domingo, 3 de setembro de 2017

A alquimia de Bingo - O Rei das Manhãs.

"Tem gente que nasceu para ser formiga, tem gente que nasceu para ser cigarra. Nós nascemos para ser mariposas. Adoramos a luz." (Bingo - O rei das Manhãs)



Bingo - o Rei das Manhãs - é um filme alquímico.  O editor Daniel Rezende (Cidade de Deus, Tropa de Elite, Árvore da  Vida) fez-se diretor.  Bonzo virou  Bingo, SBT virou TVP,  Rede Globo virou Mundial, Xuxa virou  Lulu,  Marcia de Windsor virou Marta Mendes e Arlindo Barreto , o Augusto Mendes, tornou-se um dos melhores personagens já produzidos pelo cinema brasileiro!

Os bastidores da tv brasileira nos tresloucados anos 80 são o pano de fundo  para a trajetória de Augusto Mendes, o palhaço que revolucionou as manhãs infantis! Uma trajetória permeada de comicidade, ternura, afetos, desafetos, decepções, vícios e perdas. Sem pretensões de potencializar o cômico ou o trágico, as alternâncias são reais e críveis. Partes inseparáveis de quem viveu dentro da arte e que apenas conhece os holofotes como validação de identidade. Na medida certa.

Dizem que o Brasil não é para principiantes. Bingo confirma a tese. Só mesmo no Brasil, um ator de pornochanchadas viraria o ídolo de milhões de  crianças. Só mesmo aqui, o formato hermético do sucesso americano cederia à  transgressão de Gretchen, em roupas mínimas, rebolar Conga Conga Conga em pleno horário matutino! E só aqui um ator reabilitado do abuso das drogas, após o auge da fama, encontraria o  seu verdadeiro palco na religião evangélica.

Bingo é um filme de camadas. Camadas que, ainda que intencionalmente leves, são  tão densas e intensas quanto às máscaras que o anonimato obrigatório esconde. Por trás dos quilos de cores, as fragilidades humanas. Por trás das roupas e cabelos extravagantes, as inseguranças e limitações. Por trás da briga pela audiência, as vaidades e sordidez dos números que determinam sucessos e derrotas. Um filme que orgulha o cinema nacional!

O elenco, ainda que majoritariamente coadjuvante, está afinado e alinhado! Leandra Leal dá show! Que grande atriz! Ana Lucia Torre está ótima como a mãe amarga e decadente... O menino Cauã Martins emociona como Gabriel. Tainá Muller é a ex-mulher e Emmanuelle Araújo encarna uma Gretchen perfeita!  A emoção maior fica por conta de Domingos Montagner como mentor circense de Bingo. Sua morte trágica ainda é recente e vê-lo como palhaço, como início mesmo de sua carreira, é tocante.

Vladimir Brichta está perfeito no papel! Desaparece atrás do nariz de palhaço para aparecer, sem a maquiagem, com todas as suas humanidades. Sopros de leveza e  apertos de tristeza.

A trilha sonora impecável é uma viagem no tempo! Assim como a perfeita ambientação e figurinos!

Engraçada essa coisa de palhaço... No dicionário dos símbolos, o palhaço representa o reverso da medalha da realeza, opondo-se à soberania com irreverência; ao temor com o riso; ao sagrado com o profano. Palhaços provocam reações extremas, que oscilam da admiração ao medo. Mas jamais indiferença! Alguns transpiram alegria genuína; outros, melancolia. Seja como for, são determinantes na formação do nosso imaginário e na nossa percepção das mazelas humanas como objeto de riso.

Bingo vai além dos exageros e superlativos que encenam o trivial. E revela a vida oculta atrás dos trajes e trejeitos inusitados. Vidas mariposas, sempre à busca de luz.




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