"E o direito ilegítimo que eu tenho? Não vale nada?"
Ali ali só ali se se alice ali se visse quanto alice viu e não disse se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece (Paulo Leminski)
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023
Ubu Rei. Delírio Tropical.
sábado, 5 de novembro de 2022
Ana Maria Whitaker. Nossa eterna embaixatriz.
Conheci a Ana em 1992 em San Juan, Porto Rico. O Christiano, marido dela, era o cônsul do Brasil em Porto Rico e, quando fomos nos registrar no consulado, ele, muito gentilmente, sentou-se conosco para saber quem éramos, o que fazíamos, nossos filhos, etc. Christiano fez um ótimo trabalho em reunir os brasileiros que estavam morando ali e, pelas afinidades, e, principalmente, pela proximidade da idade dos filhos, formamos um grupo muito especial.
Quando a conheci, fiquei muito impressionada. Porque ela era MESMO uma consulesa! E depois virou embaixatriz! Um porte, uma altivez, uma presença! Acho que "presença" é a palavra que melhor a define. A Ana chegava e ocupava o espaço. Mesmo sem querer. Chique, elegante, discreta. Mas com muita personalidade!
A Ana era muito sagaz! Sem dizer uma palavra, os olhos percorriam tudo e todos. Um senso crítico apuradíssimo! Uma capacidade de síntese como poucos! Uma habilidade para decifrar como nunca vi. E os olhos... Que percorriam... Entendiam... Decifravam... Um humor daqueles bem ácidos, diretos, certeiros. Como eu gostava do humor dela! E ela não ria solto. Ria baixo, cortado. Ria quase sem rir. Mas ria. E muito!
A Ana tinha uma casa linda! LOTADA de objetos de todos os tamanhos, formatos e materiais possíveis. Objetos lindos! Verdadeiras relíquias acumuladas ao longo do tempo, e vindos de todos os países em que moraram. Nem sei mais listar quantos ou quais, mas foram muitos! Cada um dos quatro filhos nasceu em um país diferente. E ela mantinha todas essas lembranças e obras de arte de todos os tipos. Era um prazer admirá-los!
A Ana costurava. Fazia aulas de costura em Porto Rico com a professora mais famosa da ilha: Begônia. Ela e a Christina, outra brasileira do nosso grupo que também tinha o maior talento. Fiz aulas também com a mesma professora. Resultado: fracasso total. Definitivamente, não dou pra coisa. Mas a Ana e a Christina... Como costuravam bem!
A Ana também cozinhava. E como!! Pratos maravilhosos! Uma organização que dava até raiva! Lembro, em especial, um jantar de 24 de dezembro, dia do aniversário do Christiano, que passamos com eles. Uma ceia MARAVILHOSA!!! Nada parecia dar trabalho, tudo parecia simples, fácil, normal. Lembro-me também de uma outra vez em que fui ao Rio e almocei com eles. O almoço todo pensado, calculado, todo arrumado num carrinho de chá que era só levar para a mesa. Era assim. Tudo perfeito como um relógio suíço!
Mas o mais típico da Ana eram as benditas bolas de Natal que ela passava o ANO TODO preparando! Ela forrava as bolas com retalhos e levava a cesta das bolas para onde ia! Sentava enquanto conversávamos... E dá-lhe bolas! Falava e forrava! Centenas!
De um número razoável de brasileiros em Porto Rico, acabamos formando um grupo menor. Menor em tamanho, mas ENORME em afeto e afinidades. Chamamo-nos de AMIGUITAS! E amiguitas somos há exatos 30 anos! De Porto Rico, eu e a Carmen, ambas cariocas, viemos para São Paulo. Bel, paulista, foi pra Recife e depois voltou pra São Paulo. A minha xará, Maria Alice, foi pro Uruguai e depois voltou pra São Paulo. Christina foi pra Alemanha, pra França e hoje mora na Flórida. Fátima foi pra República Dominicana e hoje mora na Guiana. E a Ana foi pro Vietnã, pra Namíbia e depois voltou para o Rio de Janeiro. Mas NUNCA deixamos de nos falar, de nos procurar, e de estar juntas sempre que possível! E conseguimos muitas vezes! E cada vez era uma festa! E muito prosecco! E muita bobagem! E muitas risadas! Uma vez, fomos a um restaurante aqui em São Paulo e fizemos tanto estardalhaço que os garçons nos olhavam a ponto de sentirmos vergonha! Eram assim os nosso encontros... Era assim a nossa vontade de estar juntas... Era assim que éramos as amiguitas... A foto abaixo retrata um dos nossos momentos juntas. Conseguimos reunir quase todas, faltando apenas a Fátima, que inclui na montagem para registrar todas nós!
De tudo que a Ana tinha de especial, acho que o ouvir era o principal. Pelo menos pra mim. Quando eu precisava desabafar, ou de um conselho sobre algum assunto mais sério, era a ela que recorria. Isso porque, nesses casos, eu não precisava de alguém dizendo que tudo ia dar certo. Eu precisava mesmo era de alguém que ouvisse até o que eu não estava falando. Atentamente. E, sem meias palavras, olhando bem dentro do meu olho, ela dizia tudo o que eu precisava ouvir. E nunca mais tocava no assunto! E precisei dela algumas vezes... Com tantas dúvidas... Tantas incertezas... E sempre tive dela o olhar firme e os ouvidos atentos. E por isso, entre tantas coisas, sou imensamente grata.
A Ana nos deixou no dia 30 de outubro. Embora ela já não estivesse bem, a sua partida nos pegou desprevenidas. Porque é muito difícil pensar num mundo sem ela. Quase impossível pensarmos como amiguitas sem ela. Ela era o centro do nosso grupo. A nossa matriarca sábia, ponderada, ácida, generosa, atenta. Estamos sem chão... Um vazio doído... Uma vontade de voltar o tempo e estar mais vezes, ouvir mais, aprender mais... Dizer o quanto ela era querida, apreciada, reconhecida, admirada...
E o meu carinho se estende infinito ao Christiano, Clara (minha querida, que tbm me ajudou num momento de transição muito especial!), Daniel (sempre tão carinhoso!), Camila (minha querida florida!), Renato (o caçulinha que se juntou à criançada!), Aninha, Lia, Petra, Vinicius...
A Ana SEMPRE dizia, em TODAS as vezes em que estávamos juntas: "O que temos é muito especial!" E era mesmo. E é mesmo! E sempre será!
Ana, que falta você vai fazer... Que falta...
sábado, 29 de outubro de 2022
A política e o poder de perdoar.
Os atos do presidente, dos seus ministros, de governadores, prefeitos, vereadores, deputados, senadores, dos administradores e funcionários públicos e dos demais colaboradores podem ser punidos.
Mas e nós? Como sociedade? Como prosseguiremos, depois de amanhã, com os nossos atos de oposição uns aos outros, para o quais não há punição? Não podemos ser punidos por escolher um ou outro caminho. Não podemos ser punidos por defender ideologias antagônicas, inconciliáveis. Mas, no entanto, estamos, sim, nos punindo metaforicamente pelo que defendemos. Implacáveis, irredutíveis, acusativos.
Por mais que tenhamos valores cristalizados e inegociáveis, se não dermos um passo em direção ao perdão ao que nos opomos tão veementemente, não nos reconciliaremos, não teremos como construir o país que queremos e merecemos. Não colocaremos fim ao cabo de guerr.
Amanhã um dos lados sairá "vencedor". Espero, do fundo do meu coração, que seja o lado da civilidade. Esse lado será capaz de unir, acolher e, sim, perdoar o que parece imperdoável. O outro lado, se ganhar, pelo seu histórico, infelizmente, fortalecerá seus ressentimentos, seus ódios e sua exclusão.
domingo, 18 de setembro de 2022
Carta às mulheres
São Paulo, 18 de setembro de 2022.
Queridas mulheres:
A história do mundo foi/é/tem sido contabilizada, quase que exclusivamente, sob a equivocada ótica do universo masculino. Força, lutas, conquistas, dominação, subjugo, vaidades, egolatria e sacralização peniana foram/são/têm sido os fios condutores que determinaram/determinam a jornada e feitos da humanidade.
Coube a nós, mulheres, no entanto, a missão mais nobre. Mais importante. Mais essencial. Somos nós, e não os homens, as responsáveis por gerar vidas. O escritor moçambicano Mia Couto, no seu livro "A confissão da leoa", diz, num dos trechos mais lindos da literatura, que "Todos sabemos, por exemplo, que o céu ainda não está acabado. São as mulheres que, desde milênios, vão tecendo esse infinito véu. Quando seus ventres se arredondam, uma porção de céu fica acrescentada. Ao inverso, quando perdem um filho, esse pedaço de firmamento volta a definhar".
Somos também nós, e não os homens, as responsáveis, por contar e preservar as memórias de mundo. Cada mãe que nina o seu filho conta uma história de mundo. E lhe assegura que o mundo é bom. E que ele será sempre protegido. Cada mãe, avó, tia, prima, irmã, sobrinha, professora que conta uma história, faz um afago, consola, enaltece, sorri largo e derrama carinho, conta mais histórias do mundo. Histórias belas, nobres, que fazem acreditar muito além do que se vê e se sente. Histórias que fazem ser possíveis outros mundos, outros destinos, outras e outras histórias.
E somos também nós, e não os homens, que criamos e desenvolvemos a arte de fiar e tecer. Fios e bordados, reais e simbólicos, tão frágeis quanto potentes, teceram/tecem/têm tecido as tradições, memórias, desejos e fantasias. Verdadeiros guardiões das histórias construídas, mal construídas e desconstruídas.
E é justamente em nome da nossa missão insubstituível que convoco todas vocês, em união cúmplice e solidária, para, juntas, interferirmos na desordem caótica em que estamos todos mergulhadas e reestabelecermos a ordem funcional que garanta a preservação das vidas. Gerar e preservar. Preservar e contar. Essa é a nossa natureza. Essa é a nossa essência.
Há quatro anos, vivemos o invivível. Temos sido silenciadas, maltratadas, mutiladas, estupradas, mortas. Nossos filhos estão diariamente em risco. Feliz é a mãe que, aliviada, coloca o seu filho para dormir em casa todas as noites. Muitas, infelizmente, não têm a mesma sorte e choram os seus filhos nos seus caixões. Vidas e vidas interrompidas por balas aleatórias deliberadamente cedidas a quem extermina quando deveria proteger.
Há quatro anos, os nossos filhos estão cada vez mais orfãos da pátria acolhedora, gentil, cuidadora. Não há vozes ternas; há apenas vozes raivosas. Não há caminhos de luz; há apenas trevas. Não há futuro esperançoso; há apenas o presente incerto. Não há liberdade; há apenas o poder impostor. Não há a alegria e descontração; há apenas a tristeza que nem sabemos bem por quem carregamos. Não há o futuro de terra nossa que nos permita continuar a respirar; há apenas cinzas e o fogo que consome e sufoca. Não há país para todos; há apenas para poucos, muito poucos. Não há conhecimento; há apenas a ignorância galopante. Não há cultura, arte, beleza, sublimação; há apenas a supressão de tudo o que seja criativo e transformador. Não há o direito das minorias; há apenas o preconceito e perseguição. Não há a fé espontânea, que vem de dentro e procura ser sempre melhor; há apenas a nojenta manipulação dos ingênuos. Não há preocupação com o sustento; há apenas a fome que dói, que imobiliza, que mata. Não há valorização da vida; há apenas o culto satânico à morte.
Há quatro anos, encolhemos. Minguamos. De vergonha, de horror, de impotência. Assoladas por estratégias de crueldades nunca antes pensadas possíveis, paralisamos. Incrédulas, silenciamos. Deixamos de contar a história, porque nos recusamos a perpetuar a história tão indigna, tão baixa; tão contrária.
Mas essa infeliz história pode ser revertida. Somos 52,65% de eleitoras. E, em 2 de outubro, podemos, não contar, mas FAZER HISTÓRIA! Não assistir, mas protagonizar. Podemos dar o basta. E determinar, ao toque de uma tecla, a nossa escolha pela vida.
Somos mulheres. De fragilidade forte, sensível, atenta, intuitiva. É absolutamente contrário à nossa natureza aceitar o inaceitável. Conviver com a violência, com a boçalidade, com a falta de liberdade, com a perda da doçura, com o medo, com os lutos infinitos, com a fé que fere o bem e o bom, com a injustiça, com a dor de cada uma que se torna a dor de todas é um verdadeiro estupro ao nosso SER MULHER.
Somos mulheres. E repudiamos tudo e todos que nos afastam do sorriso orgulhoso, do coração transbordante de orgulho, da compreensão maior do mundo, da capacidade de cuidar, proteger, viver e deixar viver. Não precisamos dos discursos e narrativas do oposto. Devemos ouvir os nossos corações. Sem medo de errar, DEVEMOS seguir a nossa intuição.
Somos 52,65%. Vamos juntas. Vamos confiantes. Vamos convictas. O que está em jogo é o mais básico: A SOBREVIVÊNCIA. E ninguém melhor do que nós, as que geramos vidas, para entender o valor de ver essa vida germinar e florescer.
Peço a cada um de vocês que reflita. Muito. E sem amarras. Sem ideias ultrapassadas. Com a clareza do ver mais profundo do que a superfície rasa que ilude, confunde. Pensem nas outras mulheres que fazem parte das suas vidas. Pensem que voz vocês querem dar a elas. Pensem nas histórias que elas terão orgulho em contar. Pensem no mundo que podemos, agora, fazer ser um pouquinho melhor.
As mulheres da minha vida estão aqui: minhas irmãs, sobrinhas, sobrinhas-netas. E, principalmente, a minha filha - aranha, que já tem tecido lindas histórias de mundo!
Termino com essa imagem e com um provérbio africano: "Quando as teias de aranha se juntam, elas podem amarrar um leão"!
Obrigada a todas!
Com carinho, imensa admiração e irrestrita cumplicidade,
Maria Alice
quinta-feira, 8 de setembro de 2022
"God save our gracious Queen."
Quem me conhece sabe o quanto sou admiradora da Rainha Elizabeth! Eu costumava dizer que quando o mundo - e também o meu mundo particular - parecia caótico e sem sentido, ter certeza da presença dela era a ordenação necessária para que tudo voltasse ao normal possível e suportável.
Her Majesty. Setenta anos de reinado. A primeira coroação transmitida pela TV. Testemunhou as grandes transformações do seu tempo. Viveu os períodos das maiores mudanças. Elo entre o passado glorioso e o presente incerto.
Her Majesty. Digna. Altiva. Elegante. Discreta. Gentil. Alegre. Admirada. Respeitada. Reverenciada.
E acho que é por isso tudo que sou súdita leal e assumida. Preciso de mitos que elaborem o que a lógica nem sempre explica. Preciso de mitos que assegurem que tudo tem o seu momento, o seu lugar, a sua linguagem. Não é essa, afinal, a função dos mitos?
A Rainha Elizabeth personificou os protocolos e os cerimoniais. Com eles, o apaziguamento de conflitos e o despojamento dos interesses e vaidades. Nos rituais rígidos e metódicos, a estabilidade, a segurança, a normalidade. Na sua majestade, a capacidade de adaptar-se aos tempos sem fraquejar e sem deixar de cumprir o seu papel.
O mundo perde hoje a sua Rainha absoluta e insubstituível. Uma Era se encerra. Gloriosa, vitoriosa, digna. Em tempos tão difíceis e com tantas indignidades e falta de grandeza, o exemplo da Rainha fará muita falta. Uma nova Era se inicia. Diferente, incerta, frágil.
E eu? Particularmente? Perco Mi Reina, My Queen. E sinto uma certa vertigem. Medo de pisar no chão cambaleante, daqui por diante, e tatear a sua não-presença para me garantir que tudo segue bem no mundo.
Encerro com um dos seus maiores ensinamentos: "It has been women who have breathed gentleness and care into the harsh progress of mankind." .
domingo, 21 de agosto de 2022
Pundonor. Pontos de honras.
Pundonor, em espanhol, quer dizer ponto de honra, aquilo do que não se pode abrir mão.
E é justamente a defesa dessa honra que serve de base para o monólogo dirigido por Bernardo Bibancos, um jovem diretor de apenas 25 anos, mas com um olhar sensível, cuidadoso e muito profissional; e protagonizado por Lu Grimaldi, que dispensa apresentação pela sua carreira coroada por grandes personagens!
O texto é da dramaturga argentina Andrea Garrote, o que lhe rendeu vários prêmios, inclusive o de "melhor monólogo da década"!
Monólogos não são fáceis dentro da dramaturgia. A falta de interação entre personagens, a ausência de falares diferentes e de particularidades individuais podem tornar-se cansativas para o público e muito desgastante para o ator. O monólogo EXIGE um texto primoroso, impecável, interessante, coeso e de grande poder de identificação. Ao mesmo tempo, o monólogo EXIGE cenários assertivos, iluminação cuidadosa e um ator/uma atriz de ENORME talento de corpo e voz. Sem essa combinação perfeita, o monólogo torna-se um desafio.
Tenho, como referência, dois monólogos a que assisti e me impactaram muito. O primeiro, na década de 70 e eu, ainda adolescente, foi "Apareceu a Margarida", numa interpretação inesquecível de Marilia Pera! Arrebatadora! Desconcertante! O texto falava sobre uma professora que, em plena sala de aula, fazia de seus alunos interlocutores para mostrar a sua visão de mundo, discutir autoritarismo, poder e sexo. Aos poucos, na sua empolgação e abstração, a professora subia na mesa, gritava, ria histericamente, chorava, uma mistura incrível de emoções!
O segundo foi "Palavra de Rainha", com Lu Grimaldi numa apresentação magistral que, ainda que única atriz, dividia o palco com um dos cenários mais sensacionais que já vi! O enorme vestido preto de D.Maria cobria cada centímetro e movia-se, como ondas, na mente tortuosa da Rainha Louca. Tenho uma afeição especial por esse monólogo, pois o meu filho teve a honra de participar desse projeto como assistente de direção da diretora Mika Lins. Lu Grimaldi encarnou D.Maria de forma tão absurda que, depois disso, só consigo vê-la como "majestade"! A peça fala sobre a "loucura" da rainha atormentada pela morte de seus filhos e pelo medo do desconhecido. O que eram fatos racionais e lógicos, passam a ser sensações e intuições. Uma peça belíssima que traz toda a tragédia da mulher, mãe e soberana numa mente fragilizada, amedrontada e melancólica.
Pundonor reúne, num certo sentido, as trajetórias e vozes das duas mulheres que a antecederam. Na pele de Claudia, professora de sociologia especializada em Michel Foucault, o conceito de loucura, opressão e dominação são aprofundados e atualizados. Claudia volta à sala de aula após um afastamento imposto. Ainda bastante abalada pelos acontecimentos e por todo o julgamento, acusações e rótulos impostos, ela usa a teoria de Foucault para externar a sua visão da modernidade e do papel que a sociedade ainda destina à mulher. Loucura e descontrole sempre foram atribuídos às mulheres ao longo da História, quando não correspondiam ao comportamento esperado, ou melhor, definido para elas. Ao confrontar os próprios alunos quanto às suas atitudes, principalmente quanto ao uso das redes sociais, Claudia questiona o que pode ser considerado normal ou anormal, e o quanto esse conceito muda de acordo com o tempo e os padrões sociais.
A personagem parece ter sido escrita especialmente para a Lu Grimaldi! Que controle de palco! Que controle de corpo! Que controle de voz! Que controle de olhar! A Lu consegue, com maestria, mesclar a densidade do tema com a leveza e o humor que sustentam o texto. O nervosismo de estar sendo julgada é equilibrado com o "foda-se" e controle de seus pensamentos e convicções. A loucura é uma linha tênue... E tão fácil de ser diagnosticada! E tão difícil de ser compreendida e acolhida...
Uma das coisas legais dessa peça é o espaço escolhido! Não é teatro. É um anfiteatro dentro da Unisa, Assim, a criação do ambiente de sala de aula é criado de forma natural e não cenográfica!
O primoroso trabalho de iluminação também merece aplausos! Algumas poucas luminárias espalhadas pela "sala de aula" servem de âncora e de apoio para Claudia. Em uma das cenas, todas são deitadas no chão... Que efeito!
E destaco , para finalizar, a frase do texto MUITO apropriada para os tempos atuais: "Há muitas pessoas sem inteligência, mas que têm a sua ignorância muito bem organizada."sexta-feira, 3 de junho de 2022
"Aujourd'hui, maman est morte".