quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Atacama. Era uma vez... Era uma vez... O mundo.







Era uma vez um mundo. Um mundo vasto mundo. Vasto, mas cru. Igual. Plano. Monótono. Com cor e gosto de pó, pedra e barro. O mundo vasto mundo era cercado de ondulações. Quase montanhas. Todas também de pó, pedra e barro. Não era muito, mas era alguma coisa. Algum movimento diferente.

Acontece que esqueceram um pedaço de mundo depois das montanhas no fim do mundo. Ninguém se deu conta. Ninguém se lembrou. E o pedaço de mundo ficou lá esquecido, perdido, à parte do mundo vasto mundo.

O pedaço esquecido adormeceu alguns tempos, à espera de ser encontrado. Não foi. Mas não se importou. Pelo contrário, exaltou! Sentiu-se livre. E pensou em tudo o que podia fazer e que lhe seria proibido do lado de cá das montanhas do mundo vasto mundo.

E fez. No início, timidamente. Apenas para passar o tempo, já que tinha todos os tempos do mundo para si. Mas logo tomou gosto. E quanto mais gosto tomava, mais ousava. Começou com pequenas explosões e depressões. Achou divertido. Então cresceu montanhas gigantes que viam por cima das montanhas do fim do mundo do mundo vasto mundo. As montanhas cresceram até transbordar. E transbordaram formas e texturas que nem existiam. E inundaram vales e criaram outros vales. Alguns vales transbordados escorreram líquidos como nunca se tinha visto. E empoçaram salgados, descansando como espelhos de luz refletida dos céus.

Uma gota azul do céu, distraída com o que via lá embaixo, caiu, sem querer,  nessas águas. As águas se assustaram com aquela cor que não conheciam. Mas o azul tinha natureza desgarrada e logo multiplicou-se em mil gotas, e em dez mil gotas, e em um milhão de gotas. Cada gota soltou-se da outra, procurando outras águas. E cada gota encontrou  uma água e criou uma cor novinha, só para si. O pedaço esquecido do mundo, então, coloriu-se de todos os azuis e verdes e brancos e amarelos e rosas e vermelhos. As cores, enlouquecidas, subiram as montanhas e espalharam-se pelos vales. Não havia quem lhes desse freio. E eram tão brilhantes  e intensas que ofuscavam onde passavam!

Até o céu, desavisado, cegou com tanto colorido e se apagou em breu. Mas as cores, desassossegadas, salpicaram o céu de prateados cintilantes e acenderam bolas douradas que diziam a noite do dia.

E não teve mais fim. As formas e cores e montanhas e vales e depressões e azuis e verdes e amarelos e rosas e vermelhos e estrelas e todo o mais ganharam vida própria e não paravam de criar e inventar. Eram e em seguida não eram mais. E não davam nem tinham descanso. Ruidosos e mutantes, já não cabiam mais naquele pedaço esquecido além das montanhas do fim do mundo vasto mundo.

Descontrolados, invadiram o lado de cá. E ocuparam cada espaço, coloriram cada palmo. E o mundo fez-se outro. E tomou-se de formas e cores que não existiam. E jamais foi o mesmo! E tornou-se maior, grandioso, radioso. E já nem se sabia para onde olhar, por tanto que se tinha para ver!

E soube-se, então, embora sem se saber, que, assim e ali,  aquele pedaço esquecido além das montanhas era a nascente de toda a beleza do mundo vasto mundo. 


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