Ali ali só ali se se alice ali se visse quanto alice viu e não disse se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece (Paulo Leminski)
sábado, 19 de março de 2016
2 ,5 milhões x 500 mil. Noves fora? Um Brasil.
A comparação entre os números absolutos das manifestações contra e pró governo ocorridas nessa semana tem pouca relevância. São números expressivos. Realmente expressivos! E as imagens da Avenida Paulista tomada em toda a sua extensão nos dois dias impressionam. Realmente impressionam!
As generalizações que pontuam as discussões nas redes sociais, equivocadamente, inspiram-se nas minorias e, consequentemente, ignoram as verdadeiras mensagens.
Dos 2/3 da população que reprovam o governo e apoiam a saída da atual presidente, menos de 5% pedem a volta da ditadura. Da mesma forma, do 1/3 que defende a permanência da presidente, menos de 5% propõem um governo autoritário de esquerda. Usar eventuais cartazes sob essa motivação de um ou outro lado como temática predominante de uma e outra manifestação é generalizar o insignificante com clara - e burra! - intenção de desqualificar a legitimidade dos protestos.
Tirando esses noves fora, não parece haver dúvidas de que é vontade dos dois lados uma solução que não comprometa a democracia! Também parece unânime o repúdio à classe política e às práticas obscuras e escusas herdadas da nossa história. A condenação das complexas redes de corrupção e favorecimentos também aponta pauta convergente.
Se o que aproxima parece ser o mais relevante e construtivo da nossa cidadania, como explicar o confronto separatista e inconciliável?
Primeiramente, pelo que se entende como golpe e risco à democracia. Esse entendimento parece dividir também a opinião de juristas e autoridades no assunto. Particularmente, não consigo ver a democracia em risco ou afrontada caso - e apenas se - condutas comprovadamente reprováveis da presidente justifiquem o instrumento que, SIM, é legal e constitucional. A legitimidade da presidente eleita pela maioria do votos não está em discussão. O seu afastamento, CLARO, não pode ser motivado apenas pela ineficiência de sua administração ou pela queda vertiginosa de sua popularidade. Mas (quase) todos acreditamos - quero crer - haver suficiente indícios - ou, pelo menos dúvidas consistentes - que mereçam investigação cuidadosa. Nessa visão, o impeachment do ex-presidente Fernando Collor foi, afinal, golpe? Foram também tentativas de golpe os quatro pedidos de impeachment do ex-presidente FHC em 1999? Não foram ambos também eleitos democraticamente? Apenas lembrando que, no caso Collor, houve também expressiva mobilização popular e o ex-presidente optou pela renúncia. No caso FHC, não houve adesão popular significativa.
Em segundo lugar, pelo receio de que, na eventual deposição da presidente, a oposição desqualificada assuma a condução o país. A teoria do "pior sem" não pode e não deveria, sob qualquer hipótese, ser aplicada numa sociedade que busca sua grandeza. Esse risco se desenha já nas negociações do apoio que garanta governabilidade. Alianças... Podem ajudar tanto quanto atrapalhar e, por isso mesmo, deveriam ser melhor avaliadas. Poupar transgressões e crimes pelo fato do outro ser igualmente suspeito - ainda que fortemente - de similares transgressões e crimes é inadmissível. Que cada um seja exemplarmente punido pelo que lhe cabe. E que o risco do "pior sem" sempre se sobreponha ao comprovadamente condenável. Apenas com ações firmes e inegociáveis conseguiremos, aos poucos, descontaminar a nossa política. O "rouba, mas faz" do malufismo parece ter ganhado nova roupagem na gestão petista: corrompe-se, mas promove-se inclusão social. Fins NUNCA justificam meios. E enquanto não entendermos e praticarmos meios lícitos, transparentes e dignos, os fins serão sempre inconsistentes, frágeis e insustentáveis.
Por último, e talvez o que mais oponha os dois lados, a base econômica. Os que hoje opõem-se frontalmente ao governo, ressentem os rumos econômicos que penalizam a produção, causando desemprego, inflação, falta de investimento e desconfiança comercial. Não reconhecem nos avanços sociais promovidos a sustentação que equilibre as perdas de atividade econômica pela recessão tão cruel. Os defensores do governo, no entanto, acreditam na politica econômica mais pautada nos programas sociais e com prioridade absoluta na melhor distribuição de renda, ainda que penalizando as atividades que justamente devem financiar a maior igualdade social. O mais irônico, nessa defesa, é que as gestões petistas foram as gestões que mais se aproximaram do "capital" que tanto demonizavam. Também paradoxalmente, os simpatizantes do governo - e o próprio governo - pouco comemoram a punição dos empresários "exploradores e cujos lucros insaciáveis são responsáveis pela miséria de tantos". Ao contrário, parecem condenar o rigor da justiça.
O discurso do ex-presidente Lula durante a manifestação na Avenida Paulista ontem repetiu a retórica dos anos 80, colocando a elite como opositora ao trabalhador. Retomou a doutrina do medo da interrupção de benefícios sociais. Cobrou mais saúde mais educação. Pareceu esquecer que o seu partido já está na quarta gestão e, portanto, críticas por mais saúde, mais educação, mais moradia e mais emprego são críticas a si mesmo.
Mais o que mais chamou atenção nessa retórica ultrapassada é a miopia na leitura dos tempo atuais. Não estamos nos anos 80. Muita coisa mudou no mundo e no Brasil. Nossa democracia amadureceu. Nossa cidadania ganhou novas consciências. Já somos outra geração, com filhos que já nasceram e cresceram com suas liberdades garantidas. A virtualidade traz conhecimentos e informações instantâneas. Promovem transformações e criam necessidades. As linguagens são outras e mutantes. As relações de trabalho mudaram. Oportunidades diversificaram.
Ainda assim, a miséria ainda é maior, MUITO maior do que a admissível em qualquer país digno. E impede o desenvolvimento e nos distancia do país que sonhamos ser. E deve ser, SEMPRE, prioridade alerta e incansável.
A última década nos ensinou que (1) é possível promover inclusão social (2) para que essa inclusão seja ascendente e contínua, o pais precisa continuar crescendo (3) a corrupção permitida sob a ilusão da alimentação econômica tem custo impagável (4) não é possível fazer politica sem concessões e a coerência de um governo define-se nas concessões cedidas.
Não tenho dúvidas de que todos os manifestantes que foram apoiar suas causas nas duas manifestações querem quase o mesmo: um pais democrático, próspero e justo. Esse país só será possível se: (1) retomarmos as atividades econômicas (2) estabelecermos programas sociais consistentes, mas possíveis (3) priorizarmos igualmente programas ambientais e sustentáveis (4) respeitarmos as instituições democráticas (5) promovermos a reforma política ampla, geral e irrestrita, entre tantas outras coisas.
A verdadeira mensagem das manifestações, turvadas pela superficialidade das discordâncias emocionais, é que nenhum dos lados se considera representado nas suas necessidades e aspirações.E não há cidadania sem sentimento de representatividade.
2,5 milhões de pessoas é exatamente igual a 500 mil pessoas e é exatamente igual aos outros 197 milhões ali igualmente reclamando representatividade. E expõem, com preocupação, a fragilidade dos alicerces do nosso crescimento social, econômico e democrático.
Noves fora os corruptos e criminosos que usurpam nossas riquezas; noves fora a intransigência e polarização; noves fora a irresponsabilidade e leviandade de muitos; noves fora o que nos afasta da dignidade. Sobra o Brasil. De todos e para todos.
O momento pede reflexão e contenção. Diálogo mais do que agressão. Empatia mais do que acusação. Humildade mais o que arrogância. Ponderação. Coerência. E alguns passos para conciliação.
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