sexta-feira, 1 de junho de 2018

Quero Morrer Com Meu Próprio Veneno.






"Não pode ter sido de outro modo, que o ponto principal é o seguinte: se eu me afogar voluntariamente, pratico um ato; um ato é composto de três partes: agir, fazer e realizar. Logo afogou-se porque quis. " (Shakespeare - Hamlet - Ato V -Cena 1)


As mulheres de Shakespeare são complexas, multifacetadas  e,  por vozes emprestadas, transcenderam os limites de sua condição de submissão dentro de uma estrutura patriarcal extremamente estratificada.


A doce Julieta (Romeu e Julieta), a obediente Desdêmona (Otelo), a casta Miranda (A Tempestade), a independente Catarina (A Megera Domada), a poderosa Cleópatra (Antonio e Cleópatra) e a ambiciosa Lady Macbeth são algumas das heroínas que ainda permitem leituras contemporâneas do papel social da mulher.


Mas nenhuma outra personagem de Shakespeare tem sido mais inspiradora do que a frágil Ofélia de Hamlet!  A  bela jovem que foge de sua loucura entregando-se ao sono plácido rodeada  por flores no berço de águas foi/tem sido musa inesgotável  na pintura, poesia, cinema, moda, ensaios fotográficos - e teatro.

Ophelia (1852) de Sir John Everett Millais.



Elena , filme de Petra Costa.


A jovem Ana Carolina, integrante do Núcleo de Dramaturgia SESI - British Council que há 10 anos estimula a escrita como processo de renovação, apresenta um texto estimulante que multiplica Ofélia em 3 para negar a sua história determinada pelo universo masculino.


A diretora Mika Lins  - e seu mega competente assistente de direção Daniel Mazzarolo, não por acaso, meu filho - levam ao palco essa verdadeira revolução Ofeliana! Que resultado incrível!




Luisa Micheletti é o presente, a visão sobre si mesma. Luiza Curvo é o pensamento, a interpretação  sobre a realidade dos acontecimentos e Luna Matinelli é os olhares dos outros, pelo seu ponto de vista.Uma Ofélia que fala, uma Ofélia que pensa e uma Ofélia que escuta. É na interação e alternância  entre as 3 Ofélias que refletimos sobre resistir ou sucumbir num mundo ainda hostil a Ofélias.

Mika nos presenteia com um trabalho lindíssimo, sensível, poético e muito alegórico.

A unidade e independência das 3 atrizes é impressionante!Que sintonia em palco! Que expressividade dramática! Que belíssimo trabalho corporal!





Gosto muito dos cenários e figurinos da Mika, quase sempre minimalistas, mas muito  eficientes! Desta vez, o palco  é, na verdade, um corredor ocupado por  vários vestidos de tule preto pendurados como fantasmas. O efeito é lindíssimo! As Ofélias igualmente se vestem de preto com transparências em tule.



A potência do cenário e figurinos é complementada pela  iluminação nada sutil que corre e corta o corredor e as personagens em feixes luminosos de cores fortes. As sequências do verde e do vermelho impressionam pela  beleza e dramaticidade.




A maior qualidade da montagem é libertar-se do enredo de Hamlet. A  referência necessária - mas apenas a necessária -  é, acertadamente, por gravação em off.  Desta forma, o protagonismo é, definitivamente, retirado das mãos de Hamlet, Polônio e Laertes -  respectivamente o noivo, o pai e o irmão -  para ser,   finalmente,  conquistado por Ofélia  para a escolha de seu próprio destino.

A composição da(s) Ofélia(s) contemporânea(s) trazem mais uma voz  - em altíssimo tom - para as questões cada vez  mais urgentes sobre a sociedade ainda pautada pelo homem. E que precisam conceder a liberdade para que cada Ofélia morra com  seu próprio veneno!















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