quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Chico. Artista Brasileiro.

"O meu pai era paulista... Meu avô, pernambucano... O meu bisavô, mineiro... Meu tataravô, baiano... Vou na estrada há muitos anos... Sou um artista brasileiro..."  (Paratodos - Chico Buarque)





Painéis monocrômicos de tamanhos diversos e  propositalmente desordenados   delimitam os espaços cênicos do palco aos poucos ocupado por  músicos e coro. Sem pressa.  O silêncio respeitoso e solene anuncia a entrada  e Chico, cantando Sinhá - lindamente! -  surpreende  pela escolha inesperada  para a  abertura, considerando-se o seu repertório tão vasto e com músicas de maior apelo popular.



O documentário Chico - Artista Brasileiro de Miguel Faria Jr.,  numa escolha acertadamente intimista, envolve e emociona. Mesmo mantendo os elementos básicos de um documentário - depoimentos, fotos e videos - coloca Chico, dentro de sua casa,  como condutor absoluto de sua trajetória de vida e arte. Aos 71 anos, com mais de 5 décadas de uma intensa e bem-sucedida carreira em expressões diversas, Chico é referência. É patrimônio. Entre tantos e tantos Franciscos, ele é o Chico. Entre tantos artistas, é ele o brasileiro.




São vários os níveis que dialogam entre si e compõem  o retrato nada preto e branco  do artista que, certamente, converge a quase unanimidade nacional. Costurar a pluralidade de suas expressões  - família, amigos, música, literatura, dramaturgia, vida pública, futebol, Mangueira, ativismo politico e reflexões pessoais -  não é tarefa fácil.  E Miguel Faria Lima encontrou soluções simples e eficientes!







Os temas surgem dentro da cronologia mais emocional do que temporal e os cortes na narrativa vão costurando a unidade e coerência. E são justamente as "tesouras" desses cortes que respondem pela emoção e beleza inquestionáveis do filme!



 A leitura em off de Marilia Pera de trechos do livro mais recente Meu Irmão Alemão, contextualiza as lembranças de infância e as delicadas relações familiares. São muitas as histórias e muitas as memórias, como a da influência da mãe na sua relação com a música. "Quando ela estava cantando é porque estava tudo bem em casa." 





Chico encanta como contador de casos!  As histórias se sucedem com muito humor e  com detalhes de bastidores  e com fotos e videos que pontuam as histórias pessoais com as  do pais e do mundo! Mais do que as histórias, seus comentários e  reflexões mais maduras e  profundas, mas  desprovidas de filtro ou censura, revelam facetas resguardadas. Como, por exemplo,  ao referir-se aos seus shows mais recente: "Eles me aplaudem mais quando eu entro no palco do que quando saio".  Seu casamento, filhas e netos são tratados com muita delicadeza. E o sarau familiar com 3 de seus netos responde por um dos momentos de maior emoção! Quanto talento junto!




Mas certamente um dos maiores méritos do documentário foi a escolha das músicas e dos artistas que as interpretam, usando o espaço cênico construido pelos painéis e que vão pontuando a obra musical de Chico. Ney Matogrosso,  Adriana Calcanhoto e Mart'nália num dueto absolutamente fantástico, Laila Garin, Milton Nascimento, e tantos outros. E Carminho. Sem palavras. A sua interpretação de Sabiá é tão intensa e maravilhosa que não há como não chorar. Chorar muito. Sabiá jamais foi cantada tão belamente!






Impossível não nos sensibilizarmos ou deixar-nos tocar profundamente  pelo documentário. Impossível não revivermos nossas histórias pessoais ao largo da dele. Impossível não relembrarmos as turbulências históricas dessas décadas tão intensas. Impossível não olharmos com orgulho, admiração e gratidão para as experiências culturais tão ricas, únicas e tantas! Rever festivais, repressão, Bibi em Gota d'Água, Gil, Caetano, Tom, Vinicius, Toquinho, Fernando Sabino, Diretas Já, Bethania, MPB4, Ópera do Malandro e tanto mais é documentar a nossa própria história. É reclamar uma participação do que não é exclusivo dele, mas é também de todos nós por direito e por simultaneidade.







Sei que sou suspeita. Tenho pelo Chico uma relação de fã/ídolo assumida, cultivada e rendida. Chico reina absoluto como a minha maior referência cultural! Gosto de tudo: músicas, livros, peças. Posso gostar um pouco mais ou um pouco menos de um ou outro trabalho, mas gosto! Em tudo vejo sentido, qualidade, abordagem, propósito. Todas as suas palavras, nas diversas manifestações artísticas por onde ele se aventura,  me emocionam. Muito. Chico me ensinou/ensina a pensar e repensar conceitos e a expressar sentimentos. Ele me ensinou/ensina a vasculhar o banal, o cotidiano, a emoção pessoal bem funda e a trazê-los à tona numa linguagem lúcida, por vezes denunciatória, por vezes poética, na maioria das vezes tão simples.O que ele provoca e revolve me ajuda a elaborar e reformular. Sua música, sua literatura e seu teatro encontram em mim correspondência imediata. E ele, como mais ninguém, consegue  me fazer ver a beleza máxima das palavras  e das imagens. Desde sempre. Ainda sempre. E  para sempre!











Nenhum comentário:

Postar um comentário