Ali ali só ali se se alice ali se visse quanto alice viu e não disse se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece (Paulo Leminski)
quarta-feira, 4 de outubro de 2017
Mercedes - Ay sí sí sí
Mercedes Sosa ainda é - e sempre será - a voz da América Latina! Dela, a trilha sonora da luta por liberdade, pela democracia e pela justiça social.Uma mulher forte, de presença marcante e nada convencional. Sem dúvida, uma das vozes mais poderosas e inconfundíveis da minha geração. Ao mesmo tempo em que cantava palavras duras que denunciavam os contrastes tão injustos, surpreendia pela doçura de sua voz. Sua bela voz, que cantava por nós a nossa não tão bela condição.
A música como instrumento de parceria e troca. A aproximação, pela semelhança, das diferenças que caracterizam o nosso continente. Reconhecer a qualidade, a diversidade, o talento de tantos sons diferentes e dispersos e em idiomas diversos, ritmos exclusivos, recursos desiguais e mensagens desconexas.
Lembro-me da primeira vez que ouvi Volver a los 17. Tinha exatamente 17 anos e estava estudando para o vestibular. Ouvia essa música dia e noite, noite e dia e a voz do Milton Nascimento e da Mercedes, e o refrão "se va enredando enredando, como en el muro la hiedra, y va brotando brotando, como el musguito en la piedra, como el musguito n la piedra, ay sí sí sí" se misturavam com as fórmulas de física, datas históricas e movimentos literários.
E assim entrou Mercedes na minha vida. E embalou meus sonhos de estudante e minhas discussões inflamadas sobre os rumos do nosso país. E alimentou a minha confiança em conseguir mudar o mundo. E quanto mais a ouvia, mais me descobria e descobria a minha latinidade. E passei a me interessar pela música latina e descobri talentos incríveis e sons maravilhosos. E passei a me interessar por autores latinos e a ler suas ideias e poesias. E fui, aos poucos, perdendo a ingênua alienação adolescente para a crueza da nossa realidade política e social.
Duas de suas músicas, em particular, são parte das memórias da infância dos meus filhos. Eles tinham quatro e cinco aninhos e morávamos em Buenos Aires e depois em Porto Rico e, portanto, o espanhol era idioma familiar e referencial. Mercedes nos acompanhava a caminho da escola. A primeira música era Los Hermanos. Daniel e Marina esperavam ansiosamente pela última estrofe para cantar bem alto "Y una hermana muy hermosa que se llama libertad!" Eles achavam o máximo ter vários irmãos e apenas uma irmã! Santa inocência! A segunda música, ainda hoje uma das minhas favoritas, era Duerme Negrito. Eles amavam a estrofe"Y si negro non se duerme, viene el diablo blanco y zaz, le come la patita chacapumba, chacapumba, apumba, chacapumba".
Nos oito anos sem Mercedes, nossa América Latina segue à deriva em busca de sua consciência e identidade. Parece que, ao perdermos sua voz, perdemos o fio condutor dos ideais comuns de democracia e justiça social. Desagregados, damos cabeçadas cegas enquanto retrocedemos, retrocedemos, retrocedemos. Que falta faz Mercedes!
Mas La Negra segue como inspiração necessária em meio ao caos profundo. Caos moral, ético, político, social. Caos humano, que põe em dúvida a própria vida. Eternizando a obra prima de Violeta Parra, nos ensina a louvar a vida em um idioma que não é o nosso, mas que só nele traz a intensidade e o sentido com o qual precisamos nos identificar. "El canto de ustedes que és el mismo canto, y el canto de todos que és mi próprio canto".
Y Gracias a la Vida!
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