quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Sobre ser professor.

Minha mãe acreditava na  disciplina como único meio para a educação bem-sucedida. Mas não a disciplina castradora ou punitiva, pois, pelo contrário, e hoje reconheço até como demonstração de muita modernidade, sempre fomos permitidos e incentivados a toda forma de exploração criativa.A disciplina, na visão da minha mãe, era fundamentada em horários. Horário para acordar, para comer, para atividades, para ler, para descansar, para estudar, para brincar.  Minha infância foi um relógio. Morávamos numa rua pequena em Belo Horizonte, Rua Ramalhete, cheia de crianças e brincadeiras e palco perfeito para uma infância saudável e feliz. Eu e meus irmãos, no entanto, só tínhamos permissão para sair e brincar depois das 16:00.  Olhávamos suplicantes para aqueles ponteiros que, só pra contrariar, moviam-se lentamente... Na batida das 16:00, corríamos alforriados para nos juntar aos nossos amigos!

Parte dessa rotina consistia no descanso após o almoço. Com sono ou sem sono, cansada ou não, tinha que ir para o quarto e lá ficar por um hora, todo dia após o almoço. Quando muito pequena, imagino que tenha mesmo descansado naquele quarto. Não tenho memórias dessa época. Minhas lembranças começam, e muito claras, no momento em que, já grandinha para ter sono naquele horário, buscava como me ocupar durante aquela uma hora. E sei que foi ali, sozinha naquele quarto semi-escuro, que me fiz, tornei, formei, percebi professora.  Sentava as minhas bonecas - e numa casa de quatro meninas sobravam  bonecas compartilhadas - num círculo e reproduzia, naquela hora, as atividades, conversas e histórias que vivia no Izabela Hendrix, o pré-escolar que frequentava. Entre minhas bonecas, descobri e ensaiei os primeiros passos para minha vocação. Identidade. Prazer.

Tive também a sorte e o privilégio de ter sido exposta a grandes professores! E agradeço a cada um pela inspiração, motivação e provocação de inquietudes  e inconformismos. Esses professores tornaram-se minha referência de como entender e exercer a educação num âmbito muito mais amplo do que o meramente informativo. Meu ideal de educação foi sustentado em altíssimos pilares de aspiração, esperança e otimismo!

Sou, portanto, professora. E embora não exerça mais a profissão como atividade principal, sou resultado do que o magistério me proporcionou. Pois realmente acredito não haver experiência maior e mais transformadora. Não há troca mais prazerosa. Não há interação mais completa.

Gosto de pensar no processo do aprendizado como uma ponte. De um lado está o aprendiz que, por interesse ou necessidade, precisa daquele conhecimento para seu crescimento. Do outro lado está o mestre, detentor daquele conhecimento que precisa atingir o outro lado. A ponte será construída com mais ou menos eficiência quanto mais comprometidos estiverem mestre e aprendiz. A beleza incomparável dessa relação está justamente na alternância, nem sempre consciente, entre as duas funções. Pois ambos ensinam e aprendem,  crescem e se modificam. Ambos descobrem potências e fraquezas que desconheciam. As pontes construídas na participação igualitária e respeitosa são sólidas e duradouras.  Lamento pelo mestres que, por arrogância,  se colocam fora do processo e não permitem novos espaços de crescimento e conhecimento. Como também lamento pelos aprendizes que, sem consciência da sua essencialidade,  hesitam em interagir completamente e colocam-se como coadjuvantes ou meros figurantes.  As pontes construídas nessa desigualdade são frágeis e fadadas ao colapso.

Nesse sentido, sinto-me afortunada! Pois construí, sei, pontes firmes e inabaláveis. Aprendi com meus mestres-aprendizes as ferramentas e valores que hoje me sustentam e norteiam. Aprendi o respeito ao outro. Aprendi a olhar a necessidade do outro. Seus medos, Seus anseios. Suas limitações, Seu senso de preservação. Sua doação e generosidade. Sua espontaneidade. Aprendi o não julgamento. A compreensão das diferenças. A convivência curiosa com a diversidade. Aprendi a valorizar o esforço. Aprendi que cada conquista é única e pessoal e deve ser valorizada fora dos parâmetros coletivos. Aprendi a ouvir verdadeiramente por verdadeiramente querer ouvir. Aprendi que um sorriso diz tudo e que um olhar iluminado é um presente. Aprendi a olhar fundo, dentro do outro e entender como ajudar. Aprendi que com alguns a resposta vem do afago e com outros vem  do desafio. Se o estímulo for errado, a resposta certa não vem. Aprendi que o aprendizado só floresce em ambiente seguro e  acolhedor. Aprendi que o coração de professor se desmembra  em milhares de nomezinhos. E aprendi que não há maior honraria e responsabilidade do que a condução do processo de aprendizado e que, quando exitoso, é a maior das realizações!

Nosso pais ainda reluta em conferir à educação a sua verdadeira importância e lhe nega o protagonismo na construção da nossa cidadania. Nossos professores estão esvaziados de seu orgulho e dignidade. Mas não quero, hoje, discutir o nosso modelo educacional falido, inadequado a insuficiente. Nem quero discorrer sobre o slogan Pátria Educadora escolhido para definir o segundo mandato da presidente Dilma e que, pelo menos até aqui, se mostra vazio e sem ações percebidas como real prioridade. 

Hoje quero apenas reconhecer e celebrar os profissionais que lutam, apesar de tantas adversidades, para que as pontes capengas do conhecimento continuem aproximando e encurtando distâncias. . Profissionais que, não sei como, ainda insistem e acreditam na construção de um pais mais educado, cidadão, justo e promissor.

E  apenas essa teimosia inexplicável  explica essa vocação  incompreensível e incompreendida.  Hoje não tenho dúvidas  de que nos tornamos  professores  não por querer mas, sim,  sem querer. A gente simplesmente é, até quando não quer ser!





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