Conheci a Ana em 1992 em San Juan, Porto Rico. O Christiano, marido dela, era o cônsul do Brasil em Porto Rico e, quando fomos nos registrar no consulado, ele, muito gentilmente, sentou-se conosco para saber quem éramos, o que fazíamos, nossos filhos, etc. Christiano fez um ótimo trabalho em reunir os brasileiros que estavam morando ali e, pelas afinidades, e, principalmente, pela proximidade da idade dos filhos, formamos um grupo muito especial.
Quando a conheci, fiquei muito impressionada. Porque ela era MESMO uma consulesa! E depois virou embaixatriz! Um porte, uma altivez, uma presença! Acho que "presença" é a palavra que melhor a define. A Ana chegava e ocupava o espaço. Mesmo sem querer. Chique, elegante, discreta. Mas com muita personalidade!
A Ana era muito sagaz! Sem dizer uma palavra, os olhos percorriam tudo e todos. Um senso crítico apuradíssimo! Uma capacidade de síntese como poucos! Uma habilidade para decifrar como nunca vi. E os olhos... Que percorriam... Entendiam... Decifravam... Um humor daqueles bem ácidos, diretos, certeiros. Como eu gostava do humor dela! E ela não ria solto. Ria baixo, cortado. Ria quase sem rir. Mas ria. E muito!
A Ana tinha uma casa linda! LOTADA de objetos de todos os tamanhos, formatos e materiais possíveis. Objetos lindos! Verdadeiras relíquias acumuladas ao longo do tempo, e vindos de todos os países em que moraram. Nem sei mais listar quantos ou quais, mas foram muitos! Cada um dos quatro filhos nasceu em um país diferente. E ela mantinha todas essas lembranças e obras de arte de todos os tipos. Era um prazer admirá-los!
A Ana costurava. Fazia aulas de costura em Porto Rico com a professora mais famosa da ilha: Begônia. Ela e a Christina, outra brasileira do nosso grupo que também tinha o maior talento. Fiz aulas também com a mesma professora. Resultado: fracasso total. Definitivamente, não dou pra coisa. Mas a Ana e a Christina... Como costuravam bem!
A Ana também cozinhava. E como!! Pratos maravilhosos! Uma organização que dava até raiva! Lembro, em especial, um jantar de 24 de dezembro, dia do aniversário do Christiano, que passamos com eles. Uma ceia MARAVILHOSA!!! Nada parecia dar trabalho, tudo parecia simples, fácil, normal. Lembro-me também de uma outra vez em que fui ao Rio e almocei com eles. O almoço todo pensado, calculado, todo arrumado num carrinho de chá que era só levar para a mesa. Era assim. Tudo perfeito como um relógio suíço!
Mas o mais típico da Ana eram as benditas bolas de Natal que ela passava o ANO TODO preparando! Ela forrava as bolas com retalhos e levava a cesta das bolas para onde ia! Sentava enquanto conversávamos... E dá-lhe bolas! Falava e forrava! Centenas!
De um número razoável de brasileiros em Porto Rico, acabamos formando um grupo menor. Menor em tamanho, mas ENORME em afeto e afinidades. Chamamo-nos de AMIGUITAS! E amiguitas somos há exatos 30 anos! De Porto Rico, eu e a Carmen, ambas cariocas, viemos para São Paulo. Bel, paulista, foi pra Recife e depois voltou pra São Paulo. A minha xará, Maria Alice, foi pro Uruguai e depois voltou pra São Paulo. Christina foi pra Alemanha, pra França e hoje mora na Flórida. Fátima foi pra República Dominicana e hoje mora na Guiana. E a Ana foi pro Vietnã, pra Namíbia e depois voltou para o Rio de Janeiro. Mas NUNCA deixamos de nos falar, de nos procurar, e de estar juntas sempre que possível! E conseguimos muitas vezes! E cada vez era uma festa! E muito prosecco! E muita bobagem! E muitas risadas! Uma vez, fomos a um restaurante aqui em São Paulo e fizemos tanto estardalhaço que os garçons nos olhavam a ponto de sentirmos vergonha! Eram assim os nosso encontros... Era assim a nossa vontade de estar juntas... Era assim que éramos as amiguitas... A foto abaixo retrata um dos nossos momentos juntas. Conseguimos reunir quase todas, faltando apenas a Fátima, que inclui na montagem para registrar todas nós!
De tudo que a Ana tinha de especial, acho que o ouvir era o principal. Pelo menos pra mim. Quando eu precisava desabafar, ou de um conselho sobre algum assunto mais sério, era a ela que recorria. Isso porque, nesses casos, eu não precisava de alguém dizendo que tudo ia dar certo. Eu precisava mesmo era de alguém que ouvisse até o que eu não estava falando. Atentamente. E, sem meias palavras, olhando bem dentro do meu olho, ela dizia tudo o que eu precisava ouvir. E nunca mais tocava no assunto! E precisei dela algumas vezes... Com tantas dúvidas... Tantas incertezas... E sempre tive dela o olhar firme e os ouvidos atentos. E por isso, entre tantas coisas, sou imensamente grata.
A Ana nos deixou no dia 30 de outubro. Embora ela já não estivesse bem, a sua partida nos pegou desprevenidas. Porque é muito difícil pensar num mundo sem ela. Quase impossível pensarmos como amiguitas sem ela. Ela era o centro do nosso grupo. A nossa matriarca sábia, ponderada, ácida, generosa, atenta. Estamos sem chão... Um vazio doído... Uma vontade de voltar o tempo e estar mais vezes, ouvir mais, aprender mais... Dizer o quanto ela era querida, apreciada, reconhecida, admirada...
E o meu carinho se estende infinito ao Christiano, Clara (minha querida, que tbm me ajudou num momento de transição muito especial!), Daniel (sempre tão carinhoso!), Camila (minha querida florida!), Renato (o caçulinha que se juntou à criançada!), Aninha, Lia, Petra, Vinicius...
A Ana SEMPRE dizia, em TODAS as vezes em que estávamos juntas: "O que temos é muito especial!" E era mesmo. E é mesmo! E sempre será!
Ana, que falta você vai fazer... Que falta...
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