quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Tia Vera.









Tia Vera não era irmã da minha mãe de verdade. Mas era irmã da minha mãe de verdade.  Uma irmã muito próxima, sempre presente, parte indissolúvel da história da minha mãe. Dos meus pais. Da nossa. Da minha.

Tia Vera não era minha tia de verdade. Mas era minha tia de verdade. Uma das maiores referências de tia que tive. E cuja presença me marcou em todas as fases da minha vida.

Tia Vera era linda! Chique. Elegante. Sempre impecável. Dos pés à cabeça. Acordava já arrumadíssima! Nenhum fio de cabelo fora dol ugar. As unhas sempre feitas. A roupa sempre adequada. E sempre com joias. Aliás, acho que não houve casamento mais feliz do que ela e as joias. Completavam-se. Entendiam-se. Uma sempre valorizava a outra.

Tia Vera tem a casa mais linda que já conheci! De um bom gosto incomparável! Cada canto, cada peça, cada objeto, cada detalhe de encher os olhos! Peças belíssimas! Composições de pura arte. Uma casa tão bela quanto acolhedora. Uma casa onde sempre me senti em casa. E que me maravilhava pela beleza e sofisticação.

Tia Vera tinha uma personalidade forte. Muito forte. Marcante. E que se impunha. Suavemente. Pensando bem, acho que nunca ouvi a tia Vera falar mais alto ou mais rispidamente com quem quer que seja. A voz era sempre pausada, tom baixo. Mas com muita autoridade. E de senso humor fino e sempre tão pertinente! Era um prazer estar e conversar com ela!

Tia Vera adorava dar ordens! Ela se auto intitulava general. Ria de si mesma  pela patente conferida. E era mesmo um general. Tudo à sua volta funcionava perfeitamente. Não descuidava de nada e de ninguém. Estava à frente de tudo! Era de uma eficiência absurda!

Tia Vera inventou o empoderamento feminino. Mesmo. Se houve uma mulher empoderada, foi ela! Versátil, mil facetas, mil habilidades, mil competências. Mil de tudo! Sem nunca descuidar da família, das amigas, da religião.

Tia Vera passou por perdas profundas. Perdeu um filho, perdeu um genro muito querido, perdeu um neto, perdeu o marido, meu querido e saudoso tio Orlando. Enfrentou cada perda com a altivez de uma rainha e reinventou-se a cada uma, sempre surpreendendo pela fortaleza e capacidade de manter-se firme, inteira.  Pela e para a família.

Tia Vera e minha mãe são amigas há 70 anos. Uma amizade mais longeva do que a vida de muitas pessoas. Meu pai e meu tio trabalhavam juntos e eram amigos antes mesmo de se casarem. Meus pais se casaram num janeiro e tia Vera e tio Orlando em dezembro do mesmo ano. Meus pais tiveram 5 filhos; eles tiveram 6. E assim crescemos nós, os filhos, construindo, nos laços dessa amizade tão rara, nossos próprios laços de afeto. E assim ganhamos esses primos de vida, a quem amamos profundamente!

Tia Vera foi a porta de entrada na nossa mudança para São Paulo em 1978. Foi a guia da minha mãe. Ensinou o caminho das pedras. E trouxe para a vida da minha mãe outras tantas amigas... Amigas  que também adotamos como tias e de quem também herdamos primos e primas tão queridos!

Tia Vera foi a mão que segurou a mão da minha mãe quando o meu pai morreu. Mão que nunca largou. Nunca se largaram. Nunca. Mãos atadas, preocupadas, confortadoras. Mãos habilidosas que crochetavam incessantemente enquanto teciam e curavam suas dores e saudades.

Passei muitas férias na casa da Tia Vera. Ia com eles pra Campos de Jordão. Namorava o vizinho. Divertia-me com os amigos. Tantas ótimas lembranças... E a minha tia general sempre dando as ordens: "Maria Alice, vista assim, não vista assado." "Maria Alice, precisa fazer com que sua mãe faça isso, ou aquilo." "Andréa, precisa chamar o padre para dar benção à sua mãe." "Andréa, já falou com o padre?" "Maria Alice, falei com a Andréa, mas ela não chamou o padre. Precisa." E agora, mais recentemente, "Andréa precisa cortar o cabelo." "Maria Alice, você não pode deixar o cabelo grisalho." Quem conhece a tia Vera pode até ouvir o tom com que ela fazia esses comentários!

Tia Vera teve um AVC há alguns anos. Recuperou-se, ainda que não totalmente, com a determinação e amor à vida que sempre demonstrou! Minha mãe, por sua vez, cada vez vai ficando mais frágil... E meu coração se enche de amor lembrando-me das duas, principalmente nesses dois últimos anos, visitando-se com todas as limitações físicas e mentais, mas querendo estar juntas, dando-se as mãos nunca desatadas, estando. Estando. Do lado. Ao lado. Onde sempre estiveram. Como sempre estiveram.

Tia Vera nos deixou na última terça-feira. Perdeu uma longa batalha que travava há seis meses. E nossos corações se apertam, tomados de imensa tristeza...

O mundo fica menos chique. Menos elegante. Menos poderoso.

E a mão da minha mãe fica solta... Ela, ainda que não saiba, - felizmente! - perde a sua maior e melhor amiga...

E nós todos, os 5 de cá e os 5 de lá, estendemos os nossos  corações para que essa linda história de amizade se perpetue em nós!












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