domingo, 20 de agosto de 2017

Hummingbird. Ou sobre quando a Marina voou para o Canadá.






Eu deveria ter nascido pássaro. Uma fêmea como outra qualquer, desempenhando, mecanicamente, a minha função na natureza. Preparar o ninho para os meus filhotes com amor e cuidado, com o melhor material disponível, na árvore mais segura, e suficiente para recebê-los e deles cuidar até que o ninho não mais os comportasse e eles fossem obrigados a deixá-lo. Uma fêmea como outra qualquer, incansável na minha responsabilidade com a minha prole. Chocar  os meus ovos até que os meus filhotes estivessem prontos para nascer.  Aquecê-los debaixo das minhas asas até que estivessem fortes o suficiente para sobreviverem sozinhos. Alimentá-los até que fossem capazes de buscar o seu próprio alimento. Protegê-los de todos os perigos até que tivessem condições de se bastarem. Uma fêmea como outra qualquer, instintivamente cumprindo a minha missão. Aguardar pacientemente até que cada um estivesse pronto para voar e, após a partida do último, não olhar pra trás, não derramar uma só lágrima, abandonar o ninho já sem serventia e, graciosamente, bater as asas e seguiria em frente. Sem tristeza, sem vazio, sem melancolia. Sensação de dever cumprido.

E, se pudesse escolher, seria um beija-flor. E teria gerado a mais linda, graciosa, delicada e encantadora de todos os beija-flores! Minha Marina colibri, corajosa, inquieta e independente. Com suas asas tão rápidas que até parecem invisíveis. Asas de fada. Com sua plumagem de cores exuberantes. Cores de pedras preciosas, mas infinitamente menos valiosas do que o ela me ensina todos os dias! Cores de raio-de-sol, mas infinitamente menos radiosas do que a luz com que ela ilumina a minha vida! Em perfeita harmonia com as flores das quais retira o néctar que alimenta a sua doçura!

E, se eu fosse mesmo uma mamãe beija-flor, ainda lhe ensinaria o canto mais lindo, mais cristalino e mais terno que existisse! Um canto único! Um canto mágico! E que, ao ouvir esse canto, todos os caminhos se abrissem sem obstáculos! E que, ao ouvir esse canto, somente as flores mais bonitas, mais perfumadas, mais coloridas e com o néctar mais doce lhe oferecessem refúgio e alimento! E que, ao entoar esse canto, eu e ela sentíssemos um calor inundando o  coração, mesmo sem sabermos exatamente de onde ou por quê.

Mas não sou pássaro. E meu coração apertado experimenta ondas de orgulho e felicidade, e outras de tristeza e preocupação. Minha little hummingbird aprendeu a voar e deixa o meu ninho cheia de otimismo e esperança, enquanto deixa para trás um enorme vazio e uma imensa saudade...

E surpreendo-me com um desprendimento que não reconheço, e, contrariando a minha índole, abro as minhas asas protetoras para deixá-la voar livremente!

Enquanto torço para que ela rapidamente se adapte à nova rotina e vivencie infinitas e prazerosas emoções,  acarinho o ninho com  meu apoio incondicional e reconhecimento orgulhoso  pelas suas conquistas! E canto, ainda que desafinada, as nossas lembranças e memórias únicas, especiais e eternas!


(texto escrito em 28 de agosto de 2007).
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