"Esta vida, assim como tua vives agora e a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente de pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!"
(Lei do Eterno Retorno - Friedrich Nietzsche)
O Dia da Marmota é celebrado em Punxsutawney, uma pequena cidade na Pensilvânia, todo dia 2 de fevereiro desde 1887. Neste dia, a marmota mascote, sempre de nome Phil, emerge da toca onde se manteve hibernada durante meses sob grande expectativa. Se ela ao sair perceber a sua sombra, retorna imediatamente para o seu buraco, anunciando que o inverno ainda se prolongará por mais seis semanas. Caso não veja a sua sombra, como é o desejo de todos, significa que a primavera finalmente chegou!
No início dos anos 90, Bill Murray e Andie MacDowell estrelaram uma deliciosa comédia romântica, o Feitiço do Tempo, cujo enredo versa justamente sobre essa comemoração do Dia da Marmota. Por razões talvez explicadas apenas metafisicamente, o rabugento e frustrado repórter da previsão do tempo se vê preso no tempo que repete indefinidamente o mesmo dia e exatamente os mesmos acontecimentos. De início desconcertado e revoltado, passa a aproveitar a repetição daquele um dia lapidando os defeitos que o fazem ser tão rejeitado por todos e, em especial, por sua colega de trabalho. Todo dia lhe é dada uma nova oportunidade de aprender algo, mudar algo, chegar na alma da mulher por quem se apaixonou. Até que o feitiço do tempo é finalmente quebrado e ele acorda no dia seguinte.
Penso nos dias politicamente tão conturbados e não deixo de pensar no fatalismo do eterno retorno de Nietzsche, ainda que romantizado pelo Feitiço do Tempo.
As diárias denúncias, delações, acusações, defesas, articulações, artimanhas, manobras, discursos, tudo parece se repetir sem surpresas e na monotonia da repetição sufocante e inevitável.
Denunciantes acusam esquemas sórdidos enfaticamente negados por denunciados ultrajados e aviltados na sua moral incorruptível. Amigos e aliados desconhecem seus laços anteriores. O melhor amigo passa a ser o maior dos vilões. Os atos, todos lícitos e dentro do que reza a Constituição, sobre a qual juram fidelidade acima de qualquer questionamento. As declarações são exatamente as mesmas, independente do que sejam acusados. Pedaladas e decretos são definidos sob apenas dois prismas. Por mais de 40 pessoas diferentes. E propinas nunca existiram. E ninguém fez nada ilícito. E todos visam o bem maior do Brasil. Trocam-se os nomes, mas não se trocam os atos. E assim sucessivamente. Dia após dia. Dia após dia. Dia após dia.Cansaço.
Se há algo a aprender com o Dia da Marmota é que a sombra é que determina o fim do inverno e o início da primavera. Temos ainda sombras e fantasmas. Inúmeros. Resquícios que nos assolam a assombram desde os primórdios dos nossos tempos e sem pressa ou vontade de aclaramento. A nossa hibernação é ainda necessária e precisa ser amadurecida pelos sombreados graduais e enfraquecidos.
E se há algo a aprender com o Feitiço do Tempo é que esse tempo entocado pode ser tão prisioneiro quanto libertador. Se por um lado te confina na desesperança e fatalidade, por outro, te abre possibilidades de novos olhares e aprendizados. Tantos quanto necessários para quebrar o casulo do tempo confinado e permitir o tempo seguinte.
Seja como for, a marmota somos nós! E não eles! E quem deixará de ver sombras seremos nós! E não eles! E quem quebrará o feitiço do tempo seremos nós! E não eles! Independentemente de quanto eles queiram e lutem para continuarmos entocados!
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