domingo, 4 de setembro de 2016

Porque são eles, porque somos nós.

"A amizade é uma epifania lenta."(Leandro Karnal)

Leandro Karnal, de quem sou fã confessa, escreveu na semana passada um belíssimo ensaio sobre a amizade intitulado "Porque era ele, porque era eu", em referência à  estreita reação ente os filósofos Montaigne e Étienne de la Boétie. Vale a leitura em qualquer tempo e, em especial, nos tempos atuais de altas temperaturas nos confrontamentos ideológicos!





Mas não é sobre  confrontamentos que quero falar. Muito menos sobre  ideologias. Quero falar sobre amizade. Em especial, sobre a amizade ensinada e repassada que justifica  a  foto e o encontro dessa última sexta-feira.

Já contei, repetidas vezes, sobre a nossa experiência de  morar em Porto Rico. Já contei também ,repetidas vezes,  que, além de todos os ganhos pessoais, profissionais e familiares, o maior legado foi a amizade formada entre o grupo de brasileiros que, num feliz alinhamento dos planetas, se encontrou naquela pequena ilha nos mares caribenhos há 24 anos.

Quem me conhece, sabe que sou de longas amizades. Longas. Muito longas. Todas especias, cuidadas, cultivadas, valorizadas, repaginadas e resgatadas. Cada uma, a seu tempo, possível por afinidades, identificação, interesses, curiosidade, as vezes até por desafio. Porque morávamos na mesma rua, ou estudávamos no mesmo colégio/faculdade, ou fazíamos as mesmas atividades, ou trabalhamos juntos/as, ou conhecíamos as mesmas pessoas, ou, ou... Simplesmente porque eram eles/elas, porque era eu.

Essa amizade construída em Porto Rico difere das demais porque precisou se fazer possível. Contrariando a naturalidade que aproxima afinidades, se sustentou nas diferenças. Ou melhor, na afinidade buscada com lupa, por insistência, pelo esforço que só quem se exilou do seu ambiente natural e familiar entende. Morar em outro pais sob outra cultura e outros códigos cria uma necessidade social que alarga o acolhimento e abraça os estranhamentos.

Sermos do mesmo país ajudou. Termos filhos da mesma idade, na época entre 4 e 10 anos, também ajudou. Mas ajudou fundamentalmente a vontade de descobrir em pessoas de origens e valores e experiências de vida  tão diversas - e que talvez em circunstâncias normais jamais tivéssemos nos aproximado -  o que unia e se reconhecia.

Vinte quatro anos depois, com a maioria de volta ao Brasil e outras ainda por ai a ali, somos um grupo singular. Amiguitas. Assim nos autodenominamos. No feminino. Empoderadas. Ainda que maridos e filhos/filhas e agregados/as também façam parte.

Nesses 24 anos vivemos perdas, separações, formaturas, casamentos, nascimentos, mudanças físicas e emocionais. Turbilhões de tirar o chão e alegrias esfuziantes. Preocupações e comemorações. Choramos e rimos. Mas sempre perto. Mais do que perto. Próximas. Próximas até no distanciamento às vezes necessário e respeitosamente concedido. Elásticos com aquela folga calculada e sempre pronta pra resgate.

Nesses 24 anos, nossos pequenos se transformaram em adultos. Hoje estão todos formados, alguns casados e já com filhos. Alguns também ai pelo mundo. Cada um no seu caminho, com seus próprios valores, com suas próprias ideologias.  Mas que, ainda assim, encontram no conforto das memórias infantis o caminho para o convívio prazeroso e respeitoso.

Como foi o de sexta-feira. Ainda que desfalcado, pois muitos não estavam em São Paulo, conseguimos reunir um pequeno grupo do grupo maior aqui em casa. Com a presença de alguns agregados, a generosidade de tomar parte, fazer-se parte. Sem cerimônia, sem formalismos. Estar à vontade. Saber que parte faz aquela parte.

Para nós, amiguitas originais, uma imensa alegria e um orgulho desmedido. Talvez por saber que essa amizade da segunda geração seja também resultado de um esforço aprendido. Esforço porque sabem o quanto é importante para nós. Esforço porque também precisam buscar nas suas diferenças as afinidades que apenas as memórias da infância não sustentam.

Porque são eles, porque somos nós. E  porque é tanto amor...













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