Hamlet, de William Shakespeare é, sem dúvida, a peça mais encenada e estudada do maior dramaturgo de todos os tempos! Houvesse apenas UM escritor em toda a história da humanidade, Shakespeare, SOZINHO, conseguiria abordar todas - absolutamente TODAS - as complexas motivações e contraditórias emoções humanas. Shakespeare também teria sido capaz de, SOZINHO, inspirar o nascimento de TODAS as outras artes! Dança, música, pintura, escultura e todas as demais manifestações artísticas surgiram, naturalmente, da sua obra. Nessa abordagem, Hamlet parece inesgotável! Seja qual for a opção de encenação, há camadas ainda a serem exploradas!
O diretor Gabriel Villela, de quem sou fã assumida, optou pela primeira versão de que se tem conhecimento. Shakespeare escreveu três versões para a sua maior tragédia! A cada versão, o dramaturgo mergulhou mais profundamente nas questões metafísicas e menos nas ações. A primeira versão, portanto, tem maior enfoque no agir do que no pensar, e, portanto, apresenta agilidade que favorece o palco.
Gabriel fez um trabalho absolutamente surpreendente! Quem conhece e acompanha a sua obra já se acostumou com as suas soluções inovadoras de cenário, criatividade nos figurinos e seleção musical variada. Mas, ainda assim, ele sempre surpreende!
O cenário, projetado para acomodar tantas cenas em diferentes espaços, é genial! No mesmo palco, a torre do palácio, a sala do trono, os aposentos de Hamlet e da Rainha, os aposentos de Corambis (Polonius) e seus filhos, o palco da companhia teatral, o cemitério. A única cena fora da encenação é a viagem de Hamlet à Inglaterra, que é apenas narrada. Gabriel, como sempre, não deixa de pautar questões contemporâneas nas suas concepções. Em "O Primeiro Hamlet", espectros de árvores, em referência à devastação ambiental, dialogam com os espectros das personagens. Tristemente sensacional!
Nem sei mais como descrever a criatividade dos figurinos! O contraste das cores sóbrias predominantes com o leve colorido reforçam a sobriedade dos temas. Destaque para a leveza do figurino de Ofélia. Destaque também, SEMPRE, para a maquiagem voltada para o circense. E, COMO SEMPRE, a composição das tradicionais golas elizabetanas. É um verdadeiro deslumbramento!
Impossível dissociar as produções do Gabriel da seleção musical absurdamente envolvente! Em "O Primeiro Hamlet", ele optou por uma linha mais linear e homogênea, priorizando canções MARAVILHOSAS em latim, criando polifonias que tocam fundo, muito fundo na alma! Parabéns aos responsáveis! Que presente!
Por fim, quero falar desse elenco mais do que talentoso! Chico Carvalho, como Hamlet, nos arrasta para o que há de mis trágico no enredo! Seu monólogo do "Ser ou Não ser" é de uma beleza teatral que define o fazer teatral!!! Luciana Carnieli, como a Rainha Gertred (Gertrudes), está estupenda. Claudio Fontana, como Rei Claudius se superou nas expressões faciais! Que versatilidade! Que comicidade drmática! E a dobradinha Claudio Fontana e Elias Andreato continua rendendo ótimas performances! Aliás, o Elias, como Corambis (Polonius) parecia estar se divertindo muito! E nos levou à mesma diversão! Que talento! Aliás, todo o elenco está afinado e uniforme! E queria, aqui, destacar a qualidade vocal de TODOS!!! Absolutamente impressionante a sintonia vocal que compõe cada cena!
O teatro de Gabriel Vilella é inspirador, renovador, instigador! Não se sai de qualquer uma de suas peças sem o coração transbordante de tanta beleza e sem a reflexão crítica que nos provoca!
E, por isso, escolhi a frase que mais me remete a Hamlet: "The rest is silence". A polissemia da palavra "rest" em Inglês traduz o meu sentimento: "rest" pode ser "resto" ou "descanso". Ao fechar das cortinas, só resta o silêncio. Mas também a nossa absorção individual e introspectiva precisa desse silêncio!