domingo, 18 de outubro de 2015

Pedaladas. Aprendendo com Myanmar.

O lago Inle é o segundo maior de Myanmar (antiga Birmânia) e abriga, ao seu redor, várias etnias estabelecidas em ilhas flutuantes, similares às ilhas flutuantes do lago Titicaca no Peru/Bolívia, distribuídas em canais que formam uma verdadeira Veneza rural, mas com toques de mistério e espiritualidade do budismo predominante.

O lago, com profundidade média de 2 m,  é  praticamente a única  fonte de subsistência daquela população, além do turismo, que, aos poucos, se intensifica na região. Nove espécies de peixes são encontradas apenas nesse lago, mas a pesca é dificultada pela quantidade de  juncos e outras plantas que se acumulam na superfície.

Os pescadores da  etnia Intha ("filhos do lago") desenvolveram a técnica única,  passada de geração em geração, de remar com as pernas e pés - e não com as mãos. Uma perna se apoia na pontinha da canoa, enquanto a outra,  no ar, com o remo encaixado entre a dobra do joelho e o dorso do pé, impulsiona a embarcação enquanto afasta as  plantas e raízes aquáticas , permitindo a visão  e que as mãos livres alcancem os peixes com suas redes. Malabaristas circenses. Bailarinos das águas.




Impossível não se maravilhar com as imagens! Impossível não admirar as soluções aprendidas e legadas em confrontos com obstáculos e adversidades! Impossível não se surpreender com  a adaptação  e adoção de usos múltiplos tão inesperados quanto inusitados! Atribuir aos pés outra função e que, pelas imagens, parece tão natural como se sempre tivesse sido!

Imediatamente  o lago Inle e seus remadores acrobatas tornam-se imagens potentes e de associação inevitável com o nosso momento Brasil! E penso no potencial de recuperação da nossa economia como os cardumes submersos nas  nossas águas abundantes. Penso nas dificuldades que atravessamos - más administrações, más decisões, corrupções, concessões e trocas inapropriadas, truculências, falta e transparência, conflitos, prioridades equivocadas, sordidez política, etc - como os juncos,  raízes e contaminações que turvam a visão e dificultam o acesso ao potencial à espera em inércia produtiva.  Penso nos  poderes, todos, cada um em sua área de incompetência, como remadores inábeis e desajeitados. E que, ainda assim, consideram-se legítimos donos das águas.

E penso nas tais pedaladas fiscais e políticas, hoje popularizadas e de uso ampliado e ilimitado, como a técnica  insistente e teimosa para camuflar e driblar adversidades contábeis ou de governabilidade. Artifícios ineficientes e criminosos que repetem movimentos circulares que apenas aparentam mobilidade, quando, na verdade,  não saem do mesmo lugar.

E penso em como o conhecimento - e apenas o conhecimento - profundo, intuitivo e aprendido - permite alternativas criativas. A humildade de render-se às forças sábias da natureza - todas as naturezas, inclusive as econômicas e políticas -  e aliar-se à elas para o equilíbrio necessário. A arrogância da ignorância e da truculência do poder - todos os poderes - não acompanha os cursos alterados pelos momentos, pelas necessidades, pelos recursos.

Insistir na  dinâmica fracassada  e denunciada é perpetuar o insolúvel.  Apenas outra dinâmica, menos viciada  e  mais ousada,  poderá clarear as águas e revelar seus mistérios e tesouros alcançáveis. Para isso, no entanto, será necessário coragem, vontade, ruptura e pactos realistas e possíveis. Ações concretas e sem tréguas que resultem em esperanças de flores de lótus renascendo águas límpidas e promissoras.

Quem sabe aprendemos com Myanmar que pedalar com mãos limpas é tão possível quanto remar com os pés?








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