Ali ali só ali se se alice ali se visse quanto alice viu e não disse se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece (Paulo Leminski)
quarta-feira, 6 de setembro de 2017
Imaginai. O imperativo essencial.
Vivenciar a experiência teatral na sua plenitude é, acima de tudo, entregar-se à imaginação. Entregar-se verdadeiramente. Sem resistência. Sem escrúpulos.
Se, na fração do tempo imensurável entre a cortina se abrir e o palco ganhar vida, a imaginação não assumir o protagonismo absoluto sobre os nossos filtros de realidade e distanciamento, a mágica do teatro não se dá. A cumplicidade entre público e palco é determinante para que, naquele espaço, tudo caiba, tudo possa, tudo permita.
Fechar os olhos, suspender a respiração, aguçar os sentidos e e mentalizar o mantra "Imaginai! Imaginai!" é a porta de entrada para o ritual teatral na sua mais primitiva essência.
Como, portanto, imaginar nome mais perfeito para a obra recém lançada sobre o Teatro de Gabriel Villela? O teatro do Biel é o mais indecoroso convite à lascívia da imaginação. Imaginai o inimaginável! E o palco o revelará!
O livro organiza, de forma impecável, a trajetória criativa do Gabriel. De "Você vai ver o que você vai ver" (1989) a Boca de Ouro (atualmente em cartaz), são 28 anos de carreira! São 43 peças, das mais clássicas a textos atuais e mais populares, além de shows e óperas. E, a cada produção, o limite da imaginação é desafiado e, com muita competência, atravessado.
Dib Carneiro Neto e Rodrigo Audi reuniram depoimentos e fotos, além de memórias e percepções do próprio Gabriel para produzir esse compêndio barroco. Que trabalho incrível! Que travessia convidativa! Que resultado fantástico!
O livro chama atenção pela potência visual. Como o próprio Rodrigo Audi colocou, os fotógrafos de palco são os responsáveis pelos registros perpetuados das produções teatrais. Sem o seu olhar preciso, atento, além, detalhista, sensível e emotivo, a mágica do palco não conseguiria ser capturada, capsulada, e, reverencialmente, eternizada. Cada uma das belíssimas fotos tem alma de palco, de texto, de atores, de figurinos, de cenários, de iluminação, de maquiagem, de música, de ensaios, de estudo, de leituras, de adereços, de medo, de frio na barriga, de euforia. E de direção. Os olhos ardem de tanta beleza. Os olhos ajustam suas miopias febris para experimentar as texturas, temperaturas e sensações.
Imaginai!! Os bastidores de cada uma das 42 peças organizadas! Imaginai! As fotos escolhidas para cada uma delas! Imaginai! Relatos e depoimentos deliciosos de colegas, atores, críticos e parceiros profissionais! Imaginai! Está quase tudo ali.Aqui. Nas minhas mãos.
Conheci o Biel - e o seu teatro - em 1990 com "Vem buscar-me que ainda sou teu". Uma montagem que me provocou inquietude por ser tão fora dos padrões a que estava acostumada. Mas não a inquietude incômoda ou desconfortável, mas sim, a inquietude curiosa. E cautelosa, por não saber exatamente a que me abria.
Acho que só entendi realmente a magnitude do talento criativo do Biel depois que conheci a sua casa em Carmo do Rio Claro. E o seu atelier. Não me esqueço da minha primeira estadia lá! O cenário é tão arrebatador, as referências são tão abundantes, o contágio barroco é tão inevitável, que tudo passa a fazer sentido. Ou justamente o contrário! Mas que é, no fim, a mesma coisa. Pelas mãos do Biel, conheci a igrejinha do Itaci e a restauração dos anjinhos barrocos. Conheci as tecelagens carmelitanas. Conheci as docerias artesanais. Entendi que terceiras margens não são para todos. E ouvi histórias locais e universais.
Há uma história que não está em Imaginai!, mas que vive na minha memória. Em algum momento que não sei precisar, lançaram uma coletânea de músicas do Chico Buarque e alguns artistas foram convidados a produzir alguma coisa sobre elas para a exposição de seu lançamento. Ao Gabriel, coube Com Açucar com Afeto. Ele, então, escreveu toda a letra da música nos doces caseiros locais, colocou tudo num tacho mineiro e lá foi pra exposição. O engraçado da história é que os visitantes entenderam que os doces eram pra ser comidos e acabou tudo. Não me lembro se deu tempo para reporem para os próximos dias ou se a exposição ficou mesmo desfalcada! Amo essa história! E amo imaginar a doçura dos doces carmelitanos associados ao açúcar do meu compositor favorito!
Desde então, sou fã assumida e rendida. Surpreendo-me a cada nova produção! Emociono-me a cada nova montagem. Aprendo. Muito. Desequilibro-me. Acho chãos.
Passou e repasso essas páginas com a cumplicidade pelas peças que tive a sorte de ver! E com o arrependimento pelas que não vi. Assim é o teatro. O que foi, foi. Ficou ali, no palco silencioso e à espera.
Imaginai! é apropriação egoísta. Mas justificada pela imaginação realizada em mão dupla. E endossada pela alegria e orgulho das últimas páginas também já contarem um pouco a trajetória do meu filho!
Imaginai! Imperativo. Essencial.
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