenado em palco de arena, a ilha de Próspero se mostra inteira e despida.

O que mais impressiona é a delicadeza e suavidade dos elementos de cenário e figurino que amenizam a crueza do barro predominante. madeiras mineiras e cristais aquecem e dão leveza. Que combinação feliz! Os detalhes dos bordados e das rendas nos figurinos já são traços característicos do diretor, mas sempre conseguem surpreender! Destaque para o figurino do espírito Ariel, um verdadeiro sopro de ar na predominância terra. Que artistas talentosos constroem essas obras primas!





Vozes. Sem palavras para o trabalho impecável de vozes. Os jarros de barro remetem ao teatro grego e artificializam as vozes. Sem exagero, com naturalidade.

A música tem sido também personagem constante e de destaque nas montagens de Gabriel Villela. Em A Tempestade, o cancioneiro popular e folclórico é potente na sua coadjuvância. Outro recurso extremamente eficiente para suavizar o terra predominante. A alternância dos instrumentos musicais ao fundo cria uma sonoridade muito delicada! O violino aparece com um presente aos ouvidos! E quem não se arrepia com a abertura com Peixinhos do Mar e encerramento com Suite do Pescador?

O elenco está magistral! Celso Frateschi brilha com o um dos personagens mais densos da dramaturgia mundial e nos conduz generosamente pelas nuances do ódio e perdão, intuição e ponderação, magia e conhecimento. A caracterização de Caliban, um dos maiores monstros e aberrações do imaginário, está perfeita! Ariel é um presente! Que maravilha espiritual! E a dupla Trínculo/Estéfano responde por grandes momentos de comicidade! Miranda e Ferdinando trazem o lado romântico com toques de muita originalidade não gratuita ou casual: a encenação equilibrista nas pontas dos pés traz Romeu e Julieta, outra inesquecível montagem do diretor,  também para essa ilha!





O resultado? Uma obra lindíssima e um grande tributo ao Bardo com a assinatura inconfundível de Gabriel Villela.

O impacto? Potente em todos os sentidos. Uma inesquecível experiência sensorial!

A Tempestade nos oferece um novo conceito de ilha. Passa a ser ilha qualquer pedaço de qualquer coisa cercada por outros pedaços de outras coisas - ou da mesma - por todos os lados. Ilhas se sobrepõem. Vão se complementando e desvendando mundos. Ilha é fora e é dentro. A ilha de Próspero  é aqui e lá, em Minas, e no nordeste, e em todo o mundo. A ilha de Próspero é dentro de cada um e como cada um percebe e se relaciona com traição e lealdade, ignorância e sabedoria, perdão e ressentimento, amor e ódio, trágico e cômico, ilusão e realidade.

Mais além, a ilha apresentada por Gabriel Villela é palco de e para atores. E ao colocá-los na arena, construindo cada cena com a mudança sutil de cenário e de função, convida o público a construir conjuntamente sua experiência de emoção e fantasia. Desconstruir sentidos. Embarcar nessa viagem úmida. Sonhar telúrico.





domingo, 15 de novembro de 2015

República.

República (do latim "res publica" = coisa pública): forma de governo que emana do povo, fundamentada numa constituição que promove, protege e garante os direitoS fundamentais e as liberdades civis de todos os cidadãos de igual forma.

126 anos depois...








Cadê a república que estava aqui?

O poder comeu.

Cadê o poder?

Tá nos bolsos do governo.

Cadê o governo?

Tá afundado na lama.

Cadê a lama?

Tá contaminando águas.

Cadê as águas?

O Alckmin secou.

Cadê a seca?

Tá encarquilhando a ética.

Cadê a ética?

Virou corrupção.

Cadê a corrupção?

Foi por aqui... ACHOU!!! Foi por aqui... ACHOU!!! E por aqui... ACHOU!!! E por aqui... ACHOU!!

E cadê o povo??? SE LASCOU!!! SE LASCOU!!! SE LASCOU!!!!

E cadê a tal república??? HAHAHAHAHA

sábado, 14 de novembro de 2015

O rio e o mar.

Tinha o sonho de um dia ver o mar. Rio conhecia bem. Nascera e crescera ali nas beiras, de roupa sempre gotejada e sede matada a goles de água doce. mas quem conhecia jurava que o mar era muito mais. Ela tentava imaginar como seria mais água do que a que avistava do seu rio, lá longe, fazendo a curva adiante. Sonhava sentir a água salgada que não tinha fim, que nem se via onde curvava, e que vinha em ondas que formavam espuma brancas pra morrer aos pés da areia. Não entendia como água que morria podia infindar. Só podia ser o sal, pensava. E sonhava. E sonhava.

E foi assim, na distração do pensamento, que não viu o mar chegar. Chegou sem aviso nem sobreaviso. Chegou chegando, sem cerimônia e fazendo alarde. Chegou ávido e insaciável. Chegou arrastando e invadindo. Poucos viram. Poucos escaparam.

Ela mesma, sentada na beira do seu rio, foi tomada pela força daquelas águas inesperadas que não conhecia. Mas logo entendeu que era o mar! Seu sonho finalmente se realizava!Fechou os olhos e entregou-se à corrente das águas imaginadas. Antecipava a leveza da liquidez infinita. Antecipava a poesia o diálogo entre ondas cristalinas. Antecipava o salgado curador.

Mas logo estranhou. Não entendeu a cor de barro sujo e nojento. Não entendeu o peso das águas pastosas. Não entendeu os gritos e sussurros de morte. Não, não podia ser! Aquele mar era impostor! Saia, saia já do meu sonho! Volte pra sua imensidão! Mar não invade rio! Você não sabe que é rio que corre pro mar? Alguém? Alguém me salva do meu sonho? Alguém leva esse mar embora? Juro que não sabia que mar era lama! Pensei outro mar! Alguém? Alguém volta o meu mundo? Alguém?

Fechou os olhos bem fechados e rezou. Sentiu o gosto amago e indigesto que nem de longe lembrava o sal. Antes de perder a consciência, chorou o doce do seu rio.





(Publicado no Grupo Minicontos em 14/11/2015: palavra-tema: LAMA)



quinta-feira, 5 de novembro de 2015

A menina, as chupetas y los gatitos.

Em um pacato bairro residencial de Buenos Aires, lá pelos idos de 1991...

A menina de três aninhos abre los ojitos e se espreguiça na cama. Com a chupeta na boca, procura as outras duas que se perderam durante a noche. Uma em cada mãozinha. Cheirando as bochechinhas. Delícia...

Descalça, cabelos arrepiados e ojitos ainda sonolentos, vai à procura da mãe. Chupeta na boca e chupetas na mão. Ganha um colinho apertado e um besito estalado de buen dia.

Senta para desayunar. Muito a contragosto, coloca as 3 chupetas ao lado do plato. Mas ali, juntinho dela. Olhar atento para não perder de vista.

Hora de se vestir e ir para la escuelita. Caminha devagar, quase estanca. Chupeta na boca e chupetas na mão. Sucção compassada e tão fuerte que nem se sabe como a chupeta resiste. 

A menina olha pra mãe e olha pra gavetinha da mesita ao lado de sua cama. Olhar quase de súplica. Um não querer sincero. Sofrido.

Mas trato é trato. E o trato é deixar as chupetas na gavetinha quando sai para a escola. 

Acontece que no jardin del vecino mora uma  mamãe gata. E coitada! Não tem chupeta para dar para sus gatitos... Y ellos lloran y lloran...   A gata, então, procura chupetas em gavetinhas de meninas de três aninhos e, quando acha,   pega emprestado para sus gatitos.

A menina gosta da mamãe gata y de sus gatitos. Ela empresta suas chupetas durante o dia.  Coitadinhos dos gatitos que lloran y lloran!

Mas a menina sente muita falta de suas chupetas. Passa o dia pro dia logo passar. Juega, juega, juega. Sem parar. Pro dia logo passar.

Olha pro jardin, pero nada da mamãe gata. De vez em quando, abre a gavetinha ao lado da sua cama, pero nada de chupetas. Estão com a mamãe gata e com los gatitos. E o dia passa que não passa.

No fim da tarde, quando o sol vai embora e o jardin del vecino escurece, a menina  corre que corre para o seu quarto. Abre a gavetinha e... Viva!!! Lá estão as amadas chupetas!!

Rostinho iluminado!!  Pura felicidade!! Chupeta na boca e chupetas  na mão. Uma em cada mãozinha. Cheirando as bochechinhas. Delicia...

Y asi passam los dias. Muchos dias.  E as chupetas passam los dias com a mamãe gata y sus gatitos. Que ya non lloran y lloran...

Y asi  passam las noches. Muchas noches. E as chupetas passam las noches  com a menina de três aninhos. Na boca e nas mãos. Uma em cada mãozinha. Cheirando as bochechinhas. Delícia...


















sábado, 31 de outubro de 2015

Que las hay, las hay.






... e dizem que neste dia, vassouras colocam-se em sentinela e vigília... guardiãs absolutas da magia e encantamento... enquanto bruxas, em festa, revelam seus mistérios... e desafiam escuridões... e desbrocham em justiça, sabedoria e fecundidade... e o mundo, então, silencia em suspensão indefinida... e nada é o que sugere ser... e sente-se apenas o que não se conhece... e toca-se o inexistente... e tudo se transforma em sussurros de poesia... 

domingo, 25 de outubro de 2015

La Pastasciutta.

Deus Pai, Todo Poderoso, eu te rogo! Abençoe e proteja os chineses, assírios, babilônios, hebreus, árabes, Marco Polo ou quem quer que tenha inventado o macarrão nosso de cada dia. Abençoe e proteja também os santos italianos que aprimoraram, multiplicaram e emolharam a   divina iguaria. Que nenhuma crise na Europa,  de qualquer natureza ou consequências,  em hipótese alguma e  em tempo algum,  afete a Barilla e a De Cecco. Olhe também pela prosperidade  e abundância  na produção mundial de tomates. Que as palavras penne, rigatoni, farfalle, fusilli, capeletti, ravioli e tagliatelli - não necessariamente nesta ordem - jamais deixem de fazer parte do meu universo linguístico/simbólico/gastronômico. E acima de tudo, te suplico, de joelhos, em fervorosa devoção e fé, que os cientistas, endocrinologistas, nutricionistas e, em particular, a minha balança, finalmente comprovem o seu surpreendente poder emagrecedor! Para todo o sempre. Amém.



quarta-feira, 21 de outubro de 2015

De volta ao futuro.

Um dia, guardei o nosso amor numa caixinha. Um dia, lá no passado do nosso futuro. Guardei bem guardado. Eu sei.  Me lembro. Guardei tudo. Guardei todo. Pra nunca faltar. Guardei bem guardado. Eu sei. Me lembro. Mas um dia, já no  futuro do nosso passado, não encontrei o nosso amor dentro da caixinha. Onde estava o nosso amor guardado? Eu o tinha guardado. Eu sei. Me lembro. Mas ele não estava mais lá. Olhei ao redor, aflita,  procurando o caminho de volta ao passado do nosso futuro. Precisava voltar. Te encontrar outra vez. Me encontrar em você. Fazer outro nosso amor.  Guardá-lo   de novo dentro da caixinha. Mas guardar melhor guardado desta vez. Pra nunca faltar. Pra não esgotar. Pra não escapar. Eu vou saber. Eu vou lembrar.  E vou levar a caixinha do nosso amor de volta para o futuro do nosso passado. E só assim serei feliz.


domingo, 18 de outubro de 2015

Pedaladas. Aprendendo com Myanmar.

O lago Inle é o segundo maior de Myanmar (antiga Birmânia) e abriga, ao seu redor, várias etnias estabelecidas em ilhas flutuantes, similares às ilhas flutuantes do lago Titicaca no Peru/Bolívia, distribuídas em canais que formam uma verdadeira Veneza rural, mas com toques de mistério e espiritualidade do budismo predominante.

O lago, com profundidade média de 2 m,  é  praticamente a única  fonte de subsistência daquela população, além do turismo, que, aos poucos, se intensifica na região. Nove espécies de peixes são encontradas apenas nesse lago, mas a pesca é dificultada pela quantidade de  juncos e outras plantas que se acumulam na superfície.

Os pescadores da  etnia Intha ("filhos do lago") desenvolveram a técnica única,  passada de geração em geração, de remar com as pernas e pés - e não com as mãos. Uma perna se apoia na pontinha da canoa, enquanto a outra,  no ar, com o remo encaixado entre a dobra do joelho e o dorso do pé, impulsiona a embarcação enquanto afasta as  plantas e raízes aquáticas , permitindo a visão  e que as mãos livres alcancem os peixes com suas redes. Malabaristas circenses. Bailarinos das águas.




Impossível não se maravilhar com as imagens! Impossível não admirar as soluções aprendidas e legadas em confrontos com obstáculos e adversidades! Impossível não se surpreender com  a adaptação  e adoção de usos múltiplos tão inesperados quanto inusitados! Atribuir aos pés outra função e que, pelas imagens, parece tão natural como se sempre tivesse sido!

Imediatamente  o lago Inle e seus remadores acrobatas tornam-se imagens potentes e de associação inevitável com o nosso momento Brasil! E penso no potencial de recuperação da nossa economia como os cardumes submersos nas  nossas águas abundantes. Penso nas dificuldades que atravessamos - más administrações, más decisões, corrupções, concessões e trocas inapropriadas, truculências, falta e transparência, conflitos, prioridades equivocadas, sordidez política, etc - como os juncos,  raízes e contaminações que turvam a visão e dificultam o acesso ao potencial à espera em inércia produtiva.  Penso nos  poderes, todos, cada um em sua área de incompetência, como remadores inábeis e desajeitados. E que, ainda assim, consideram-se legítimos donos das águas.

E penso nas tais pedaladas fiscais e políticas, hoje popularizadas e de uso ampliado e ilimitado, como a técnica  insistente e teimosa para camuflar e driblar adversidades contábeis ou de governabilidade. Artifícios ineficientes e criminosos que repetem movimentos circulares que apenas aparentam mobilidade, quando, na verdade,  não saem do mesmo lugar.

E penso em como o conhecimento - e apenas o conhecimento - profundo, intuitivo e aprendido - permite alternativas criativas. A humildade de render-se às forças sábias da natureza - todas as naturezas, inclusive as econômicas e políticas -  e aliar-se à elas para o equilíbrio necessário. A arrogância da ignorância e da truculência do poder - todos os poderes - não acompanha os cursos alterados pelos momentos, pelas necessidades, pelos recursos.

Insistir na  dinâmica fracassada  e denunciada é perpetuar o insolúvel.  Apenas outra dinâmica, menos viciada  e  mais ousada,  poderá clarear as águas e revelar seus mistérios e tesouros alcançáveis. Para isso, no entanto, será necessário coragem, vontade, ruptura e pactos realistas e possíveis. Ações concretas e sem tréguas que resultem em esperanças de flores de lótus renascendo águas límpidas e promissoras.

Quem sabe aprendemos com Myanmar que pedalar com mãos limpas é tão possível quanto remar com os pés?








quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Sobre ser professor.

Minha mãe acreditava na  disciplina como único meio para a educação bem-sucedida. Mas não a disciplina castradora ou punitiva, pois, pelo contrário, e hoje reconheço até como demonstração de muita modernidade, sempre fomos permitidos e incentivados a toda forma de exploração criativa.A disciplina, na visão da minha mãe, era fundamentada em horários. Horário para acordar, para comer, para atividades, para ler, para descansar, para estudar, para brincar.  Minha infância foi um relógio. Morávamos numa rua pequena em Belo Horizonte, Rua Ramalhete, cheia de crianças e brincadeiras e palco perfeito para uma infância saudável e feliz. Eu e meus irmãos, no entanto, só tínhamos permissão para sair e brincar depois das 16:00.  Olhávamos suplicantes para aqueles ponteiros que, só pra contrariar, moviam-se lentamente... Na batida das 16:00, corríamos alforriados para nos juntar aos nossos amigos!

Parte dessa rotina consistia no descanso após o almoço. Com sono ou sem sono, cansada ou não, tinha que ir para o quarto e lá ficar por um hora, todo dia após o almoço. Quando muito pequena, imagino que tenha mesmo descansado naquele quarto. Não tenho memórias dessa época. Minhas lembranças começam, e muito claras, no momento em que, já grandinha para ter sono naquele horário, buscava como me ocupar durante aquela uma hora. E sei que foi ali, sozinha naquele quarto semi-escuro, que me fiz, tornei, formei, percebi professora.  Sentava as minhas bonecas - e numa casa de quatro meninas sobravam  bonecas compartilhadas - num círculo e reproduzia, naquela hora, as atividades, conversas e histórias que vivia no Izabela Hendrix, o pré-escolar que frequentava. Entre minhas bonecas, descobri e ensaiei os primeiros passos para minha vocação. Identidade. Prazer.

Tive também a sorte e o privilégio de ter sido exposta a grandes professores! E agradeço a cada um pela inspiração, motivação e provocação de inquietudes  e inconformismos. Esses professores tornaram-se minha referência de como entender e exercer a educação num âmbito muito mais amplo do que o meramente informativo. Meu ideal de educação foi sustentado em altíssimos pilares de aspiração, esperança e otimismo!

Sou, portanto, professora. E embora não exerça mais a profissão como atividade principal, sou resultado do que o magistério me proporcionou. Pois realmente acredito não haver experiência maior e mais transformadora. Não há troca mais prazerosa. Não há interação mais completa.

Gosto de pensar no processo do aprendizado como uma ponte. De um lado está o aprendiz que, por interesse ou necessidade, precisa daquele conhecimento para seu crescimento. Do outro lado está o mestre, detentor daquele conhecimento que precisa atingir o outro lado. A ponte será construída com mais ou menos eficiência quanto mais comprometidos estiverem mestre e aprendiz. A beleza incomparável dessa relação está justamente na alternância, nem sempre consciente, entre as duas funções. Pois ambos ensinam e aprendem,  crescem e se modificam. Ambos descobrem potências e fraquezas que desconheciam. As pontes construídas na participação igualitária e respeitosa são sólidas e duradouras.  Lamento pelo mestres que, por arrogância,  se colocam fora do processo e não permitem novos espaços de crescimento e conhecimento. Como também lamento pelos aprendizes que, sem consciência da sua essencialidade,  hesitam em interagir completamente e colocam-se como coadjuvantes ou meros figurantes.  As pontes construídas nessa desigualdade são frágeis e fadadas ao colapso.

Nesse sentido, sinto-me afortunada! Pois construí, sei, pontes firmes e inabaláveis. Aprendi com meus mestres-aprendizes as ferramentas e valores que hoje me sustentam e norteiam. Aprendi o respeito ao outro. Aprendi a olhar a necessidade do outro. Seus medos, Seus anseios. Suas limitações, Seu senso de preservação. Sua doação e generosidade. Sua espontaneidade. Aprendi o não julgamento. A compreensão das diferenças. A convivência curiosa com a diversidade. Aprendi a valorizar o esforço. Aprendi que cada conquista é única e pessoal e deve ser valorizada fora dos parâmetros coletivos. Aprendi a ouvir verdadeiramente por verdadeiramente querer ouvir. Aprendi que um sorriso diz tudo e que um olhar iluminado é um presente. Aprendi a olhar fundo, dentro do outro e entender como ajudar. Aprendi que com alguns a resposta vem do afago e com outros vem  do desafio. Se o estímulo for errado, a resposta certa não vem. Aprendi que o aprendizado só floresce em ambiente seguro e  acolhedor. Aprendi que o coração de professor se desmembra  em milhares de nomezinhos. E aprendi que não há maior honraria e responsabilidade do que a condução do processo de aprendizado e que, quando exitoso, é a maior das realizações!

Nosso pais ainda reluta em conferir à educação a sua verdadeira importância e lhe nega o protagonismo na construção da nossa cidadania. Nossos professores estão esvaziados de seu orgulho e dignidade. Mas não quero, hoje, discutir o nosso modelo educacional falido, inadequado a insuficiente. Nem quero discorrer sobre o slogan Pátria Educadora escolhido para definir o segundo mandato da presidente Dilma e que, pelo menos até aqui, se mostra vazio e sem ações percebidas como real prioridade. 

Hoje quero apenas reconhecer e celebrar os profissionais que lutam, apesar de tantas adversidades, para que as pontes capengas do conhecimento continuem aproximando e encurtando distâncias. . Profissionais que, não sei como, ainda insistem e acreditam na construção de um pais mais educado, cidadão, justo e promissor.

E  apenas essa teimosia inexplicável  explica essa vocação  incompreensível e incompreendida.  Hoje não tenho dúvidas  de que nos tornamos  professores  não por querer mas, sim,  sem querer. A gente simplesmente é, até quando não quer ser!





sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Frida Kahlo e A Casa das 16 Mulheres.

"... and, lastly, I had not yet set eyes on Frida Kahlo de Rivera, resembling these statuettes in her bearing and adorned, too, like a fairy-tale princess, with magic spells at her finger-tip, an apparition in the flash of the light of the quetzal bird which scatters opals among the rocks as it flies away." (André Breton)


O Instituto Tomie Ohtake em São Paulo nem bem abriu suas portas para a exposição "Frida Kahlo - conexões entre mulheres surrealistas no México" e as filas já anunciam presença recorde.



Não é pra menos. Frida Kahlo é unanimidade e fascina pela singularidade de sua obra ao converter, em arte e pela arte, o privado em público. Seus famosos autorretratos estampam a sua biografia tão conturbada pelas dores físicas e emocionais, traições e a angústia da maternidade não realizada sem qualquer pudor ou filtro. E em alternações camaleônicas realmente surpreendentes!

Autorretrato com macacos  (Frida Kahlo)


As vinte telas de sua autoria e algumas peças do seu  vestuário já  justificariam as horas de espera. Mas transformar esse pequeno grande acervo em linha condutora para dar voz a outras 15 mulheres é iluminar mais histórias obscuradas pela História - inclusive a da arte - predominantemente masculina.



O universo feminino é complexo, denso, múltiplo e extremamente acolhedor,  empático e solidário. As 15 mulheres que acompanham Frida Kahlo -  mexicanas por sangue ou por escolha - traduzem esses universos plurais e complementares com cores e formas intensas, impactantes e intrigantes!



O surrealismo, desafiando os limites da realidade física e racional e abraçando o inconsciente e o mundo onírico, não poderia encontrar melhor inspiração e identidade do que na poesia e magia das civilizações pré-colombianas. Espiritualidade, primitivismo e natureza em sintonia e harmonia.

Roulette (Remedios Varo)


Frida Kahlo foi a condutora e inspiradora para esse talentosíssimo  grupo de mulheres e abriu espaço para uma produção artística de potência absurda! A curadora Teresa Arcq foi feliz na opção temática para expor os trabalhos. Os diálogos, assim,  são melhor percebidos  e semelhanças e diferenças mais acentuadas. A escolha permite também organizar temas recorrentes da natureza feminina: maternidade, sexualidade fantasia, religiosidade, vaidade, relacionamento, natureza e auto imagem. Um passeio  pela turbulência afetiva do mundo cor de rosa.

A Noiva que se Espanta ao Ver a Vida Aberta (Frida Kahlo)


Os autorretratos são impressionantes! Dissecam a alma de cada uma daquelas mulheres com seus  olhares para dentro e que afloram dores e alegrias profundas. Sem poupar tinta.  Sem  vaidade vã ou auto piedade. E, ainda assim, permitindo ousar-se como mitos, divindades e personagens fantasiosas.

Autorretrato (María Izquierdo)


Não conhecia nenhuma daquelas artistas e fiquei particularmente tocada por María Izquierdo (México), Remedios Vara (Espanha) e Alice Rahon (França). Quanta beleza!

Balada por Frida Kahlo  (Alice Rahon)



Aos poucos, as mulheres ocupam o seu espaço negado e as suas histórias corrigem desfoques e preenchem as lacunas  que as  vozes e olhares limitados do universo masculino não alcançam .Novas vozes e novos olhares que lapidam  humanidades entranhadas  com  muita força e sensibilidade.


















terça-feira, 6 de outubro de 2015

Palavra de Rainha. A loucura em absoluta majestade.

"Eu sonhei que vou morrer louca e numa terra distante." (D.Maria I).



Cenário? Apenas um vestido. Preto. Opressor. Sufocante. Cobre todo o palco, se alastra pelas paredes e se movimenta em ondas. Como em ondas vêem as dores, devaneios e reflexões de D.Maria I, A Louca.

O monólogo protagonizado por Lu Grimaldi, texto de Sérgio Roveri, conta a história praticamente desconhecida da mãe de D.João VI,  nos apresentando uma personagem densa, dramática e que mais parece tirada de uma das tragédias de Shakespeare do que da vida real.

D.Maria I, conhecida como A Piedosa em Portugal e A Louca no Brasil, foi a primeira mulher a subir ao trono português depois do reinado sangrento de seu pai, D.José. Casou-se com seu tio, dezessete anos mais velho, com quem teve sete filhos. Além do desafio político, entre os quais demitir o Marquês de Pombal, teve que suportar a dor de perder seis filhos. Apenas D.João VI sobreviveu. Ao apresentar os primeiros sintomas de loucura, viveu reclusa no Palácio de Queluz e, já no Brasil, fugindo da invasão de Napoleão, no Convento das Carmelitas, onde morreu em 1816. Foi dela o decreto que condenou Tiradentes à forca. E ela acreditava que o diabo morava nas montanhas do Pão de Açucar.

A diretora Mika Lins fez um trabalho primoroso, intercalando as nuances entre a lucidez e a loucura. Afinal, há mesmo uma membrana permeável onde sanidade e insanidade se confundem. O cenário preto, espelho do luto de tantas perdas, deixa também obscura a passagem do tempo e a definição espacial. E é assim que os diversos recortes de Queluz, da travessia do mar e do Convento das Carmelitas dialogam entre si  e compõem a nossa percepção da Rainha. O vai e vem das lembranças são embalados pelo lirismo sonoro que tão lindamente mescla fados aos barulhos do mar...

Lu Grimaldi dá um show de interpretação! No posicionamento em palco, na leveza com que se movimenta entre 200 m de tecido, pelo encolhimento e agigantamento que intercala com extrema habilidade e nas variações vocais. Mas, principalmente, pela expressividade impressionante do seu olhar, que literalmente nos arrasta para dentro daquela mente doente de melancolia.

E é nesse passeio pela loucura de D.Maria I que nos identificamos com a modernidade da insanidade que nos assola a todos. E sentimos empatia pela dor da mãe que perde seus filhos. E conhecemos a fortaleza da soberana responsável pelos rumos do seus país. E nos encantamos pela multiplicidade e fragilidade de mais uma mulher que envelhece sem saber ao certo quem é e onde está, aprisionada no luto de sua mente e alma.

Em uma belíssima passagem, ela se refere a todas as mulheres que, como ela, já passaram por tantas perdas. E diz que, se sobreviveram e chegaram ao outro lado, todas essas mulheres são rainhas. Um lindo tributo a todas as Marias Loucas, passadas e presentes, submissas e esquecidas pela História intrinsecamente masculina.




sábado, 3 de outubro de 2015

Zum-zum e mel.

E não é que tem dia pra tudo? Hoje, por exemplo, 3 de outubro, é o Dia Mundial das Abelhas.

"Abelha, abelhinha... Acabou chorare... Faz zum-zum pra mim... Faz zum-zum pra eu ver... Abelha, abelhinha... Escondido faz bonito... Faz zum-zum e mel..." (Acabou Chorare - Novos Baianos)



O meu primeiro entendimento de abelhas veio de Monteiro Lobato, com a visita de Narizinho e Emília ao Reino das Abelhas m Reinações de Narizinho.Que maravilha a descrição do funcionamento de uma colmeia! Depois isso, nunca penei muito nelas. Nunca me incomodaram ou amedrontaram e nunca tive experiências próximas de ataques furiosos. Esses, só vi em filmes ou reportagens. E, tirando um pote aqui e outro ali para resfriados e dores de garganta, nem sou grande consumidora de mel.

Outro dia, no entanto, vendo o documentário "More than Honey" (Markus Imhoo - 2012) sobre o fenômeno chamado "Distúrbio do Colapso das Colônias" e seu devastador impacto sobre o planeta, passei a pensar  abelhas com um pouco mais de interesse.

Aprendi que, a partir de 2006, apicultores americanos perceberam uma verdadeira dizimação - cerca de 70% - da população de abelhas. Após esse primeiro alarme, observou-se o mesmo na Suiça, Alemanha e China. A China, tal a proporção, passou a importar pólen e a polinização tem sido feita manualmente. A extinção já é sentida mundialmente, inclusive no Brasil. As causas são várias e, infelizmente, de responsabilidade quase exclusiva da ação humana: uso indiscriminado de pesticidas, proliferação de ácaros, monoculturas e endogamia, entre outros. Pouco tem sido feito pelos governos para controlar ou implementar medidas que promovam o equilíbrio necessário. E os números continuam alarmantes.

As abelhas são responsáveis pela polinização de cerca de 73% das espécies vegetais cultivadas. Além disso, 1/3 dos alimentos que consumimos são diretamente dependentes delas.  O seu desaparecimento compromete a cadeia alimentar em efeito dominó, como já enunciado por Einstein: "se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a espécie humana teria somente mais 4 anos de vida. Sem abelhas não há polinização, ou seja, sem plantas, sem animais, sem homens."

Quem diria que nossa sobrevivência dependeria de zum-zum e mel?

Pra quem tiver interesse, segue  link do documentário:

https://vimeo.com/84357859

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Outubro e a porta.





Era uma vez uma porta que abria meses.
E era uma vez um outubro.
Outubro olhou pelo buraquinho da fechadura da porta.
Do outro lado, viu de relance um setembro se afastando, já cansado e curvado, e deixando atrás de si um rastro luminoso de cores e flores.
Outubro sentiu muita vontade daquelas cores e flores.
Olhando um pouquinho mais adiante, viu um punhado de crianças correndo e pulando, brincando alegres e despreocupadas.
Outubro sentiu muita vontade daquelas crianças.
Olhando um pouquinho mais pra lá, viu  um grupo de  pessoas distribuindo um monte de conhecimentos que pareciam não ter fim. 
Outubro sentiu muita vontade de conhecer conhecimentos.
Olhando um pouquinho mais acolá, viu uma noite cheia de bruxas e morcegos e abóboras iluminadas.
Outubro sentiu muita vontade daquela noite.
O buraquinho da fechadura fechou.
A fechadura da porta abriu.
Outubro não hesitou.
Entrou.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Ventres livres.

A Lei do Ventre Livre foi assinada em 28 de setembro de 1871, determinando que, a partir daquela data, todos os filhos de mulheres escravas nasceriam livres. Foi um dos primeiros passos para a transição lenta e gradual - ainda hoje não plenamente consolidada - do sistema de escravidão para a mão-de-obra livre no Brasil.



Coincidentemente, o 5º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho, realizado na Argentina em 1990, escolheu  o dia 28 de setembro com o Dia da Luta da Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe.

Após 25 anos, estima-se que 4,4 milhões de mulheres por ano ainda realizam abortos na América Latina, sendo que 95% são considerados inseguros.

E ainda assim, a legalização do aborto continua em discussão constrangida e contrafeita em tom de clandestinidade e ainda predominantemente sob a ótica de convicções religiosas e morais.

Apenas Guiana, Cuba, Porto Rico e Uruguai permitem a prática do aborto plena e sem necessidade de justificativa. Nos demais países, a criminalização ainda é majoritária, embora alguns já façam exceção aos  casos de estupro ou de risco à vida da mãe.

No Brasil, além das duas situações acima, a interrupção da gravidez também é autorizada quando comprovada a  anencefalia fetal. Legislação cínica diante da preocupante realidade que contabiliza 1 milhão de abortos por ano. Pesquisas apontam que 1 em cada 5 mulheres - urbanas e alfabetizadas - já interrompeu uma gravidez. Dados da ONU indicam que cerca de 200 mil mulheres morrem anualmente em decorrência de abortos de risco. A curetagem pós aborto é uma das cirurgias mais realizadas pelo SUS. As classes menos favorecidas, evidentemente, representam a maioria absoluta desse alarmante grupo.

A descriminalização do aborto precisa ultrapassar os limites do puritanismo hipócrita e inserir-se no âmbito muito maior da educação e da saúde pública. Priorizar educação sexual consistente de prevenção e planejamento familiar e garantir atendimento médico igualitário para a OPÇÃO - de cunho estritamente pessoal - de interrupção de uma gravidez indesejada são funções do Estado. Não é função do Estado sobrepor a sua convicção religiosa ou opinião particular ao que é direito de escolha e de segurança.


Dia de refletir sobre essa data tão emblemática e  lutar para garantir liberdade ampla, geral e irrestrita tanto aos gerados quanto  aos ventres geradores.