(Beremiz - em O Homem que Calculava de Malba Tahan)
O dia 6 de maio foi instituído como o Dia Nacional da Matemática em homenagem ao professor carioca Júlio César de Mello e Souza - mais conhecido como Malba Tahan - e autor de mais de cem livros, metade dos quais voltada para a Matemática. O mais conhecido é O Homem que Calculava, publicado pela primeira vez em 1939 e certamente um dos clássicos que atravessa gerações.
Tínhamos a coleção do Malba Tahan na minha casa. Encadernada, em tons de dourado e vermelho. Não lembro de ter lido todos, mas o Homem que Calculava ficou marcado. Os mistérios da Bagdá medieval e os problemas matemáticos apresentados e resolvidos faziam uma combinação muito interessante!
Infelizmente, a literatura matemática não facilitou muito a minha relação com os números. Estudei no Colégio de Aplicação da UFRJ, notadamente voltado para a Matemática. Como sofremos todos! Quer dizer, não todos, pois alguns poucos privilegiados tinham o dom. Mas para a maior parte de nós, meros mortais, era um sofrimento! Dos malditos reservatórios que enchiam em razões que nunca entendi aos infindáveis teoremas que esperavam o bendito c.q.d, esforços hercúleos! De Pitágoras a cossenos, um mundo indecifrável! Uma nota 5 era razão de júbilo! Mais do que 5?? Devia ser alucinação!
Cinco professores marcaram o meu aprendizado de Matemática. E um irmão. Um irmão que sabia Matemática. E que não tinha a menor paciência com quem não sabia. E era o pior professor do mundo! Talvez saber Matemática seja incompatível com ser professor. Em geral. Se for verdade, meu irmão não foi exceção. "Olha aqui, pixote, entendeu?" enquanto rabiscava números e sinais que não faziam qualquer sentido. Quando vinha o "pixote", era melhor encerrar. Melhor dizer que entendeu e tentar entender de outra forma. Tentar entender com ele era acionar o bloqueio do não entendimento! Minhas irmãs sabem bem do que estou falando!
Dos professores oficiais, d.Janete foi a pior! Baixinha e mal humorada. De qualidade, tinha apenas o sobrenome Bezerra, que, não por acaso, era o mesmo do livo que era a sua - a nossa - bíblia. A seguinte foi d.Silvia. Ótima professora, mas uma carrasca na elaboração de provas e nas notas. Não tinha conversa nem apelação. E nenhuma simpatia. Walter veio nos redimir! Com ele, fomos elevados a categoria de humanos e podíamos, inclusive, chamá-lo pelo primeiro nome! Foi uma grande evolução! Ele tinha um bigode que parecia o do Rivelino e era simpático, leve, brincalhão. E arrancava vários suspiros das alunas admiradoras!!Não me esqueço das tardes em que passei na ante sala do Bahiense da Gávea, onde ele era diretor , pela simples segurança dele estar ali ao lado, enquanto estudava para o vestibular!
Mas passar pela Matemática do CAp sem ajuda era apenas para os fortes. Muito fortes. A maioria precisava da ajuda de aulas particulares para tentar chegar no almejado 5! E essa ajuda tinha nome e endereço: Vilma na Rua Toneleros, em Copacabana. . Num dos quartos da sua casa colocou uma mesa gigante e era lá que tínhamos as nossas aulas, sempre em grupos de 5 ou 6 da mesma turma. Só tinha alunos do Aplicação! Ela era alta, magra, feia, desengonçada, e uma das personalidades mais incríveis que conheci! Gritava, cantava, se jogava no chão e balançava as pernas, usava uns turbantes, fumava que nem chaminé. E sabia tudo de Matemática! E sabia tudo do Aplicação! E sabia tudo de adolescentes! A gente contava segredos, contava paqueras, e ficava esperando a turma antes ou depois - dependendo dos interesses amorosos e aquela casa era uma loucura de entra e sai de jovens. E graças a ela, a Matemática tornou-se minimamente suportável. E altamente social!
Sonia foi a outra professora particular que tive. Era amiga da minha irmã mais velha e morava numa ladeirona perto da Rua Farani. Nunca tinha visto alguém tão magra e tão branca! Eu ia de mal a pior e precisava recuperar as notas para conseguir fazer o meu intercambio pros EUA. Sonia me salvou! Com ela aprendi círculos e passei com folga e com segurança! Tenho ótimas lembranças das tardes na sala daquela casa de janelas azuis.
Tirando um breve deslize em Engenharia Química - que até hoje tento entender que entidade me possuiu - a Matemática não fez mais parte determinante da minha vida, a não ser, claro, nas aplicações básicas do dia a dia.
Mas acho que Beremiz tinha,sim, razão no que disse sobre a Matemática e seu poder sobre o pensamento e sobre o raciocínio. Hoje, mais velha e mais distante da relação tão desigual com aquele monstro incompreensível, consigo ver a sua beleza, ainda que não consiga decifrá-la.
Números, tal como as letras, se ordenam e coordenam em sequências e significados lógicos. Ainda que tantas vezes - e para tantos - ilógicos. Como qualquer linguagem, a Matemática tem suas normas, regras e articulações. E também transgressões. Integra todos os cotidianos., interpreta todos os universos. Acreditem: até poesia!
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