quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Peer Gynt. Sobre caminhos e encruzilhadas.

"Nos encontraremos na próxima encruzilhada, e então veremos se... eu não direi mais nada." (Peer Gynt - Henrik Ibsen)





Peer Gynt foi escrita em versos pelo norueguês Henrik Ibsen em 1867. Transgressora, espantosa e fantasiosa. Ainda hoje. Ainda sempre.

Os grandes dramaturgos, estes que atravessam os séculos atemporais e extraterritoriais,  o são pelo seu  conhecimento - sensitivo ou intuitivo - das profundezas das naturezas humanas. Não o conhecimento furtivo e superficial das motivações, ambivalências, virtudes e vícios, mas o conhecimento mais sensível, empático, reconhecível e traduzível. Tocar a alma. Ler a essência. E extrair delas - da alma e da essência - o que só a elas pertence, independente de contexto geográfico ou temporal. Criar o isolamento da alma e da essência é o que permite a sobrevivência e imortalidade da dramaturgia genial e garante a sua correspondência em leituras atualizadas. Ou expandidas. Ou igualmente audaciosas e não convencionais.

Mais genial ainda é conseguir extrair novas potências de uma obra de tamanha potência e oferecer um espetáculo tão absolutamente transgressor, espantoso e fantasioso quanto a intenção primeira do autor! E o Peer Gynt do Gabriel Villela é um verdadeiro abuso de genialidades!

Como explicar  o impacto de um texto tão denso - o original tem 5 horas de duração - ser condensado em 100 minutos e  não perder conteúdo?

Como explicar a complexidade do texto ser adaptado para a linguagem infanto-juvenil e não perder seus desafios?





Como explicar a beleza do cenário que sempre arrebata pelas suas alegorias? Destaque para a porta e janelas. Assinatura mineira do diretor.




Como explicar o efeito dos figurinos coloridos, palpitantes e simbólicos? Que capacidade é essa de agregar o desagregador, de combinar o destoante, de pontuar os símbolos universais do teatro, de brincar com texturas, referências, despojamento e irreverência calculados? Destaque para as máscaras que realmente se superaram nesse espetáculo! Que máscaras!

Como explicar a escolha da trilha sonora tão perfeita? A musicalidade, sempre tão presente nas montagens de Gabriel Villela,  penetra pelo palco, espalha-se pela plateia e conquista seu espaço de protagonista. Que presente!




Como explicar o efeito de puro deslumbramento de viver a magia de um verdadeiro teatro de marionetes? Pois assim me senti! Em um teatro de marionetes com cada movimento de cada boneco  cuidadosamente impulsionado por fios invisíveis e criando a fantasia envolvente que em nada pretende imitar a realidade! A não ser a realidade que apenas a fantasia do teatro consegue criar!




Como explicar a harmonia entre 15 atores tão talentosos na composição uniforme e uníssona quase impossível? Com exceção da Mel Lisboa, de quem já virei fã,  já conhecia o trabalho dos demais em outras montagens do Gabriel e cada vez mais  me surpreendo com a sua capacidade de doação e de provocar emoções. Quantos talentos - MESMO - reunidos em um só palco! Destaque para o estreante nessa trupe, não por acaso o meu filho Daniel Mazzarolo, que brilhou, encantou e mostrou  tão caudalosamente o seu potencial de compreensão, reflexão, adaptação, interpretação, generosidade, adequação e cooperação!

Talvez a explicação esteja  justamente na alternância entre caminhos e encruzilhadas. Pois assim vejo a missão do artista. Múltiplos caminhos que se encontram em múltiplas encruzilhadas. A cada novo caminho, novas encruzilhadas. De cada nova encruzilhada, novos caminhos.

E é nesse labirinto de caminhos e encruzilhadas que a arte se sustenta e se resolve. Ou se perde. Para cada resposta, tantas novas perguntas... Pra cada solução, tantos novos desafios...

Minha admiração imensurável pelo Gabriel Villela pelas escolhas de seus caminhos e  pelas encruzilhadas que nos permitem todas essas emoções e encantamentos.

Meu agradecimento aos atores que embarcam às cegas nesses caminhos indizíveis e burlam encruzilhadas quase suicidas.

Em Peer Gynt, caminhos e encruzilhadas se encontraram em todos os eus artísticos!   Imperadores de loucos! E que viva a loucura!






2 comentários:

  1. NOSSA, QUE bela percepção do espetáculo, traduzido em palavras lindas. Adorei você dizer que é "um teatro de marionetes com cada movimento de cada boneco cuidadosamente impulsionado por fios invisíveis". Perfeito! Agora, lendo isso, sinto que é um jeito perfeito de definir o que vemos no palco. LIndo. bjos.

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  2. Querido Dib, obrigada mesmo por suas palavras! Tão bom quando a gente consegue expressar o que no outro também ecoa... Bjs

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