sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Dois Papas. Indulgência e Redenção.










"A confissão limpa a alma do pecador, mas não ajuda a vítima." (Jorge Bergoglio, em Dois Papas).


Talvez não haja, em toda a história da humanidade, figura mais simbólica de poder do que o Papa. O Papa abarca  não uma, mas TODAS as esferas de poder. O Papa exerce influência espiritual, política, jurídica, social e até científica. O Papa pode atuar nas questões mais complexas e mediar os conflitos mais inconciliáveis. O Papa pode construir pontes de convivência ou muros de intolerância.

Em volta da figura poderosa do Papa, a Igreja Católica construiu um Império  potente, combatente e suntuoso. Mais  do que qualquer outro! E com ritos de majestade e opulência que sempre impuseram respeito e temor. A Igreja intimida. Faz-nos  frágeis, dependentes,  insuficientes.

A Igreja foi absolutamente competente em manter-se forte e dominante ao longo de 2000 anos. Mesmo às custas de episódios  obscuros e violentos, impôs silêncios, exigiu reconhecimento. Em nome de Deus, tudo era permitido e justificável.

Mas o final do século XX alterou a onipotência inquestionável da Igreja. E, em linha com questionamentos sobre éticas, condutas, abusos, etc, a sociedade moderna passou a criticar - e a cobrar - admissão de culpa e ações contra os abusos financeiros, sexuais e humanitários fartamente conhecidos - e nunca punidos - pelos seus representantes.

Indulgência e Redenção. É nessa dicotomia que Dois Papas se apoia para apresentar um filme, antes de tudo, de uma delicadeza tocante. Delicadeza necessária em tempos tão raivosos. Delicadeza sensível para tratar de temas tão controversos.

O encontro raríssimo entre dois Papas: o que renunciaria e o que o substituiria. O alemão Joseph Ratzinger de um lado, o argentino Jorge Bergoglio de outro. Um conservador e determinado a manter as mesmas bases de poder de um lado, um progressista e disposto a promover mudanças de outro. Um pela indulgência. Outro pela redenção.

O maior mérito do filme é humanizar a figura divinizada dos Papas. Ao mostrar as respectivas motivações, dúvidas, conflitos e limitações, o preto e branco abrem-se em cinzas profundos. A fé em si, o exercício individual dessa fé e o gerenciamento dessa fé ganham nuances contrastantes e compreensíveis.

Papa Bento XVI e Papa Francisco. Dois Papas que vivem a contemporaneidade acelerada e de transformações profundas. Um é contido, solitário, erudito, convicto, inflexível. O outro é expansivo, com senso de humor ("sou argentino. Tango e futebol são compulsórios."), sociável, humilde, flexível. Entre os dois, - em em visões antagônicas -  a responsabilidade e o futuro da Igreja.

Anthony Hopkins e Jonathan Pryce estão simplesmente sensacionais! Mestres da atuação! Que experiência vê-los nas cenas! Impossível não destacar a cena das confissões... Quanta beleza nos olhares e gestos...

Os diálogos são maravilhosos! Que roteiro! Que conteúdos! Quantas reflexões atuais e pertinentes! Tão necessárias!

Que cenários! Jardins, Vaticano, Capela Sistina. Que ambientação! Que reprodução do luxo, da opulência, dos rituais!


















Que referências musicais inesperadas! ABBA, Beatles,  Mercedes Sosa, Besame Mucho, e por aí vai. Que salada mista deliciosa!

Que belíssima  direção do Fernando Meirelles! Madura, sagaz, fluida!

Ainda que a maior parte das situações sejam ficcionais, a pertinência do confronto de ideias, de vocação e de visões abre uma importantíssima porta de discussão. Sobre religião. Sobre política. Sobre humanidades.

E, principalmente, sobre os limites e consequências das nossas atitudes indulgentes e/ou redentoras.



quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Tia Vera.









Tia Vera não era irmã da minha mãe de verdade. Mas era irmã da minha mãe de verdade.  Uma irmã muito próxima, sempre presente, parte indissolúvel da história da minha mãe. Dos meus pais. Da nossa. Da minha.

Tia Vera não era minha tia de verdade. Mas era minha tia de verdade. Uma das maiores referências de tia que tive. E cuja presença me marcou em todas as fases da minha vida.

Tia Vera era linda! Chique. Elegante. Sempre impecável. Dos pés à cabeça. Acordava já arrumadíssima! Nenhum fio de cabelo fora dol ugar. As unhas sempre feitas. A roupa sempre adequada. E sempre com joias. Aliás, acho que não houve casamento mais feliz do que ela e as joias. Completavam-se. Entendiam-se. Uma sempre valorizava a outra.

Tia Vera tem a casa mais linda que já conheci! De um bom gosto incomparável! Cada canto, cada peça, cada objeto, cada detalhe de encher os olhos! Peças belíssimas! Composições de pura arte. Uma casa tão bela quanto acolhedora. Uma casa onde sempre me senti em casa. E que me maravilhava pela beleza e sofisticação.

Tia Vera tinha uma personalidade forte. Muito forte. Marcante. E que se impunha. Suavemente. Pensando bem, acho que nunca ouvi a tia Vera falar mais alto ou mais rispidamente com quem quer que seja. A voz era sempre pausada, tom baixo. Mas com muita autoridade. E de senso humor fino e sempre tão pertinente! Era um prazer estar e conversar com ela!

Tia Vera adorava dar ordens! Ela se auto intitulava general. Ria de si mesma  pela patente conferida. E era mesmo um general. Tudo à sua volta funcionava perfeitamente. Não descuidava de nada e de ninguém. Estava à frente de tudo! Era de uma eficiência absurda!

Tia Vera inventou o empoderamento feminino. Mesmo. Se houve uma mulher empoderada, foi ela! Versátil, mil facetas, mil habilidades, mil competências. Mil de tudo! Sem nunca descuidar da família, das amigas, da religião.

Tia Vera passou por perdas profundas. Perdeu um filho, perdeu um genro muito querido, perdeu um neto, perdeu o marido, meu querido e saudoso tio Orlando. Enfrentou cada perda com a altivez de uma rainha e reinventou-se a cada uma, sempre surpreendendo pela fortaleza e capacidade de manter-se firme, inteira.  Pela e para a família.

Tia Vera e minha mãe são amigas há 70 anos. Uma amizade mais longeva do que a vida de muitas pessoas. Meu pai e meu tio trabalhavam juntos e eram amigos antes mesmo de se casarem. Meus pais se casaram num janeiro e tia Vera e tio Orlando em dezembro do mesmo ano. Meus pais tiveram 5 filhos; eles tiveram 6. E assim crescemos nós, os filhos, construindo, nos laços dessa amizade tão rara, nossos próprios laços de afeto. E assim ganhamos esses primos de vida, a quem amamos profundamente!

Tia Vera foi a porta de entrada na nossa mudança para São Paulo em 1978. Foi a guia da minha mãe. Ensinou o caminho das pedras. E trouxe para a vida da minha mãe outras tantas amigas... Amigas  que também adotamos como tias e de quem também herdamos primos e primas tão queridos!

Tia Vera foi a mão que segurou a mão da minha mãe quando o meu pai morreu. Mão que nunca largou. Nunca se largaram. Nunca. Mãos atadas, preocupadas, confortadoras. Mãos habilidosas que crochetavam incessantemente enquanto teciam e curavam suas dores e saudades.

Passei muitas férias na casa da Tia Vera. Ia com eles pra Campos de Jordão. Namorava o vizinho. Divertia-me com os amigos. Tantas ótimas lembranças... E a minha tia general sempre dando as ordens: "Maria Alice, vista assim, não vista assado." "Maria Alice, precisa fazer com que sua mãe faça isso, ou aquilo." "Andréa, precisa chamar o padre para dar benção à sua mãe." "Andréa, já falou com o padre?" "Maria Alice, falei com a Andréa, mas ela não chamou o padre. Precisa." E agora, mais recentemente, "Andréa precisa cortar o cabelo." "Maria Alice, você não pode deixar o cabelo grisalho." Quem conhece a tia Vera pode até ouvir o tom com que ela fazia esses comentários!

Tia Vera teve um AVC há alguns anos. Recuperou-se, ainda que não totalmente, com a determinação e amor à vida que sempre demonstrou! Minha mãe, por sua vez, cada vez vai ficando mais frágil... E meu coração se enche de amor lembrando-me das duas, principalmente nesses dois últimos anos, visitando-se com todas as limitações físicas e mentais, mas querendo estar juntas, dando-se as mãos nunca desatadas, estando. Estando. Do lado. Ao lado. Onde sempre estiveram. Como sempre estiveram.

Tia Vera nos deixou na última terça-feira. Perdeu uma longa batalha que travava há seis meses. E nossos corações se apertam, tomados de imensa tristeza...

O mundo fica menos chique. Menos elegante. Menos poderoso.

E a mão da minha mãe fica solta... Ela, ainda que não saiba, - felizmente! - perde a sua maior e melhor amiga...

E nós todos, os 5 de cá e os 5 de lá, estendemos os nossos  corações para que essa linda história de amizade se perpetue em nós!












quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Carta para Marcela.

Cecela:

Eu sei que hoje o dia deveria ser só seu. E até é. Em parte. Porque esse dia, na verdade,  é nosso. Egoisticamente, sem qualquer pudor, apodero-me do seu dia porque, nele, no seu dia, no dia 21 de novembro de 1974, no dia em que você nasceu, nasci também. Como tia pela primeira vez. Como sua tia.





O seu nascimento foi um dos momentos mais transformadores da minha vida. Das nossas vidas. De todos nós que te amamos. E que te esperamos tão ansiosamente. E que te recebemos com o amor maior que cabia em nós. Amor que nem coube. Transbordou. Ainda transborda. Todos os dias.

Quando eu soube que você ia chegar, eu estava no programa de intercâmbio nos EUA. Recebi a notícia "oficial" POR CARTA ESCRITA PELO SEU PAI!!! Acredita?? Extra-oficialmente, por cartas da sua mãe e da vovó. Eu fiquei tão feliz!!! Tão feliz!!! E te trouxe roupinhas de bebê e, pasme, fraldas descartáveis, que ainda não estavam disponíveis no Brasil. Poucas, é verdade, pois era o que dava para acomodar na mala, mas um pouquinho deve ter ajudado a sua mãe.

Você chegou numa quinta-feira. Que quinta-feira feliz! Seu avô Darc, por exemplo, subiu correndo as escadas do Silvestre pra te conhecer. Vovó Ieda preparou a sua coleção de vestidinhos bordados. Os mais lindos que já vi.  Tia Eli preparou a notificação do seu nascimento. E nós todos não contínhamos a nossa alegria pela sua chegada. Acho que todo mundo que a gente conhecia sabia que você tinha nascido. Acho que até quem a gente nem conhecia.





E você era tão linda... Moreninha. Olhar atento, observador. O mesmo olhar atento e observador (e crítico!) que se tornou a sua marca registrada.

Acho que fui te ver TODOS OS DIAS durante as primeiras semanas. Não me cansava de olhar aquela bebezinha linda! Minha sobrinha! Minha primeira sobrinha! Adorava ajudar a sua mãe. Adorava cuidar de você. Lembro-me da formatura da sua mãe, apenas algumas semanas depois do seu nascimento. Seu pai, vovó e vovô foram à cerimônia e sua avó Nair ia ficar com você. Fiquei junto. E tinha certeza de que saberia cuidar de você melhor do que ela (cá entre nós, que nem ela e nem seu pai me leiam, cuidava melhor mesmo!)






Com você, conheci esse universo inesgotável das emoções de ser tia. Você me ensinou esse amor que é fruto do amor entre irmãs e que, automaticamente, genuinamente, espontaneamente, se transfere para aquele serzinho frágil e dependente. Mas um amor que, aos poucos, toma forma única, pessoal, independente. E acha a sua própria forma de expressão e emoção.  Amor que cresce e constrói laços, afinidades, memórias.

Sua mãe foi muito generosa nesse sentido. Deu-nos livre acesso e permitiu, sem restrições, que fizéssemos parte da sua vida. Hoje acho que ela era louca. Ou irresponsável. Ou ambos. Porque te levávamos pra cima e pra baixo. De ônibus, à praia, ao circo, e onde mais quiséssemos. E você, pequenininha, se agarrava no nosso colo. E eu derretia de amor...

Com você vivemos todas as primeiras vezes: primeiro banho, primeira papinha, primeira risada, primeiro dentinho, engatinhar, andar, primeiras palavras, primeiro aniversário, primeiro dia de escola (fomos em comitiva!), primeira festa junina, primeiros, primeiros, primeiros! É bem verdade que tivemos que pagar alguns micos também. O mais traumático era empurrar o carrinho vazio pela General Glicério, com as pessoas se virando pra ver o bebê dentro e não ter bebê dentro. O seu carrinho de bebê ficava na casa da vovó, porque era puxado para a sua mãe empurrá-lo na ladeira em que você morava. Na hora do seu passeio, uma de nós levava o carrinho até a descida da Luis Catanhede. E, quando acabava o passeio de Sua Majestade, levávamos o carrinho  - vazio - de volta. Nada divertido!

Mas nada, nada supera a emoção da primeira vez em que você me chamou de Ticinha! Foi na sua casa. Em alto e bom tom. Desse jeitinho certinho com que você pronunciava cada sílaba! TI-CI-NHA!! Meu Deus! Quase morri!!





E você foi crescendo, crescendo, crescendo. E tornando-se essa pessoa tão especial. Tão opinada. Com aquele olhar apertado de quem está elaborando uma nova teoria da relatividade. E tão cheia de surpresas! A maior pesquisadora da internet. A que transita entre sanduíches decorados, bolos confeitados, aulas de árabe e nem sei mais o quê.

Companheira! Ajudou tanto com a minha primeira casa... Esperava comigo a entrega dos eletrodomésticos e móveis. E foi, junto com as suas primas, a minha primeira hóspede! Fizemos bons passeios por   Brasília.  Compramos armações de óculos falsificadas, conhecemos bijuterias de sementes. E aprendi sobre design. Fico CHOCADA com você e seus conhecimentos de arquitetura e decoração de interiores! De onde veio isso??? E adoro quando a gente conversa pelo telefone! Porque você sempre tem novidades! Sempre tem algo que me deixa muda do outro lado. Porque você é sempre imprevisível!

E então, veio o Zé Renato... E vieram os amorecos... Amorecos lindos !! Amorecos deliciosos!! Tales e Laurinha!! Mais uma primeira vez: nossos primeiros gêmeos! Amor multiplicado que a  gente nem sabe como faz pra caber. Mas cabe. Sempre cabe. E sempre cresce.

E hoje, Cecela,  no dia 21 de novembro de 2019, no dia em que você comemora 45 anos, eu desejo que todas as felicidades do mundo sejam suas. Porque você merece TODAS e mais! Porque eu torço para que a sua vida seja colorida, suave, venturosa e surpreendente! Porque eu desejo que você realize tudo o que sonha!

E hoje, Cecela, no dia 21 de novembro de 2109, no dia em que você comemora 45 anos, eu agradeço você ser a minha primeira sobrinha! Agradeço você ter me ensinado esse amor transformador!

E hoje, Cecela, no dia 21 de novembro de 2019, eu comemoro, emocionada, meus 45 anos da Ticinha que eu absolutamente AMO ser!! !!

Amo você. Assim. Tudo.

Feliz aniversário! Pra você! Pra mim! Pra nós!

Ticinha.







sexta-feira, 11 de outubro de 2019

D.Toninha.







Conhecemos Maria Antonia Gomes Lobo quando nos mudamos para São Paulo. Ela era sogra de uma das  primas-de-coração que herdamos das amizades tão duradouras dos meus pais. Foi uma conexão imediata, uma afinidade desmedida e meus pais, ela e o marido -  querido e saudoso Seu Lourival! -  formaram um quarteto muito próximo e unido! Essa linda amizade se estendeu para nós, filhos, e para as famílias das famílias! 

Normalmente, chamo os amigos dos meus pais de "tio" e "tia". Mas Maria Antonia Gomes Lobo não virou tia. Foi sempre D. Toninha. Não sei a razão. Acho que por ela ter sempre sido altiva, elegante, empoderada. Ou talvez por ela ter sempre sido guerreira, dona do pedaço, presença forte onde estivesse. Ou talvez por ela ter sido sempre tão linda, vaidosa, alegre.  Mas o fato é que sempre foi D.Toninha.

Eles tinham uma fazenda em Birigui, interior de São Paulo. Perdi a conta de quantas férias e feriados passei lá. Principalmente carnavais. Que delícia! D.Toninha andava por aquela fazenda do nascer do sol até à noitinha. Falava com os empregados com propriedade e conhecimento de causa. Conhecia tudo! Fazia tudo! E cuidava de tudo com pulso firme e com um coração que não cabia naquelas terras!

Ali, na fazenda, era onde ela era mais ela! Que amor ela tinha para com tudo! Cada cantinho, cada flor do jardim! Cada bezerro que nascia! Cada queijo preparado! Cada doce (delícia!!) feito naquele fogão a lenha! E a gente se sentia tão bem! Tão à vontade! Tão em casa! Das noitadas no clube da cidade aos topless na piscina, os dias eram calmos, alegres, cheios de carinho e risadas.

D.Toninha era uma dama! Uma dama em todos os sentidos! Dama da simplicidade. Dama do escracho. Dama da espontaneidade. Dama da alegria de viver. Dama da elegância. Dama do acolhimento. Como acolhia!

D.Toninha foi amiga-irmã da minha mãe! Eram tão diferentes! E tão parecidas! Nasceram com apenas 1 dia de diferença. Ambas de 1926. Ambas de junho. D. Toninha do dia 12 e minha mãe do dia 13.  Foi uma dona-não-tia por quem sempre tive um enorme carinho! Ela  e Seu Lourival foram meus padrinhos de casamento. Escolhidos sem titubear! E foi um grande conforto vê-los no altar ao lado da minha mãe. 

Com a D.Toninha, aprendi as três coisas mais fundamentais da minha vida:

1)  fazer o melhor frango com catupiry do mundo!
2)  me equilibrar pra fazer xixi de pé numa estrada de terra.
3) a importância de ter sempre paqueras , muitos, na vida! Sempre que íamos à cidade, ela visitava todos os "paqueras": o padeiro, o vendedor de rações, o dono do restaurante, o diretor do clube. Todos eram paqueras! Seu Lourival só ria!!

Ainda faço o frango com catupiry e sempre penso nela! Não precisei fazer muito xixi em estradas de terra. Mas adotei a brincadeira dos paqueras integralmente - apenas adaptei para "noivos"! E quem me conhece sabe bem todos os noiváveis espalhados por ai! Minha marca registrada! Agradeço a D.Toninha por esses valiosos ensinamentos!

Ontem, com muita tristeza,  me despedi da D.Toninha... Ela virou estrela... Um aperto grande no coração pelos meus queridos Edilza, Elcio e Leni... Um vazio que fica daquela presença tão presente... O mundo fica  menos lindo,  menos elegante,  menos alegre, menos irreverente...

Mas o céu, ah, o céu... Esse ganha uma estrela grandiosa! Quanto brilho! Quanta potência!  E haja estrela-paquera pra dar conta da estrela que chega chegando! E Seu Lourival vai sorrir...



domingo, 1 de setembro de 2019

Auto da Compadecida. "Não sei, só sei que foi assim."


"DEMÔNIO, saindo da sombra, severo: Calem-se todos. Chegou a hora da verdade.
SEVERINO: Da verdade?
BISPO: Da verdade?
PADRE: Da verdade?
DEMÔNIO: Da verdade, sim.
JOÃO GRILO: Então já sei que estou desgraçado, porque comigo era na mentira."








A primeira encenação de Auto da Compadecida do paraibano Ariano Suassuna foi em 1955.  Passados 64 anos,  algumas outras encenações e adaptações para tv e cinema, o texto permanece surpreendentemente  atual. E tão absolutamente necessário! Essas coisas que só esses poucos, pouquíssimos  textos geniais de poucos, pouquíssimos autores geniais conseguem...

Como também só poucos, pouquíssimos textos geniais de poucos, pouquíssimos autores geniais conseguem reunir poucos, pouquíssimos grupos de teatro geniais com um diretor genial. E é assim que surge Auto da Compadecida de Ariano Suassuna com o grupo Maria Cutia dirigido por Gabriel Villela. Valha-me Nossa Senhora, A Compadecida! É genialidade demais junta!!!

O "juntamento" não poderia ser mais acertado: trazer o nordeste de Suassuna para a linguagem barroca mineira e transformar o palco do teatro num grande espetáculo de rua! Que coisa linda!

A gente reconhece o trabalho do Biel até no escuro, de vendas nos olhos e mãos amarradas! Pelo cheiro, pelo tato, pelo olfato, pela visão e pelo paladar. Todos os sentidos confluem harmonicamente em combinações potencialmente desarmônicas. Biel é sempre uma experiência sensorial. É sempre um mergulho no que o teatro tem de mais lúdico e de mais criativo. É sempre A VIVÊNCIA TEATRAL!

O picadeiro imaginado por Suassuna ganha formas de ágora para discussões contemporâneas de ética e moral. O clássico e o popular. Sempre juntos. Complementares.





O cenário é uma explosão de cores e de alegorias! Tecidos floridos, cadeiras coloridas, os bancos sempre presentes. E as carrancas. Além da igreja, claro! Quem mais, senão Gabriel, pensaria em construir uma igreja, em seu manto sagrado azul, entre as pernas de uma escada? Sensacional!






Os figurinos do Biel são personagens independentes e autônomos. Têm vida e mensagens próprias, fora e ao redor das personagens que vestem. E é assim que os tecidos foram descolorindo esfumaçados, manchados e barrentos das lamas que cobriram, tristes, terras mineiras... Que efeito! Adornos, principalmente de cabeças, sempre potentes! Além, claro, das golas que nunca podem faltar!

Música. Sempre. Em Auto da Compadecida, ambientada em plena Tropicália e com forte teor político. A entrada, absolutamente contagiante, é ao som de Bloco na Rua, música icônica dos anos 70 contra a censura e medo dos anos de ditadura. Caetano Veloso,  Bethania, Zeca Baleiro, Roberto Carlos, e uma série de outras músicas  embalam as cenas hilárias, ao mesmo tempo em que pontuam as reflexões necessárias.




Que elenco! Que grupo delicioso!  Que cumplicidade cênica em alternâncias tão claramente marcadas! Impossível não destacar o trabalho de Polyana Horta como Bispo. O  carregadíssimo sotaque mineiro  na boca do Bispo Carcará responde por um dos pontos altos do espetáculo! É de chorar de rir! Sem parar! Simplesmente maravilhoso!

A leveza do texto o faz universal e atemporal. E cai, como uma luva, nos tempos tão difíceis que vivemos no Brasil atual, em que os valores éticos e morais extrapolam os altares religiosos de Suassuna e contaminam todas as esferas do poder. A montagem de Gabriel Villela, ainda que irreverente,  explicita essas esferas de forma contundente. E  ecoa no palco, na plateia e além deles!

O final da peça remete, mais uma vez, ao caráter popular dos espetáculos de rua. E convida o público a acompanhar a procissão pelas pedras que calçam  o Sesc Pompeia. Tem comunhão maior?

Gabriel Villela não nos deixa esquecer, por nem um minuto, a beleza, a grandeza e a função do fazer teatro. Entramos na magia teatral sem qualquer esforço. Vivemos a magia teatral do começo ao fim. Durante aqueles minutos mágicos, só o irreal, a ilusão e a mentira existem.  A mentira do teatro é a verdade mais essencial!

Recentemente, durante uma entrevista no Persona em Foco na TV Cultura, Biel disse que "um grande ator é a presença de Deus na Terra". Pra mim, o teatro do Biel é estar na  presença de Deus no Céu.














segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Marmitas.


Já me despedi do Daniel centenas de vezes. Pequenas despedidas quando, em pequeno, dormia na casa de amigos ou viajava com suas famílias.  Ou quando, já adolescente, viajava sozinho com amigos. A primeira separação efetivamente doída foi quando  passou o Ano Novo longe de nós pela primeira vez.  Nessa época, alugávamos  casa em Juquehy e Daniel e Marina chamavam amigos para ficarem conosco. Naquele ano, eles alugaram uma casa na praia vizinha: ele e os amigos lá; nós cá.  A partir daí, foram sequências de despedidas. Daniel viajava muito com os amigos. Sabe-Deus-Por-Onde. Carnavais, férias, reveillons. Sempre em alegrias. Sempre em  preocupações.

Os intercâmbios também foram despedidas marcantes. Três meses em La Rochelle e   oitos meses em Paris. Crescimentos indescritíveis. Pra ele e pra mim. Conviver com a ausência física, encarar o quarto vazio e entender que não saberia, nunca mais, exatamente o que ele via, vivia e sentia. Todas as experiências deixavam de me pertencer. Eram dele, só dele. E estabeleceu a posição marginal que tive que aprender a ocupar.

A separação mais determinante foi quando ele saiu de casa em definitivo. Arrumar a nova casa, tentar reproduzir, minimamente naquele novo espaço, organização e rotinas do espaço anterior, original. Na garagem, depois de deixar as últimas malas levadas de cá pra lá, choramos. Eu e ele. A ruptura é forte.

Daniel morou em três casa desde então. E participei ativamente de todas as mudanças, tentando colocar em cada arrumação, em cada cantinho, um pouco da maternidade que sobra depois que eles saem de casa.

Esse amor maternal "excedente" é diferente, muito diferente da depressão da tal "síndrome do ninho vazio". Não tive/tenho tristeza alguma pelos meus filhos saírem de casa. Pelo contrário. Acho saudável, revigorante e, na verdade, evita o desgaste da relação entre adultos que dividem o mesmo espaço. Os laços familiares são outros. Não há mais o "educar", "ensinar", "cuidar para sobreviver". Há apenas o amor acima de tudo. E esse amor, de ambos os lados,  precisa de espaço para crescer e se modificar.

 Mas, ainda assim, esse amor maternal não se acalma nem esgota. E procura pequenas brechas para se infiltrar e fazer-se presente, necessário. Não invasivo nem sufocante. Mas ali. Atento. E pronto. E lava roupas, compra agrados, controla-se para não ligar todo dia, tenta acompanhar, aprende assuntos novos. E faz marmitas.

Marmitas. Horas na cozinha preparando sopas, feijão, carnes, frangos, lasanhas. Cuidadosamente separadas em embalagens individuais e sacolas térmicas que demoram a voltar. Quando voltam. A certeza absoluta de que, sem elas, as marmitas, ele não sobreviveria. A garantia da comida que alimenta , sem dúvidas, mais o amor maternal excedente do que o estômago propriamente dito do filho.

Sábado, despedi-me, mais uma vez, do Daniel. Ele foi para Nova York  fazer um curso na área de teatro.  A princípio, por dois anos. Mas impossível prever o que acontecerá a partir dessa experiência e das oportunidades que surgirão. Espero que muitas!!!

Educamos Daniel e Marina na mais absoluta convicção de que eles podem ser tudo o que quiserem. E que o mundo é pequeno ou grande somente através de seus olhares. Não educamos filhos atados ou inseguros. Vê-los arriscar, ousar, enfrentar é bom e motivo de muito orgulho. E de igual preocupação.

A despedida foi aos poucos. Doses homeopáticas. Preparada. Da confirmação do curso ao aeroporto. Da documentação necessária ao desmonte do apartamento. Revirar com ele, cada papel, cada peça de roupa, cada memória. Decidir o que levar, o que doar, o que  guardar. A dificuldade dele em abrir mão das memórias que ele construiu naquele apartamento juntamente com a minha  dificuldade com as minhas próprias memórias. Reais e simbólicas. Um apartamento vazio. E tão cheio.

Claro que choramos no aeroporto. Eu e ele. Claro que não foi fácil vê-lo cruzar o portão e sair das minhas vistas. E, ao mesmo tempo que vibro por ele, já pressinto o espaço vazio. O espaço dos almoços às quartas-feira, dos feriados, dos aniversários, dos Natais, Páscoas, etc. Não conheço ainda esse vazio. E, ainda que - GRAÇAS A DEUS!!! - vivamos em épocas de whatasapp e facetime, já o temo.

E por mais que negue ser o tipo de mãe que "sofre" a ausência dos filhos, acordei domingo com dor de garganta e dor no corpo. E com um oco na barriga. E olhei o armário onde guardo todas as embalagens das marmitas que preparava pra ele. E o oco da barriga aumentou. Esse deve ser o oco da fome.





sábado, 10 de agosto de 2019

Tutankáton. "Tudo já existiu alguma vez".


"Deixai que o espírito do tempo se instale esta noite entre nós, abandonai-vos à sua magia e a seu comando inexorável."

E é com esse convite  irrecusável que voltamos ao Egito Antigo de 1300 a.C., durante o reinado do faraó Tutankáton.





O "Faraó Menino" era filho de Akenaton, o faraó que instituiu a primeira experiência monoteísta da História.  Sob sua rígida determinação, o politeísmo foi extinto  e Áton, o disco do Sol, passou a ser o deus único do Egito.

Tutankáton herdou de seu pai um Egito fragilizado militarmente e em meio a grande insatisfação de todos so segmentos do poder, extendendo-se ao povo que não abandonava sua tradição politeísta. Epidemias, revoltas, invasões e tragédias pessoais, atribuídas à vingança dos 2000 deuses renegados, fizeram com que o faraó retomasse o  politeísmo e promovesse Amon a deus dos deuses.

De Tutankáton a Tutankamon. E passou, assim, à História, como o maior dos faraós e em cuja tumba foram encontrados tesouros intactos capazes de reconstituir parte da história egípcia.

Otávio Frias Filho escreveu Tutankáton cinco anos após a queda do Muro de Berlim e o colapso do socialismo soviético. Trinta anos depois, o texto impressiona pela modernidade e pertinência às questões atuais.

A alegoria do Egito Antigo provoca a reflexão sobre o risco e  horror da História Única. Questiona muros atuais, intolerâncias, extremos, preconceitos e manipulações. Alerta, sobretudo, sobre o perigo  de se apagar a História e impor outra, escolhida como verdadeira e absoluta. E não é o que temos vivido?

"Que os velhos livros sejam lançados ao oceano, que ardam todas as relíquias! Edifiquemos pirâmides de ponta-cabeça e inventemos até mesmo uma nova forma de andar, se necessário, para que em nossos filhos não reste sequer um traço a recordar o passado."

A diretora Mika Lins , amiga pessoal do Otávio Frias Filho, homenageia o dramaturgo com a montagem de sua peça inédita, e nos presenteia com um belíssimo passeio pelo deserto do Egito Antigo!

A Mika tem uma capacidade incrível de produzir cenários e figurinos minimalistas e absolutamente potentes! Na impecável montagem, o cenário é assinado por Laura Vinci e composto apenas por caixotes de madeira de vários tamanhos e formatos. Alguns acomodam sugestões de obras de arte cuidadosamente embaladas, em referência ao cuidado com que esses tesouros foram protegidos contra guerras e bombardeios. Espalhados ao longo do palco, reproduzem as grandes distâncias impostas pelo deserto, e  situam o público dentro de um museu. Assim, o espaço físico ganha uma solução eficiente e instigante.





O figurino também segue o estilo da Mika. A figurinista Joana Porto apresenta referências egipcias e africanas em estampas belíssimas e sem contrastes de cor. Tudo é sóbrio, monocromático. Destaque para o lindíssimo adorno de cabeça da Rainha Ankesen.  A maquiagem é muito discreta e os dourados espalhados cuidadosamente pelos corpos e, principlamente dedos, remetem à riqueza e luz. Lindo efeito!

A iluminação de Caetano Vilela é de um efeito solar impressionante!





O grupo de atores, todos negros e de faixas etárias variadas, é muito talentoso e de dramaticidade correta. Tanto no gestual quanto no verbal,  o tom é coerente e uniforme. Respeitoso. Percebe-se um respeito ao texto, cujo estilo clássico situa-se no limite entre declamação e interpretação. Vence a interpretação, ainda que com toques declamatórios. Mika foi extremamente feliz em atingir esse equilíbrio nada fácil.

Menção especial à atriz Bete Coelho, a vidente cega ao melhor estilo Tirésias de Odisseia. Atravessando toda a extensão do palco enquanto profere suas trágicas profecias, Bete dá um show de talento!  E estabelece a linha condutora entre o real e o profético. Que personagem!

Tutankáton é uma aula de História e de como se contar uma história. Com palavras e no palco.

Essa é a beleza maior do teatro. Produzir palcos.  No palco, tudo é verdade. Sagrada. Como divindades. Uma ou 2000. Melhor 2000. Verdades únicas são mentiras.
















quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Rua Ramalhete.



"Sem querer fui me lembrar... De uma rua e seus ramalhetes..." 





Eu tive a sorte de morar na Rua Ramalhete na minha infância em Belo Horizonte. Ficava no bairro da Serra e, naquele tempo, nem a Avenida Afonso Pena chegava lá. Tinha apenas um quarteirão, com a Rua do Ouro de um lado e um córrego do outro. Eram todas casas, com exceção de um pequeno prédio de tês andares que ficava ao lado do córrego. Eu morava no segundo andar desse prédio.

A Ramalhete era um imenso quintal coletivo, onde nós, crianças em  faixas de idade diferentes, aprendemos a  convivência  democrática e inclusiva. Crescemos na rua. Mesmo. Entre jogos de queimada, jogos de vôlei na rede estendida entre os postes opostos da rua, brincadeiras intermináveis de bonecas, simulações de concurso de miss, pique-esconde, amarelinha jogada com casca de banana. E assistíamos, ainda que sem entender direito, o florescer das adolescências dos nossos irmãos mais velhos.

Eram os anos 60, década de altíssima qualidade musical! Rita Pavone. Herman's Hermits. Beatles. Jovem Guarda. Chico Buarque. Caetano Veloso. Milton Nascimento. Os grandes festivais. Música fervilhava! E a Rua Ramalhete era também palco de experimentações musicais. E muita serenata!!

 Aí entra  Tavito e seus dedilhados mágicos. Eu era pequena, muito pequena, mas me lembro do frisson quando Tavito e sua turma chegavam, se acomodavam e exibiam acordes para impressionar o séquito de meninas apaixonadas! Tavito era membro do Clube da Esquina e já trafegava em círculos diferenciados. Mas foi ali, na Rua Ramalhete, que ele construiu suas memórias afetivas dessa época mágica.

Ele era cabeludo, usava óculos redondos e sapatos de saltão. Um típico "transviado", segundo o padrão da época. E namorava a irmã da minha amiga que morava no terceiro andar do meu prédio. Meus irmãos mais velhos faziam parte dessa turma de adolescentes  e que já vivenciavam o jogo amoroso de bilhetes, festinhas, paqueras, tremores dentro dos vestidos. E nós, mais novas, só observávamos e nos deliciávamos! Que época doce! Que tempos generosos!

Gostaria de ter tido maior consciência, na época, do que estava vivendo. Da riqueza de experiências a que estava exposta. Queria ter sentado ao lado do Tavito e discutido o papel de Minas Gerais na construção cultural do Brasil. Queria ter cantado junto com ele refrões transgressores. Mas eu era tão pequena...

Mas Tavito o fez por todos nós, moradores daquela rua. Rua Ramalhete é um hino! O nosso hino! Hino de uma época mágica e das lembranças do tempo que ficou pra trás, mas que construiu quem somos hoje, o que pensamos e o que defendemos.

Para nós, moradores da Rua Ramalhete, Tavito será sempre a nossa voz! E o tradutor dos ramalhetes que sempre renovam nossas esperanças, nossas bem querências, nossa fonte de aprendizados de amizade, carinho, amores.


Uma rua e seus ramalhetes... Que coroem a estrela onde Tavito mora desde ontem. Será, sem dúvida, a estrela mais florida e dos aromas mais doces!!

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Oração a Iemanjá.








Iemanjá - gravura de João Makray.


Ó Iemanjá, soberana mãe das águas:

Se todo o rio corre mesmo sempre para o mar, que o mar, agora, por hora, contra-corra para os nossos rios.
E salgue de ardência insuportável os nossos corações enfurecidos, cegos, insanos. 
E adoce, então, nossas nascentes reversas, recuperadas e salvas. 
Isso feito, que o mar corra de volta para as ondas. 
E ondeie espumas límpidas de lucidez e sanidade.
E espume empatia, solidariedade, serenidade.
Para todo o sempre.
Salve! 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Inhotim. O essencial em uais.




Entrada de Inhotim. 


"I went to the woods because I wished to live deliberately, to front only the essential facts of life and see if I could learn what it had to teach."
(Henry David Thoreau - Walden)

David Henry Thoreau, poeta americano do século XIX e um dos maiores representantes da corrente "transcendentalista, decidiu, aos 27 anos,  morar num bosque às margens do lago Walden  e vivenciar a  simplicidade da forma mais despojada possível. A experiência de dois anos resultou no seu livro mais famoso: Walden: Life in the Woods. A obra, referência para os movimentos ecológicos  e ambientalistas desde então, provoca novos olhares para os conceitos de essencialidade e liberdade. Impossível não pensar em Thoreau ao percorrermos  o Instituto Inhotim, localizado na simpática cidade de Brumadinho, Minas Gerais. Considerado o maior museu a céu aberto do mundo,   une uma coleção absolutamente espetacular de espécies tropicais raras e exuberantes a um acervo de arte contemporânea da maior relevância internacional. Inhotim, idealizado por Bernardo Paz, foi aberto ao público em 2006. Há pelo menos três teorias sobre a origem do nome. A mais conhecida e aceita relaciona a palavra ao minerador  inglês, Sir Timothy, que teria morado na área hoje ocupada pelo Instituto. A adaptação de "Sir" para a deferência local "Nhô" ou Inhô" explicaria  "Sr Tim" virar "Inhô Tim". Eu, particularmente, adoto essa como a explicação oficial! A comparação entre a complexidade e grandiosidade de Inhotim e a rusticidade e simplicidade de Walden pode até parecer paradoxal. Mas a verdade é que a experiência Inhotim é transformadora e, como Thoreau, lança um olhar absolutamente renovador e esperançoso  sobre as possibilidades de integração homem/natureza.Inhotim é santuário natural e santuário artístico. E a prova de que um e outro podem conviver harmonicamente. Paira um silêncio respeitoso que não ousa ser perturbado. Qualquer falar mais alto parece interromper a comunhão indissolúvel entre sagrado e profano. Não há Inhotim sem a natureza e não há Inhotim sem as manifestações artísticas. É no espaço quase religioso que um e outro ocupam que as sensações se apuram e misturam.Se é fato inegável que o intervenção humana é a responsável pela destruição implacável  e irreversível da natureza ao longo da história, em Inhotim, a intervenção é plenamente redimida. Perdoada. Enlevada. O que há de mais espetacular nos processos criativos humanos acolhido pelo o que há de mais majestoso na natureza generosa e surpreendente. O efeito é absolutamente impactante! E suave, repousante, calmante. Das intervenções humanas, são mais de 700 obras espalhadas pelo parque e/ou dispostos em galerias individuais. Há, atualmente, vinte e três galerias, cada um de arquitetura específica e com absurda variação de materiais e estilos. Abaixo, alguns exemplos das que mais chamaram a minha atenção:
Galeria do Lago

Galeria Claudia Andujar


Galeria Miguel Rio Branco



Galeria Adriana Varejão




Galeria Cosmococa

 Entre as tantas obras de arte, destaco as minhas duas preferidas e de efeito realmente impressionante:
True Rouge - Tunga

Desvio do Vermelho - Cildo Meireles


Abaixo, apenas alguns recortes da exuberância de natureza absoluta e imponente. Não há como descrever a sensação de fazer parte desse cenário: 











Inhotim é orgulho. Organização perfeita, manutenção impecável, atendimento pronto e cortês. Estrutura cuidadosa nos mínimos detalhes. Há, inclusive, pontos espalhados e integrados aos jardins para carregamento de celulares! Os banheiros são obras de arte.  E o restaurante Tamboril (há outro restaurante e alguns cafés) é MARAVILHOSO!

Volto a Thoreau e a sua experiência no bosque. E penso que Inhotim é recuperar a reflexão essencial sobre o que é verdadeiramente essencial. E o essencial é tão simples... E tão belo...