quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Vila Cacimba e o Brasil

"Eu quero um remédio pra ele ficar pior (...) pioríssimo. (Venenos de Deus, Remédios do Diabo - Mia Couto).


A  Vila Cacimba do romance do moçambicano Mia Couto é governada pelo autarca Suacelência, opressor e corrupto que usurpa e usufrui de todas as riquezas da pacata e mística vila. Envolvida nas escuridões e névoas que o próprio nome sugere, seus habitantes, fortemente ligados ao sobrenatural, vivem vidas que alternam verdades e mentiras, ilusões e realidade. Nada é o que parece ser e sempre há mais mistério do que verdade.

 Bartolomeu, o personagem em torno de quem a trama gira, é um idoso doente, diabético e hipocondríaco, vive enclausurado em seu quarto em loucura mansa, alternando sabedorias do senso comum e absurdos desconcertantes. Ele sonha com um remédio que lhe alivie corpo e mente, enquanto sua esposa sonha com um remédio que lhe abrevie a vida para que a dela possa finalmente respirar.

É na interação entre os personagens e nas suas  fragilidades físicas e psíquicas que remédios e venenos alternam-se como bençãos ou maldições. A verdade, nesse caso, aparece com um veneno de Deus, incapaz de reverter ciclos viciosos e que lança luz à realidade imputando-lhe cores tristes e sem resolver ou apresentar soluções para os que vivem na miséria - miséria no sentido amplo de pobreza de espírito.

Vivemos momentos Vila Cacimba  no Brasil e envoltos na mesma névoa que a encobre.  Realidades nada belas. Armadilhas, infrações, atos ilícitos, camuflagens, pedaladas, artimanhas e desesperança em todos os níveis sócio-econômicos. Estado de torpor.  Um pais terminal que não sabe mais distinguir veneno ou remédio. E  que não sabe se a cura vem de Deus ou do Diabo.

As novas medidas anunciadas como único modo de reverter o estado desesperador da nossa economia são paliativas e pontuais. Taparão o buraco que rapidamente se refará. Sem um plano coerente, pensado e com metas firmes e conscientes de mudanças estruturais profundas - que o governo insiste em ignorar e desconsiderar - nosso gravíssimo estado se agravará ainda mais.

Dizem que a única diferença entre remédio e veneno é a dosagem.  Qual será a dosagem mais eficiente: a do veneno de Deus ou a do remédio do Diabo?



2 comentários:

  1. Sentimento de "quase" todos os brasileiros. Adorei, E não li esse Mia Couto. Costumávamos compartilhar mais haha

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  2. Leia. Maravilhoso! hahaha Pautas atrasadíssimas!!!!

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