Ali ali só ali se se alice ali se visse quanto alice viu e não disse se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece (Paulo Leminski)
sexta-feira, 23 de junho de 2017
Tio Orlando.
Tio Orlando foi o primeiro tio-sem-ser-tio das minhas lembranças. Ele e meu pai, ambos engenheiros agrônomos, se conheceram muito jovens, e se tornaram, desde então, amigos. Amizade que ultrapassou o respeito e admiração profissional e se estendeu às famílias que ambos formaram. Tio Orlando e tia Vera em São Paulo. Meu pai e minha mãe no Rio de Janeiro.
A minha primeira memória é uma visita que fizeram quando morávamos em Belo Horizonte. Foi em 1967, logo após o III Festival de MPB. Sergio Ricardo ter quebrado o violão ainda era assunto, e foi o gancho para quebrar o gelo entre esses "primos" que mal se conheciam. Tio Orlando e Tia Vera tiveram 6 filhos: 2 meninos e 4 meninas. Do nosso lado, éramos 4 meninas e 1 menino. Lembro-me de um passeio na Kombi do meu pai pela cidade, mas só para meninas. Os meninos ficaram com o meu irmão em casa. As 4 estavam impecáveis nas suas saias quilt e blusa branca. Achei lindo! E falamos sobre o festival.
Depois que voltamos para o Rio, os intercâmbios se intensificaram. Eu amava vir a São Paulo! Eles moravam numa belíssima casa no Pacaembu, numa rua pequenininha onde todos se conheciam e eram amigos! Era uma delícia passar as férias com eles e entre o sotaque tão diferente do meu. Naquela época, era sotaque. Hoje, é , com orgulho, a minha língua! Entre São Paulo e Campos do Jordão, fiz amigos, paquerei, namorei. Quantas lembranças boas!
Tio Orlando e tia Vera foram fundamentais na nossa mudança pra São Paulo e a nova geografia estreitou ainda mais o laço de carinho que une as nossas famílias. E minha mãe, depois da morte do meu pai, sempre teve neles o apoio e suporte que precisou.
Poderia escrever por horas a fio as memórias que tenho. De tudo que vivemos juntos. De tanto bem querer. De todas as risadas cúmplices. E também de todas as lágrimas solidárias.
Mas hoje só quero falar do tio Orlando. Uma das pessoas mais doces e generosas que conheci. Sempre tranquilo, jamais alguma palavra ríspida. Um olhar límpido. Disciplinado como nunca vi. Chegava em casa do trabalho e ia para o quintal pular corda. E pulava e pulava. Cuidava-se muito! Amoroso, caloroso, olhar que se iluminava quando ria. Foi por sua sugestão que consegui o meu primeiro emprego como professora de inglês em São Paulo. Jamais esqueci. Sempre agradeci.
Amigo leal, fiel, dedicado. E um pai presente, preocupado, interessado. Gostava de conversar. E como tinha histórias! Escutava. Muito. Ponderado. Justo. Amargou suas perdas - e não foram poucas - com dignidade e aceitação. Aceitação trabalhada e confortada pela religião que foi sempre seu guia. Seu tronco.
Tio Orlando virou estrela hoje. Aos 99 anos! Bem vividos 99 anos! Durante a despedida, estranhamente, sentia-se paz. Mais do que tristeza, celebramos a sua vida plena. Numa feliz alegoria, o padre valeu-se de sua profissão para enumerar as sementes fecundas espalhadas ao longo desses abençoados 99 anos. E foram tantas as sementes!
Meu coração transbordou de carinho pela tia Vera e meus primos - sem aspas - e suas próprias famílias já tão numerosas. Transbordou pelas doces lembranças de vida. Transbordou de tristeza inevitável, vendo a minha mãe e a tia Vera, ali, tão fragilizadas, amigas de toda uma vida.
E pensei na sorte que temos e no exemplo que tivemos de construir e legar amizades tão duradouras.
E agradeci por todos os tios e tias adotados - e são/foram muitos! - com os quais os meus pais nos presentearam. Tio Orlando foi o primeiro. E estabeleceu um patamar altíssimo para todos os outros que se seguiram!
Hoje o céu ganhou uma estrela de grandeza. E há de brilhar o seu brilho merecido!
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