sexta-feira, 13 de maio de 2016

Rainhas do Orinoco. E o tamanho da nossa solidão latino-americana.

"... e, eu, rio abaixo, rio  a fora, rio a dentro - o rio". 
 (A Terceira Margem do Rio - Guimarães Rosa)








O Orinoco é o principal rio da Venezuela, correndo por 4/5 do seu território, e interligando um de seus braços, ainda no seu alto curso, às águas do Rio Negro.

Se todo rio tem ou não três margens pode até ser discutível! Mas que esse  rio Orinoco tem, não há dúvidas! E a sua 3ª margem passa bem aqui pertinho, em Carmo do Rio Claro - Minas Gerais, à beira do Lago de Furnas!

E é essa terceira margem,  tão imaginária quanto real,  que une, pelo talento do diretor Gabriel Villela, a nossa latinidade solitária e solidária.

O texto do dramaturgo mexicano Emilio Carballido é uma dessas obras  que  atrai para a leitura sôfrega, ao mesmo tempo em que obriga a  leituras saboreadas pausadamente. Um texto leve e intenso, cômico e dramático, real e onírico, cru e poético, social e individual, político e alienado.

Essas dualidades e paradoxos tão característicos da essência latino-americana têm eco imediato. Reconhecemo-nos imediatamente no humor sarcástico, na esperança teimosa e no fatalismo melancólico.

Mina e Fifi, duas artistas mambembes  a bordo do barco Stella Maris, embrenham-se, à deriva - literal e metaforicamente -  no coração do fim do mundo - literal e metafórico.



Walderez de Barros, em mais uma brilhante interpretação, surpreende pela comicidade de quem a associa aos grandes clássicos! Que maravilha! Na pele de Mina, emociona pela sabedoria da maturidade, pela obstinação pela sobrevivência e pela cumplicidade. Emociona também pela melancolia desesperançada e desgastada pelos anos tão duramente vividos.



Luciana Carnelli, como a jovem Fifi, é o contraponto leve, otimista e refrescante! É  quem dá alento.  É quem vê futuro na incerteza. E quem encanta-se com o feio, áspero e cruel. A alienação  quase infantil  é o sopro de brisa que navega o barco para o seu destino duvidoso.




Entre uma e outra, o elo do músico Dagoberto Feliz,cuja presença e intervenção costura os pontos dissonantes  em harmonia melódica e de pertencimento. Que lindo repertório latino! Que variedade de gêneros e nacionalidades! Que alternância mágica entre o acordeom  e o piano!

Impossível não associar de imediato à Vem Buscar-me Que Ainda Sou Teu (Carlos Alberto Soffredini), também sobre uma companhia mambembe de circo-teatro, montada por Gabriel Villela em 1990. Foi a primeira peça que vi do diretor e determinante para a minha enorme admiração pelo seu estilo único de unir o clássico ao popular e de imprimir cores fortemente locais a temas universais.




Cenário, como sempre, fortemente alegórico e com detalhes cuidadosos. Da cortina ao painel maravilhoso,  deslumbramentos caudalosos!

Figurinos, também como sempre, impecáveis e de composições inesperadas e  potentes! Cores fortes, tecidos e texturas variadas compõem um verdadeiro  mostruário das definições latinas! Todas lá, reconhecíveis e representadas! Que combinações felizes!

No melhor estilo Gabriel García Márquez, Rainhas do Orinoco é o espelho das nossas mazelas, marginalidades, realidades assombrosas, utopias e nó da nossa solidão. A América Latina corre a bordo do barco desgovernado. Sem alegorias. Sem metáforas.

No mais, é aprender e acreditar, também parte do nosso repertório latino, que sempre "ainda falta o mais interessante'!!











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