"Não pode ter sido de outro modo, que o ponto principal é o seguinte: se eu me afogar voluntariamente, pratico um ato; um ato é composto de três partes: agir, fazer e realizar. Logo afogou-se porque quis. " (Shakespeare - Hamlet - Ato V -Cena 1)
As mulheres de Shakespeare são complexas, multifacetadas e, por vozes emprestadas, transcenderam os limites de sua condição de submissão dentro de uma estrutura patriarcal extremamente estratificada.
A doce Julieta (Romeu e Julieta), a obediente Desdêmona (Otelo), a casta Miranda (A Tempestade), a independente Catarina (A Megera Domada), a poderosa Cleópatra (Antonio e Cleópatra) e a ambiciosa Lady Macbeth são algumas das heroínas que ainda permitem leituras contemporâneas do papel social da mulher.
Mas nenhuma outra personagem de Shakespeare tem sido mais inspiradora do que a frágil Ofélia de Hamlet! A bela jovem que foge de sua loucura entregando-se ao sono plácido rodeada por flores no berço de águas foi/tem sido musa inesgotável na pintura, poesia, cinema, moda, ensaios fotográficos - e teatro.
Ophelia (1852) de Sir John Everett Millais. |
Elena , filme de Petra Costa. |
A jovem Ana Carolina, integrante do Núcleo de Dramaturgia SESI - British Council que há 10 anos estimula a escrita como processo de renovação, apresenta um texto estimulante que multiplica Ofélia em 3 para negar a sua história determinada pelo universo masculino.
A diretora Mika Lins - e seu mega competente assistente de direção Daniel Mazzarolo, não por acaso, meu filho - levam ao palco essa verdadeira revolução Ofeliana! Que resultado incrível!
Mika nos presenteia com um trabalho lindíssimo, sensível, poético e muito alegórico.
Gosto muito dos cenários e figurinos da Mika, quase sempre minimalistas, mas muito eficientes! Desta vez, o palco é, na verdade, um corredor ocupado por vários vestidos de tule preto pendurados como fantasmas. O efeito é lindíssimo! As Ofélias igualmente se vestem de preto com transparências em tule.
A potência do cenário e figurinos é complementada pela iluminação nada sutil que corre e corta o corredor e as personagens em feixes luminosos de cores fortes. As sequências do verde e do vermelho impressionam pela beleza e dramaticidade.
A maior qualidade da montagem é libertar-se do enredo de Hamlet. A referência necessária - mas apenas a necessária - é, acertadamente, por gravação em off. Desta forma, o protagonismo é, definitivamente, retirado das mãos de Hamlet, Polônio e Laertes - respectivamente o noivo, o pai e o irmão - para ser, finalmente, conquistado por Ofélia para a escolha de seu próprio destino.
A composição da(s) Ofélia(s) contemporânea(s) trazem mais uma voz - em altíssimo tom - para as questões cada vez mais urgentes sobre a sociedade ainda pautada pelo homem. E que precisam conceder a liberdade para que cada Ofélia morra com seu próprio veneno!
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