quinta-feira, 6 de abril de 2017

H.Stern. O primeiro emprego a gente nunca esquece.







O meu primeiro emprego formal, com carteira assinada,  foi na H.Stern. Eu tinha 16 anos, acabado de voltar do intercâmbio dos Estados Unidos e com muita vontade de ganhar o meu próprio dinheiro. Estudava pela manhã no Colégio de Aplicação da UFRJ e passei a trabalhar das 14:00 às 22:00 todos os dias.

Eu era recepcionista na loja da Avenida Atlântica, ao lado do Copacabana Palace. Minha função era assessorar os vendedores. Eu ficava de pé, ao lado da mesa onde os clientes eram atendidos, e ia e vinha do estoque com as bandejas dos potenciais produtos. Cada bandeja tinha um código, baseado nas pedras e no tipo de joia (anel, brinco, pingente, etc). Eu não podia me dirigir ao cliente e aguardava os pedidos do vendedor para trazer as bandejas numeradas. Achava os vendedores o máximo! Elegantes, chiques, e como sabiam seduzir os clientes! Dois em especial me tratavam com muita consideração e com eles aprendi muito sobre pedras: os nomes, as tonalidades, a pureza, a lapidação, e mais. Aprendi também que há gosto e mau gosto pra tudo!

A responsável pelo estoque era uma moça jovem, grávida do primeiro filho, e que nos deixava experimentar as joias nos intervalos! Experimentei tesouros! Joias dignas de rainhas! E rapidamente desenvolvi o meu gosto muito particular para joias.

Naquela época, a loja central ficava no centro e os treinamentos eram feitos lá. . Conhecíamos a história da empresa e também cada etapa do processo: da pedra bruta a joia pronta. Que universo fascinante e sedutor! E que profissionais talentosos e criativos! Adorava ver a área de lapidação! Que precisão! Que concentração!

Depois de oito meses, fui transferida para o Hotel Sheraton na Avenida Niemeyer. O hotel tinha acabado de inaugurar e a H.Stern tinha 3 lojas lá: a tradicional de joias, a de artesanato (Curio) e a de conveniência. Fui trabalhar na Curio, que vendia de pratos de borboleta a estatuetas do Corcovado. Apesar de não trabalhar com as joias, foi o período mais legal, porque passei a ter contato direto com os clientes. O melhor é que os hóspedes vinham frequentemente à loja, mas deixavam para comprar apenas na hora de ir embora e, assim, mantínhamos uma relação estreita com eles. Conheci muita gente legal. Uma vez, um mágico se hospedou no hotel. Ele vinha quase todos os dias e fazia seus truques para nós. Outra vez, um italiano gastou uma verdadeira fortuna comprando mimos para seus amigos. Pelo valor, ele devia ser amigo de toda a Itália!

Sofia era a minha companheira de turno e uma das pessoas mais engraçadas que conheci! Completamente pirada! E inventava as histórias mais malucas sobre cada  uma daquelas peças. Os clientes ouviam, maravilhados, enquanto ela discursava sobre as lendas das borboletas azuis e sobre as sementes dos colares! Todos raríssimos e cheios de mistérios! Eu ouvia fascinada, e logo aprendi a também contar o que eles estavam ávidos por ouvir! Aprendi muito com a Sofia!

A loja da frente era de discos. Jana era a menina que ficava na loja no mesmo turno que nós. Rick Wakeman estava no auge com Journey to the Centre of the Earth e The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table. Jana nos deixava ouvir e ouvir e ouvir sem parar! E dela ganhei de aniversário um colar de puka shells, meu maior objeto de desejo na época! Não tirava esse colar dos pescoço! E nem as 96  - sim, 96! - pulseiras coloridas que usava simultaneamente e que cobriam todo o meu antebraço. Essas pulseiras eram fininhas e vendidas em conjuntos de 4. Não tirava essas pulseiras!

O Sr. Stern adorava dar incertas nas lojas. Ele tinha um fusca velho que ele mesmo  dirigia. Mas as recepcionistas   da entrada do hotel, solidárias, acionavam o alerta e nos avisavam quando ele chegava! Assim, estávamos sempre impecáveis quando ele entrava feito um furacão, mal falava, olhava de cima a baixo e saia. Eu e Sofia, se não estávamos com clientes, fingíamos estar arrumando as vitrines ou repondo estoque. Eram funcionárias exemplares!

Deixei de trabalhar na H.Stern no ano do meu vestibular. Com muita pena, pois adorava trabalhar lá! Mas seria impossível conciliar as longas horas de trabalho com a preparação para entrar na UFRJ.

Hoje, lendo sobre a homologação do acordo de delação premiada da H.Stern, lembrei-me dessa época com saudades. E fiquei triste. E pensei em como essa relação política/empresarial é nociva e destrutiva. E em como um mundo de desejos reluzentes e preciosos se transforma em  cúmplice da falência de uma cidade.

Por romantismo ou pollyanismo, escolho a imagem daquela H.Sterm que me deu a primeira oportunidade de me descobrir como profissional e que me ensinou a encontrar  prazer no trabalho!


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