Era uma vez um pobre peão esquecido num tabuleiro de xadrez. Cansado de andar passo a passo e apenas para a frente, sem nunca ter a opção de voltar atrás, sentou-se para descansar e caiu no sono profundo do tempo que já tinha perdido a conta do seu tempo.
E sonhou. É bem verdade que sonhou preto e branco, pois outras cores não conhecia, mas sonho é sonho. E no seu sonho, o cavalo aparecia para lhe resgatar. Segurou forte na crina para não cair enquanto o cavalo, em disparada, pulava por cima do que via e nenhum obstáculo o impedia de seguir na cavalgada! Quer dizer, nenhum obstáculo que não fosse o bispo. Diante do bispo, até o cavalo se recolhia em respeito e intimidação.
O bispo, no centro do tabuleiro, interrompeu a fuga desatinada exigindo credenciais e roteiro de destino. O pobre peão suou frio, porque destino não tinha, uma vez que sonho não se programa nem controla. Mas o cavalo, mais acostumado com os ares da liberdade, prontamente comunicou que estavam apenas cumprindo ordens do rei para vigiar a torre. Aparentemente, confessou em segredo ao bispo, a torre, rebelde, deu pra ousar andar em diagonal, desequilibrando todos os movimentos do tabuleiro. O bispo empalideceu, enquanto lhes cedia passagem imediata. O cavalo saiu em disparada, exibindo toda a sua dentadura, maroto, por ter ludibriado a autoridade religiosa, enquanto o pobre peão só se benzeu, temente que era, acreditando no perdão pela afronta que não era dele, mas do sonho que sonhava.
E já que a torre veio no improviso, deveria ser mesmo desejo desejado, e assim partiram em direção à torre mais afastada do tabuleiro.O peão, mais relaxado, admirou as paisagens onde nunca tinha estado. Não era peão particularmente estrategista e não lembrava de ter chegado tão longe em alguma partida. Até mesmo pela rainha passaram, mas esta, tão absorta estava no seu passeio pelas suas casas, que nem lhe fez caso ou ciência de presença.
Quando finalmente chegaram ao seu destino, o cavalo lhe fez apear e nem lhe deu a chance de agradecer ou se despedir, e já partiu em retirada. O peão estava só outra vez com o seu sonho, diante daquela construção tão enorme e imponente. Hesitante, passou pelo umbral e subiu, degrau a degrau, em movimentos que conhecia como ninguém, até chegar ao topo da torre. Nunca imaginou tal altura! Sentiu vertigem diante daquela imensidão que a vista alcançava. Nunca imaginara que o tabuleiro, visto do alto, fosse tão grande e tão bonito. Sentiu tanta beleza e tanta grandeza que pensou que a torre era, realmente, a mais feliz de todas as peças! Nada podia ser maior na vida do que ser capaz de ver tão belo, tão grande e tão distante! Mas ainda mais feliz do que a torre era ele, pobre peão, no topo da torre! E desejou, do fundo do seu sonho, nunca mais sair dali.
E tanto sonhou e tão intensamente, que o mundo não entendeu quando, de uma hora para outra, sem aviso ou explicação, uma nova peça apareceu em todos os tabuleiros de xadrez: uma torre com um peão por cima, arraigado que nemao lombo de um cavalo bravo. Estranhamente, não fazia nenhum movimento, não andava nenhum casa e não capturava nenhuma peça.A torre-peão tinha a única função da contemplação vigilante e guardiã da beleza e grandeza dos tabuleiros do mundo!
(Publicado no Grupo Minicontos em 20/11/2015. Palavra tema: TORRE)
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