sexta-feira, 14 de abril de 2017

Porque são tantas as cruzes nessa vida...








Cristãos de todo o mundo  - e também não cristãos - lembram hoje a paixão e morte de Jesus, fazendo da crucificação o maior dos seus símbolos. Não creio haver memória coletiva de maior abrangência e impacto.

Independentemente da crença religiosa ou fé de Jesus ser ou não o filho de Deus, a sua figura história é evidenciada,  não questionada e tem sido, ao longo dos séculos, objeto de estudo minucioso e de teorias cada vez mais surpreendentes e divergentes, criando, inclusive, muitas vez, mal estar entre as comunidades científicas/históricas/teológicas e a Igreja.

Algumas dessas teorias são rapidamente refutadas, mas outras ganham consistência quanto mais os estudos desmistificam as metáforas e simplificações que fundamentam os evangelhos. Conhecimentos de geografia, por exemplo, contradizem localizações. Da mesma forma, aprofundamento nos hábitos sociais e políticos da época apontam incoerências em muitos relatos. Nada que comprometa a evidência irrefutável da passagem de Jesus no mundo, mas que ajustam as distorções - acidentais ou propositais - promulgadas nos textos bíblicos.

 Zelota - A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, publicado em 2103, por exemplo, causou uma enorme polêmica ainda não resolvida. Escrito por Reza Aslan, historiador (por acaso,  muçulmano) que dedicou 20 anos de pesquisa às religiões com foco em Jesus, o livro apresenta o personagem histórico desvinculado da figura religiosa construída e perpetuada pela Igreja católica. O Jesus histórico, segundo ele, foi o maior revolucionário de todos os tempos!E transgressor nada pacífico do domínio político romano e da opressão da casta sacerdotal de Jerusalém. Claro que, na época, política e religião se fundiam e confundiam  e muitas das interpretações atribuídas à espiritualidade de Jesus eram, na verdade, posicionamentos meramente políticos. Assim, segundo Aslan, a crucificação foi, afinal, uma punição por crimes contra o Estado. Essa visão desmistifica também os companheiros de cruz de Jesus - o bom e o mau ladrões - atribuindo a eles a mesma motivação rebelde.

Independentemente das falhas e questionamentos veementemente apontados por críticos em todo o mundo, pessoalmente, gosto da imagem desse Cristo predominantemente revolucionário e que lutou, incansável, ao custo de sua vida, pelos ideais que defendia. Político ou espiritual, reinos terrenos ou celestes, revolucionário ou pacifista, judeu convicto ou precursor de outra religião, filho de Deus, profeta ou apenas humano, seja o que for, a verdade inquestionável é que Jesus foi a figura que mudou a história do mundo. De todo o mundo. E nenhum outro personagem sob qualquer natureza, convicção ou motivação  chegou perto de mudanças tão profundas.

E nessa Sexta-Feira Santa - particularmente nessa Sexta-Feira Santa, soterrados sob a lama venenosa da nossa política nefasta,  penso em todos nós, em cada um de nós, que, capengas e como podemos, ainda tentamos  vias crucis individuais e coletivas por um mundo melhor. Em maior ou menor escala, lutamos pela sobrevivência a duras penas, abandonados e desassistidos. Lutamos contra perseguições e preconceitos por pensar e agir "diferente". Lutamos pelas liberdades individuais e coletivas. Pelas minorias e pela diversidade. E pelas artes e expressões. Todos lutamos. De alguma forma. Por alguma causa. Sob alguma forma.

Mais ainda, penso no forte símbolo da cruz. A cruz punitiva e definitiva. Mas também redentora e salvadora. E torço para que essa ambiguidade da  crucificação se resolva. E que a nossa cruz, as nossas cruzes, sejam mais leves, suportáveis e libertadoras. Porque está, de verdade, muito difícil carregar as cruzes que, por justiça e merecimento, não são nossas.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

H.Stern. O primeiro emprego a gente nunca esquece.







O meu primeiro emprego formal, com carteira assinada,  foi na H.Stern. Eu tinha 16 anos, acabado de voltar do intercâmbio dos Estados Unidos e com muita vontade de ganhar o meu próprio dinheiro. Estudava pela manhã no Colégio de Aplicação da UFRJ e passei a trabalhar das 14:00 às 22:00 todos os dias.

Eu era recepcionista na loja da Avenida Atlântica, ao lado do Copacabana Palace. Minha função era assessorar os vendedores. Eu ficava de pé, ao lado da mesa onde os clientes eram atendidos, e ia e vinha do estoque com as bandejas dos potenciais produtos. Cada bandeja tinha um código, baseado nas pedras e no tipo de joia (anel, brinco, pingente, etc). Eu não podia me dirigir ao cliente e aguardava os pedidos do vendedor para trazer as bandejas numeradas. Achava os vendedores o máximo! Elegantes, chiques, e como sabiam seduzir os clientes! Dois em especial me tratavam com muita consideração e com eles aprendi muito sobre pedras: os nomes, as tonalidades, a pureza, a lapidação, e mais. Aprendi também que há gosto e mau gosto pra tudo!

A responsável pelo estoque era uma moça jovem, grávida do primeiro filho, e que nos deixava experimentar as joias nos intervalos! Experimentei tesouros! Joias dignas de rainhas! E rapidamente desenvolvi o meu gosto muito particular para joias.

Naquela época, a loja central ficava no centro e os treinamentos eram feitos lá. . Conhecíamos a história da empresa e também cada etapa do processo: da pedra bruta a joia pronta. Que universo fascinante e sedutor! E que profissionais talentosos e criativos! Adorava ver a área de lapidação! Que precisão! Que concentração!

Depois de oito meses, fui transferida para o Hotel Sheraton na Avenida Niemeyer. O hotel tinha acabado de inaugurar e a H.Stern tinha 3 lojas lá: a tradicional de joias, a de artesanato (Curio) e a de conveniência. Fui trabalhar na Curio, que vendia de pratos de borboleta a estatuetas do Corcovado. Apesar de não trabalhar com as joias, foi o período mais legal, porque passei a ter contato direto com os clientes. O melhor é que os hóspedes vinham frequentemente à loja, mas deixavam para comprar apenas na hora de ir embora e, assim, mantínhamos uma relação estreita com eles. Conheci muita gente legal. Uma vez, um mágico se hospedou no hotel. Ele vinha quase todos os dias e fazia seus truques para nós. Outra vez, um italiano gastou uma verdadeira fortuna comprando mimos para seus amigos. Pelo valor, ele devia ser amigo de toda a Itália!

Sofia era a minha companheira de turno e uma das pessoas mais engraçadas que conheci! Completamente pirada! E inventava as histórias mais malucas sobre cada  uma daquelas peças. Os clientes ouviam, maravilhados, enquanto ela discursava sobre as lendas das borboletas azuis e sobre as sementes dos colares! Todos raríssimos e cheios de mistérios! Eu ouvia fascinada, e logo aprendi a também contar o que eles estavam ávidos por ouvir! Aprendi muito com a Sofia!

A loja da frente era de discos. Jana era a menina que ficava na loja no mesmo turno que nós. Rick Wakeman estava no auge com Journey to the Centre of the Earth e The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table. Jana nos deixava ouvir e ouvir e ouvir sem parar! E dela ganhei de aniversário um colar de puka shells, meu maior objeto de desejo na época! Não tirava esse colar dos pescoço! E nem as 96  - sim, 96! - pulseiras coloridas que usava simultaneamente e que cobriam todo o meu antebraço. Essas pulseiras eram fininhas e vendidas em conjuntos de 4. Não tirava essas pulseiras!

O Sr. Stern adorava dar incertas nas lojas. Ele tinha um fusca velho que ele mesmo  dirigia. Mas as recepcionistas   da entrada do hotel, solidárias, acionavam o alerta e nos avisavam quando ele chegava! Assim, estávamos sempre impecáveis quando ele entrava feito um furacão, mal falava, olhava de cima a baixo e saia. Eu e Sofia, se não estávamos com clientes, fingíamos estar arrumando as vitrines ou repondo estoque. Eram funcionárias exemplares!

Deixei de trabalhar na H.Stern no ano do meu vestibular. Com muita pena, pois adorava trabalhar lá! Mas seria impossível conciliar as longas horas de trabalho com a preparação para entrar na UFRJ.

Hoje, lendo sobre a homologação do acordo de delação premiada da H.Stern, lembrei-me dessa época com saudades. E fiquei triste. E pensei em como essa relação política/empresarial é nociva e destrutiva. E em como um mundo de desejos reluzentes e preciosos se transforma em  cúmplice da falência de uma cidade.

Por romantismo ou pollyanismo, escolho a imagem daquela H.Sterm que me deu a primeira oportunidade de me descobrir como profissional e que me ensinou a encontrar  prazer no trabalho!


sábado, 25 de março de 2017

Sir Elton John, KBE. 70 anos.


A Ordem do Império Britânico  - "Para Deus e pelo Império" - foi criada pelo Rei George V em 1917 para honrar civis que tivessem contribuído com  feitos heroicos durante a guerra. Atualmente, a honraria estende-se aos cidadãos que se destacam na sociedade britânica. Assim, políticos, artistas, esportistas, cientistas, etc têm sido condecorados por suas excelências. A lista de indicados é analisada por um comitê,  submetida ao Primeiro Ministro e , por fim, levada à Rainha para a  decisão final. A cerimônia de investidura é realizada no Buckingham Palace pela  própria Rainha, e , na sua ausência ou impossibilidade, por outro membro graduado da Família Real. São cinco as ordens hierárquicas de condecoração e apenas as 2 mais altas dão direito ao uso de Sir, o título mais tradicional da maior monarquia do mundo.






Elton John foi condecorado em 1998 como Knight, Commander of the Order of the English Empire (KBE), sendo, desde então, Sir Elton. Reverência justa ao músico que tem escrito uma das histórias de maior sucesso no mundo. Mundo mais amplo do que letras e músicas, e que se estende ao seu reconhecido ativismo contra a AIDs e pelos movimentos sociais LGBT.

Elton John entrou na minha vida no início dos anos 70.   Skyline Pigeon, da  trilha musical da novela Carinhoso, foi a primeira música  dele que me marcou. Acho. Foram tantas músicas na sequência que não tenho mais certeza da cronologia. Mas lembro-me das aulas do IBEU em que a gente implorava pela letra da música. E cantava e cantava!





Rocket Man veio em seguida. Avassaladora! Tornou-se um verdadeiro hino!Na época, eu tinha uma amiga que morava no Leme, na Avenida Atlântica. Angela. Passávamos as tardes na casa dela, janelão pro mar, ouvindo Rocket Man sem parar. Sem parar. Sem parar.





Your Song foi determinante e é definitiva. Ainda que anterior a Skyline Pigeon e Rocket Man, para mim, chegou depois.  Dizem que ela foi feita em tempo recorde: Bernie Taupin escreveu a letra durante o café da manhã e Elton John levou 20 minutos pra compor a música.  Seja como for,  atravessa as décadas e as gerações como uma das músicas mais belas de todos os tempos!Em qualquer ritmo, em qualquer versão!





Mas foi Daniel a música que estabeleceu o  meu vínculo inquebrantável e indissolúvel com Sir Elton! Da primeira vez que a ouvi.  Indescritível e inexplicável. Ou tão indescritível e inexplicável como indescritíveis e inexplicáveis são as emoções que as artes nos provocam de forma pessoal e intransferível.  Daniel. Do you still feel the pain of the scars that won't heel. Daniel. You're a star in the face of the sky. Daniel. E se um dia eu tivesse um filho, o seu nome seria Daniel!






Goodbye Yellow Brick Road foi o meu primeiro grande álbum! Ganhei no Natal de 1973. Quatro LPs da maior qualidade! Músicas que marcaram a minha geração: Goodbye  Yellow Brick Road, Bennie and the Jets, Sweet Painted Lady, This Song Has No Title, All the Gilrs love Alice, Candle in the Wind e  tantas mais. A capa era maravilhosa! E, até o lançamento do The Wall do Pink Floyd, esse foi o meu álbum preferido! Mas  como competir com The Wall?




Tive a sorte de assistir a dois de seus shows: no Ibirapuera em 1995 e no Rock in Rio em 2011. Emoção. Muita emoção. Privilégio  ver ao vivo aquela figura extravagante, transgressora, com aqueles óculos espalhafatosos e os sapatos indiscretos, tocando a minha alma e as minhas memórias tão suavemente nas teclas do seu piano. Vê-lo no Rock in Rio foi especialmente emocionante. Em parte, por ouvir, pela primeira vez ao vivo, Tiny Dancer, música que se tornou, aos poucos e tardiamente, uma das minhas preferidas. Ainda hoje, fecho os olhos e consigo reviver aquele momento.




A verdade é que Elton John nunca  saiu da  minha trilha sonora.Nunca. E dentro da minha lista pessoal de vida, quatro de suas musicas sempre terão posição assegurada: Daniel. Sempre em primeiro lugar. E Rocket Man, Your Song e Tiny Dancer. Não necessariamente nessa ordem. Não necessariamente em qualquer ordem.

E fico pensando na sorte de pertencer a geração que adolesceu e adultou sob a sua influência musical. E na sorte de estabelecer referências musicais dessa qualidade.

E assusto-me com esse tempo que passa, corre, voa. E custo a crer que Elton John esteja completando 70 anos. Sete décadas. E custo mais ainda a  crer que faço parte de praticamente seis décadas dentro dessas sete.

Ao mesmo tempo, surpreendo-me com esse tempo quase estático, repetitivo e consistente que me permite  reviver e perpetuar  as memórias emocionais que sustentam a construção de novas memórias. São esses tempos musicais atemporais que pontuam, afinal,  a minha  própria temporalidade.

A minha vida tem sido trilhada em pautas musicais.  Às vezes intensas e ruidosas. Às vezes alegres e palpitantes. Ou românticas. Ou sofridas. Ou poéticas. Suaves. Belas. Tão belas. Ou nada. Apenas sons. Confusos e difusos. Mas que são eu.

Long live the Sir! Feliz 70 e muitos mais!




quinta-feira, 16 de março de 2017

Formatura.






Daniel, meu filho:

Olho para este certificado e as imagens se confundem diante dos meus olhos em indescritível emoção e imensurável orgulho!

Esse certificado é resultado de sua longa e rica trajetória acadêmica. Do primeiro dia na Passo a Passo, depois passando pela San Lucas em Buenos Aires, Baldwin em Porto Rico, Graded em São Paulo, EARJ no Rio de Janeiro, de volta a Graded, Santa Cruz, La Rochelle na França, Intergraus, USP, Nanterre na França e finalmente de volta a USP, experiências, vivências e aprendizados que vão muito além do conhecimento formal e que construíram seus sonhos, cenários, personagens, figurinos e mundos que se sobrepõem e se completam. Mundos possíveis, imaginários e até mesmo não possíveis. Pois  não há limite para o desejo e a confiança no mundo que queremos criar e viver.

Esse certificado é também resultado de uma vida afetiva - familiar e social - sólida, transparente, agregadora e acolhedora. Família - todos os ramos e facções - que te amam, apoiam, incentivam, se alegram, sofrem e torcem junto. Sempre. Incondicionalmente.

Continuo a olhar esse certificado e ele se transforma na imagem do dia em que você nasceu. Tão pequenininho. E me lembro de tudo o que eu e seu pai sentimos e desejamos pra você naquele momento. A sua felicidade. Plena. Absoluta. Desmedida. Arrebatadora. Inconformada. Transformadora. Sem pretensões, preconceitos ou julgamentos. Libertadora. Generosa. Solidária. Emocionada e emocionante. Consciente. Inconsciente. Funda e profunda.

Esse certificado abre as portas para o mundo ilimitado de oportunidades que você saberá avaliar e escolher. Use-o com responsabilidade, justiça e dentro dos princípios e valores que, sei, você cultiva. Princípios que sempre nos encheram de orgulho e que fazem de você essa pessoal especial e iluminada. Princípios que te guiarão para a felicidade que sonhamos pra você.

O palco, a partir de agora, é oficialmente seu! Acenda suas luzes! Viva seus enredos! Seja todas as suas personagens! E brilhe! Muito! Sempre! Eu, seu pai, sua irmã, avós, tios, primos, afilhados, amigos e todos que ainda estão por vir, estaremos sempre aplaudindo o seu sucesso! Tietagem pura! Na primeira fila!

MERDAAAAAAAAAAAAAAA!!

Beijos.





quarta-feira, 8 de março de 2017

Dia Mundial das Aranhas.







Fiar e tecer são artes femininas tão antigas quanto a história do mundo. Fios das mais diversas texturas, resistências e cores foram/são usados em atos criativos e expansivos, tão reais quanto simbólicos.

Vários são os mitos de deusas e seus poderes proféticos e mantenedores da ordem cósmica diretamente associados aos movimentos cíclicos e de alternância da tecelagem. E assim, fios mágicos e míticos respondem pela criação dos elementos da natureza e do tempo. Tão frágeis quanto potentes e resistentes, os fios criam e sustentam os destinos dos seres humanos.

Mais além, ainda que a história da humanidade tenha sido/ainda seja contabilizada pela equivocada ótica dos feitos quase que exclusivamente do universo masculino, é o universo feminino, paralelo, misterioso e sutil que efetivamente promove as transformações e as perpetua na memória coletiva.

Fios de histórias - concretas, traduzidas, sonhadas, imaginadas, inventadas - tecem nossas teias de valores, símbolos e identidades. É esse o segredo e missão da natureza feminina.

Surge, assim, a aranha como símbolo maior do trabalho meticuloso e incansável de capturar , desconstruir e renovar complexas teias. Guardiã da ordem, tecelã da sustentação, transmissora da memória.

Aranhas do mundo!!! Dia de recarregar fontes de inspiração e criatividade para  novas teias!!! Delicadas, coloridas,  inesperadas, inusitadas e transgressoras e que nos salvarão da irreversível desumanidade!!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Memórias de Carnaval.

"Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando e não posso falar... Tô me guardando pra quando o Carnaval chegar..." (Quando o Carnaval Chegar - Chico Buarque)





Adoro carnaval! Adoro a alegria vibrante, pulsante, contagiante! Adoro a criatividade, a ousadia, a transgressão, a subversão! Adoro as tantas manifestações soltas e loucas! Adoro as cores, texturas, sonoridades, sabores, odores! Adoro a mistura, a permeabilidade, a osmose! Adoro os espaços de ninguém e de todos, os tempos suspensos e esticados! Adoro a pausa permitida e permissiva!

Minhas memórias carnavalescas mais remotas são dos bailes infantis que minha tia Guanahyra, irmã da minha mãe, nos levava. Na época, morávamos em Belo Horizonte e passávamos as férias no Rio. A tia nos levava nas matinês de domingo, devidamente munidas dos confetes e serpentinas que tanto amávamos! Lembro-me, em especial, das nossas fantasias de havaiana, embora de olhos bem compridos para  a de melindrosa que nossa prima Marcinha usava. Aquela cigarrilha longa era tão chique! Deve ser por isso que melindrosa sempre foi a minha fantasia preferida! E demorei muitos anos até ter uma!

Os carnavais do início da minha adolescência foram na quadra da Vila Isabel. Minha tia Yara, outra irmã da minha mãe, tio Carlos e meus primos eram sócios ativos e grandes foliões! Todos com muito samba no pé! Minha tia não parava um minuto e, no auge da animação, rodopiava lindamente como uma baiana na avenida! Como aproveitamos aqueles bailes! Primeiras paqueras de carnaval, blocos de pareô, quantas lembranças boas! Foi ali, naquela quadra, que participei do primeiro ensaio de escola de samba da minha vida: "ó cirandeiro, ó cirandeiro ó, a pedra do teu anel brilha mais do que o sol" em 1972.

Em seguida vieram os dourados anos dourados. Ano após ano. Olhos compridos nos famosos bailes do Monte Líbano ali ao lado, mas firmes e fortes na comportada AABB. Quantos carnavais! Fantasias exclusivíssimas made by D.Algenir. Novas adesões dos amigos do Colégio de Aplicação a cada ano. Como nos divertíamos! Quantas vezes saímos dos bailes e fomos pra Av. Presidente Vargas pegar o final dos desfiles das escolas de samba! Andávamos, andávamos e a bendita entrada não chegava nunca! "E onde vamos fazer a curva? Lá na m...?" Quantos desfiles maravilhosos conseguimos assistir de penetras já à luz da manhã... Doces lembranças de uma adolescência inesquecível!

Minha mudança para São Paulo em 1978 mudou também os meus salões carnavalescos. D.Toninha e Sr. Lorival, amigos dos meus pais, tinham uma fazenda em Birigui, interior de São Paulo, coladinha em Araçatuba. E foi lá que passei as temporadas de muito sol, piscina e estrada de terra nos carnavais do início dos anos 80! Só havia um clube na cidade e todos iam aos mesmos bailes. Éramos quatro amigas no frisson dos preparativos, no troca troca interminável de roupas, nas táticas de paquera, nas confidências no day after, sempre com o lança-perfume que, graças a Deus, nunca faltava! As idas e vindas pela estrada de terra, as entradas sorrateiras pela porta dos fundos com o dia já adiantado e as sonecas preguiçosas nos colchões da piscina "pra não perder o bronzeado"! Bom demais!

Depois veio a Sapucaí. Solo sagrado! E palco do espetáculo mais lindo dessa Terra - e acredito que de todas as outras Terras! Fui a muitos desfiles na Sapucaí! Coração sempre batendo forte! Com emoção palpitante a cada entrada da minha Mangueira! Meu coração é verde e rosa! Com torcida também sempre fiel pra minha também Vila Isabel.   Com olhos embotados de coloridos deslumbrantes e ouvidos tomados por sambas inesquecíveis.  Quem já atravessou a Sapucaí atravessa um tipo de umbral onde magia e energia se misturam e impregnam para sempre e sempre mais! Não se sai incólume dessa experiência.

O tempo do carnaval é irreverente e caprichoso. E pula e brinca e se inventa. E acha na genética o seu jeito próprio de se fazer presente. E foi nesse tempo emprestado e herdado que o carnaval dos meus filhos se construiu/constrói. No tempo e na sedução de fantasiar-se, de tornar-se outro, fazer-se outro. Daniel é folião.  Mangueirense como eu. E bloquista convicto em ritos sagrados de produção. Marina, mais contida, revela-se no Sargento Pimenta. Foi minha companheira em um dos desfiles da Vila Isabel.  Mas aproveita a folia tanto quanto a calmaria. Tudo vale!

 E, afinal,  já não dizia o poeta que tudo vale a pena se a alma não é pequena? E que tamanho tem a alma inundada de tantos carnavais?






quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Februaris. A César o que é de César.

Um pouco de história para entender por que o mês de fevereiro tem só 28 dias...




O primeiro calendário romano tinha apenas 10 meses, sendo março o primeiro. Os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro são, portanto, respectivamente,  referências à sua ordem -   7ª, 8ª, 9ª e 10ª - no calendário. 

Naquela época, os conhecimentos dos solstícios de verão e inverno e equinócios da primavera e do outono já eram muito desenvolvidos e precisos,  calculando cerca de 365 dias entre  dois eventos de cada tipo. 

Os romanos também achavam mais fácil seguir o calendário lunar, mas alteraram os ciclos para 30 e 31 dias,  deixando de fora do calendário cerca de 60 dias.

Numa Pompilius, ao se tornar rei de Roma, promoveu as primeiras mudanças no calendário. Primeiro, mudou todos os meses para números ímpar de dias, pois acreditava que números pares davam azar. Assim, os meses passaram a ter 29 ou 31 dias.  Além disso, criou 12 ciclos lunares ao invés de 10, acrescentando 2 meses a mais ao calendário: janeiro, com 29 dias e fevereiro, com 28 dias. Fevereiro, dedicado a Februa, rito de purificação, estaria isento do azar de ter número de dias pares.

Mas o calendário continuava impreciso e, comparado com o calendário solar, utilizado, por exemplo, pelos egípcios, estava em desacordo com as estações do ano.

Júlio César, ao assumir o poder, adotou o calendário solar de 365 dias e distribuiu os dias que restavam pelos meses, mantendo fevereiro com 29 dias.

Mas tem mais! Dedicaram o mês de julho a Júlio César e o mês de agosto a César Augusto. E assim criou-se um impasse, pois, afinal, os meses deveriam ter o mesmo número de dias para não indicar qualquer favorecimento a um ou outro. A solução foi tirar um dia de fevereiro, pois, afinal, já era mesmo um mês muito particular, e aumentar agosto para 31 dias.

E assim foi feito. E seguimos até hoje. E fevereiro mantém seus 28 dias, com exceção dos anos bissextos, onde ganha um dia a mais. 

Curiosidades... Meras curiosidades...