Quando eu era pequena e morava em Belo Horizonte, meu pai resolveu comprar um terreno na Pampulha. Era um terreno de esquina, cercado por arame farpado, e a algumas quadras da lagoa. O plano era construir uma casa lá em algum momento. Naquela época, a Pampulha, embora ainda afastada, já era uma extensão viável da cidade e morar lá já não soava como um absurdo.
Íamos muitas vezes, nos fins de semana, passear na Pampulha e visitar o terreno. Lembro-me de uma vez em que encontramos um ninho de passarinho num galho de arbusto! Foi o primeiro ninho que vi na vida e uma descoberta fenomenal! A partir dai, nossa expectativa era de sempre encontrar um novo ninho, o que, lamentavelmente, nunca aconteceu. Mas não importava. Descer do carro e correr à procura de um ninho valia a visita!
Visitar a Igrejinha e correr e brincar ao seu redor às margens da lagoa e tomar caldo de cana na pracinha em frente era o ritual. A gente adorava ver as tiras de cana sendo prensadas para extrair o caldo. A gente adorava também chupar o caldo direto das canas cortadas!
Na minha ignorância infantil, aquele lugar nada mais era do que nosso passatempo de fim de semana! Não podia imaginar, ao correr e brincar ao redor da Igrejinha ou recostar-me nos seus azulejos, estar diante de uma obra arquitetônica de tal magnitude! Essa consciência veio anos depois, apenas muitos anos depois!
Ontem o Conjunto Arquitetônico da Pampulha foi reconhecido pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade. Idealizado pelo então prefeito Juscelino Kubitschek nos anos 40, o projeto era transformar a lagoa urbana represada de pequenos córregos em centro de lazer e turismo: um cassino, um clube, uma casa de bailes, uma igreja e um hotel. Do projeto inicial, apenas o hotel não foi construído.
O arrojado projeto foi encomendado ao jovem arquiteto Oscar Niemeyer e contou com as participações criativas de Burle Marx e Candio Portinari. A modernidade das curvas e do uso do concreto causou um enorme impacto na época e constituiu-se como marco da arquitetura mundial.
O cassino, desativado em 1946 com a proibição de jogos no Brasil, hoje abriga o Museu de Arte da Pampulha. O Iate Cube, simplesmente PIC na minha infância, ainda é um dos clubes principais e sua desapropriação está sendo discutida. A Casa do Baile, palco de festas da alta sociedade, é hoje um Centro que discute Arquitetura, Urbanismo e Design.
Mas, sem dúvida, o maior legado é a Igreja de São Francisco de Assis, mais conhecida como Igrejinha da Pampulha e que de Igrejinha não tem nada! Igrejão como poucos! Com suas curvas, seus azulejos, e seus painéis impressionantes! Incrível pensar ter ficado tantos anos proibida ao culto pelo tradicionalismo das autoridades eclesiásticas...
A manutenção do título, no entanto, depende de algumas exigências nos próximos 3 anos. Entre essas exigências, a conservação das construções originais e a limpeza da lagoa. Sem muita tradição na reservação dos nossos acervos e diante da crise que vivemos, difícil acreditar que essas exigências serão atendidas. Apenas recentemente os painéis da Igrejinha, por exemplo, foram vandalizadas.
Torço pelo sucesso dos esforços! Torço pela preservação do nosso patrimônio! Torço pela consciência da nossa excelência criativa!
E encho-me de orgulho pela Pampulha que permanece intacta na minha memória com encantamentos de ninho de passarinho, gosto de cana e brincadeiras infantis!
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