domingo, 11 de outubro de 2020

Pós-F.

 "Você não precisa gostar de mim para me enxergar, mas precisa me enxergar para não gostar de mim." (Fernanda Young)





Fernanda Young pulicou a sua primeira obra de não ficção, Pós-F: Para além do masculino e feminino,  em 2018. Relatos autobiográficos nada convencionais, e - sem surpresas,  polêmicos -  contribuem para a reflexão necessária sobre o ser homem e ser mulher nos tempos atuais. O livro virou projeto teatral e seria encenado pela própria Fernanda e  Maria Ribeiro, sob direção de Mika Lins. Infelizmente, a morte inesperada de Fernanda suspendeu o processo.

E então veio a pandemia... E, com ela, a paralização das produções artísticas... E foi em meio a esse cenário tão incerto e adverso que Mika Lins retomou Pós-F, e, respeitosamente, levou Fernanda Young - e Maria Ribeiro -  ao palco criado em nova linguagem para uma nova experiência teatral. 

Confesso ser avessa a lives e afins. Devo ser uma das únicas pessoas que tem atravessado o confinamento imune a essas novas formas de debates e entretenimento. Não tenho a menor paciência. Mas assistir a Pós-F da tela do meu computador  foi uma inesperada  positiva experiência!

Claro que a relação é outra! Claro que a interação é outra! Claro que o envolvimento é outro! Mas é - ou foi, nesse caso - outra BOA! Surpreendentemente boa! E aqui vem o talento da diretora Mika Lins!

Mika não caiu na armadilha de descaracterizar o "fazer teatro", nem na armadilha de "fazer o teatro" tradicional. Ela conseguiu, de uma forma muito eficiente, juntar os dois mundos com o que ambos têm de mais potente! E o resultado foi um teatro renovado, aberto, flexível, inclusivo, atual, sem perder EM NADA aquele encontro mágico entre texto, atores e público que se chama teatro.

O palco foi mantido. Literalmente. Dentro de um teatro. O cenário foi construído com habilidade e pertinência. E minimalista, como é o estilo da Mika. Poucas referências. Apenas as necessárias. Apenas as essenciais. nesse caso, com um toque pessoal e afetivo, pois os desenhos foram feitos por uma das filhas da Fernanda. 





A iluminação foi a grande estrela! Que trabalho de luzes!! Simplesmente arrebatador! 

A grande sacada da Mika foi incorporar as técnicas e instrumentos virtuais à encenação tradicional. Assim, tomadas do alto, por exemplo e em espiral, impossíveis numa encenação presencial, proporcionaram um outro olhar, uma oura sensação. Genial!




A trilha sonora é absolutamente perfeita! De Pepeu Gomes (Masculino e Feminino) a Caetano Veloso (O Quereres), viajamos num tempo musical eclético e poderoso! Fiquei MUITO emocionada ouvindo, depois de tanto tempo, 99 Luftballons, no original alemão! 

Maria Ribeiro foi extremamente habilidosa. Porque tentar ser Fernanda não deve ser nada fácil. E ela não tentou ser. Nem foi. Ela foi Maria Ribeiro, corajosamente tentando encontrar dentro e fora  dela o espaço para, generosamente, deixar Fernanda ser. E o melhor foi o interlocução que ela, Maria Ribeiro, estabelece com o próprio texto, preservando, protegendo, cuidando do que Fernanda faria/diria/pensaria, caso fosse ela, a própria Fernanda, se auto interpretando. Essa alternância entre a atriz e a personagem foi muito especial!

O texto da Fernanda é forte. Forte como ela sempre foi. O texto da Fernanda é corajoso. Corajoso como ela sempre foi. E  o texto da Fernanda é mais desnudo do que ela foi. Fernanda escreveu ficções predominantemente. A ficção te coloca no lugar seguro de ser você não necessariamente sendo você. Mas o texto não ficcional te revela. Não há abrigo, não há refúgio. Fernanda, figura sempre tão polêmica - e tão imensamente talentosa - revela-se nas suas complexidades, fragilidades, certezas, dúvidas, humanidades, maternidades, sexualidades e contradições. Contradições pessoais e metalinguísticas. E essas contradições foram bem selecionadas, trabalhadas e lapidadas no palco real e no palco virtual. Sensacional!

Pós-F foi o 3º monólogo a que assisto da Mika. O primeiro foi Festa no Covil, adaptado do romance do mexicano Juan Pablo Villalobos. A versatilidade de uma única peça de cenário foi impressionante! Além do texto, que é um dos meus preferidos!

O segundo foi Palavra de Rainha, texto de Sérgio Roveri e com a interpretação majestosa de Lu Grimaldi no papel de D.Maria, a louca. O cenário era um único vestido. Negro. Que flutuava no palco e subia paredes à medida que revelava as angústias e desvarios da Rainha. Inesquecível!

O terceiro foi esse, Pós-F. Um monólogo necessário e em uma linguagem atual num mundo pandêmico. Tudo mudou. Nossas certezas mudaram. Nossas possibilidades mudaram. E também o fazer artístico mudou.

Mika me proporcionou uma incrível experiência! E a convicção  de que é possivel, sim, utilizar linguagens de outras artes, sem perder, contudo, a alma do teatro.









quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Cristina. A irmã sanduíche.

Cristina é filha do meio. Filha sanduiche. A terceira de cima pra baixo e terceira de baixo pra cima. 

Dos 5 filhos, foi, disparado, o bebê mais lindo dos meus pais!  Que olhos! Que bochechas! Que rostinho iluminado! 




Aliás, sempre foi linda! E cativante. E sedutora. Por onde passava, deixava rastros. E um séquito de apaixonados. Sociável, centro das festas, imã das atenções. 




Foi o xodó dos irmãos mais novos da minha mãe, que, durante um período, moraram conosco. A irmã mais nova da minha mãe, tia Guanahyra, em especial, adorava a Cristina! E levava-a pra cima e pra baixo, enquanto namorava o que veio a ser o seu marido, nosso querido tio Abelardo!  

Dos 5 filhos, tinha, também, o gênio mais forte. E põe forte nisso! Decidida, questionadora, confrontadora. Era a que enfrentava, a que abria os caminhos, a que se impunha. E metia medo. Mesmo. Nossos amigos tinham medo dela. 

Acho que ela sempre foi muito mais velha do que eu. Muito mais do que os 2 anos e 3 meses que nos separam. Porque ela sempre foi mais à frente! E com presença mais forte. E muito mais segura e dona de si. Eu aproveitava as brechas. As festas que ela me deixava ir. Os amigos que ela deixava chegar perto. E aproveitei! Muito! 

E como era safa! Um das minhas melhores lembranças da nossa adolescência foi uma festa a que fomos na Gávea. Casa de uma amiga minha do Teresiano. Fumávamos escondido nessa época e nossos pais foram nos buscar. Entramos no carro e a mãe logo sentiu o cheiro do cigarro. A mãe disse :"Maria Alice, fala perto de mim!". Eu com aquele bafo de cigarro. "Cristina, fala perto de mim"! Cristina com o hálito limpo. Tinha mastigado folhas do jardim antes de entrar no carro. Resultado; eu fiquei de castigo e ela lépida e solta. Ela era assim. 

É , entre nós, a mais parecida com o DNA da família do meu pai. O que quer dizer isso? Quer dizer que é a mais irônica, ácida, debochada, crítica, bem-humorada e escrachada. Ri com vontade. Nada  - e ninguém - passa desapercebido. 

Mas é também, entre nós, a mais intensa. Cristina é pura emoção. Magoa-se com facilidade. E perdoa de coração aberto. Ri muito. E chora sentida. E doa-se. De corpo e alma. Não há o que não se peça que ela não faça. Não há o que a gente precise que ela não ajude. 

Nem sei dizer tudo o que ela já fez por mim. Corridas prematuras para a maternidade. Decorações de festas infantis. Aliás, maravilhosas! Porque a Cristina é muito talentosa e desenha e pinta muito bem! Ajudas de última hora de trabalhos escolares. Decorações de painéis. Enfeites natalino-judaicos. E a lista segue...

Cristina cuidou da nossa mãe depois que o nosso pai morreu com uma entrega sem medidas. Foi o apoio, o suporte, o anjo protetor. Nada faltava. Olhar atento às menores necessidades. Preocupação com os menores detalhes. Uma leoa. Sempre pronta para atacar, se necessário.



Foi professora de pré-escola toda a vida. E numa linguagem de igual pra igual, com o mesmo espírito confrontador que a define. "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás". 

E é essa ternura endurecida que a faz ser tão especial. Porque ela está sempre perto, sempre disponível. Sempre preocupada. Sempre envolvida. Sempre se interessa, sempre participa. Sempre quer que tudo dê certo. Sempre torce. Sempre vibra. E sofre junto quando algo dá errado. 

E é também por isso tudo que ela é a TINA, a tia querida, muito querida, querida MESMO, de TODOS os sobrinhos e sobrinhos-netos. Cada um dos 11 sobrinhos tem, certamente, histórias incríveis com ela! E também os 8 sobrinhos-netos, de quem ela ajuda a cuidar, assumindo, tantas vezes, de forma generosa e amorosa, o papel de avó. 

Ela hoje mora no Rio. Sua casa é de todos. Portas abertas. Chaves entregues. Pra quem quiser. E tem um cachorro alucinado, Tyrion, um yorkshire que preenche a casa e o coração. Os nossos também.

E hoje, no dia em que ela completa 65 anos, queria dizer que é um enorme privilégio ser sua irmã. Não é fácil ser sua irmã. Mas é bom demais!

Feliz 65! Feliz muitos mais!