"Leveza é uma tentação irresistível. Mas é também uma perversão." (A Juventude - Paolo Sorrentino)
Arrebatamento. Encantamento. Poesia. Lirismo. Beleza. Belezas. Grandes belezas. São esses os primeiros substantivos que me ocorrem para definir o novo filme do diretor italiano Paolo Sorrentino.
Após a consagração de A Grande Beleza ( merecido ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiros em 2014), A Juventude confirma a genialidade do diretor ao combinar referências inspiradoras - especificamente Fellini - e impor a sua personalidade e assinatura inconfundível. Já é um gênero!
Sorrentino é um mestre dos sentidos! Sua potência imagética e musical é absurda! São cenas e cenas de belezas estéticas e musicais que deslumbram os olhos e os ouvidos. A combinação imagens + musicalidade é responsável pela harmonização do enredo, provocando transbordamentos sucessivos de emoções.
A Juventude dialoga intimamente com A Grande Beleza! Não como continuação, mas como parte de um mesmo conjunto. Uma saga. E que cria espaços para obras futuras. Ou, pelo menos, assim espero!
Nessa saga, o ponto de partida é o vazio criativo e a decadência - decadências - sociais e pessoais.
Em A Juventude, Sorrentino consegue - ou prefere? - costurar melhor os fragmentos aparentemente desconexos que respondem, em grande parte, pelo sucesso de A Grande Beleza! As questões sobre criação, criatividade e, principalmente, sobre o envelhecimento ganham reflexões menos angustiadas, mais serenas e de extrema profundidade e relevância.
De um lado, o músico aposentado Fred Ballinger (Michael Caine) e que reluta em aceitar o convite da Rainha para um concerto da sua obra Simple Songs. De outro, o cineasta Mick Boyle (Harvey Keitel) em processo de produção do seu novo filme, que deverá ser, segundo ele, o seu testamento de vida! Entre os dois - e mantendo o gênero desenvolvido em A Grande Beleza - vários personagens periféricos, mas de importância visceral para complementar facetas que não teriam o mesmo efeito se concentradas nos dois protagonistas: um casal de meia idade que mal se fala; uma massagista do spa, uma prostituta deprimida, um garoto canhoto iniciante em violino, uma Miss Universo e todos os preconceitos que a acompanham, um ex-jogador de futebol argentino com uma enorme tatuagem nas costas (qualquer semelhança não terá sido mera coincidência!). Destaque para Lena (Rachel Weisz), filha de Fred, e que ajuda a compor as nuances da personalidade e da história de vida apresentada aos poucos e sem facilitadores! Destaque também para o ator Jimmy Tree (Paul Dano - maravilhoso!) e a carga de frustração e questionamentos dentro do campo das vaidades inerentes ao show business. Destaque inquestionável para Brenda Morel, vivida pela maravilhosa Jane Fonda, e que não podia ser mais perfeita para pontuar mais uma faceta da crueza do universo artístico.
E é nesse viés das diferenças individuais que as convergências sobre o envelhecimento e o existencialismo se convertem num do mais belos, sutis e delicados filmes sobre a terceira idade!
Michael Caine brilha no contido Fred Ballinger! Que expressão corporal! Que olhar! Que interpretação magistral! Harvey Boyle também se apresenta inteiro na sua capacidade interpretativa! Que presente ser espectadora das contracenas entre esses dois grandes atores! Quanto talento! Quanta densidade! Quanta maturidade! Quanta entrega!
Onde entra a juventude? Na oposição à velhice! E pontuada nas singelezas: nas lembranças difusas do passado, no desejo sexual perdido, nas dúvidas sobre próstata, nos movimentos mais contidos, na melancolia conformada, na sabedoria aprendida e resolvida, na flacidez dos corpos. Há uma cena lindíssima onde o cineasta Mick pede a uma de suas jovens roteiristas que olhe pela luneta e veja, por uma das lentes, o próximo, o tangível, o futuro. Essa é a lente da juventude. Pela outra lente, se vê o distante, o intangível, o passado. Essa é a lente da velhice.
Sorrentino é também mestre do onirismo! Se em A Grande Beleza nos encantamos com a cena dos flamingos e com a cena da girafa, A Juventude nos estonteia em três momentos mágicos e altamente alegóricos ! O primeiro é protagonizado pelo personagem periférico do jogador de futebol - Maradona - numa quadra de tênis. Impossível não se comover com a força da cena! Muda. Sem uma palavra sequer! A segunda alegoria é protagonizada pelo músico Fred Ballinger diante de um pasto de gado, onde ele rege um concerto dos sinos pendurados nos pescoços das vacas e da revoada dos pássaros. Indescritível! E de uma beleza que aflora e não quer mais sair! A terceira alegoria é protagonizada pelo cineasta Mick Boyle e outro grande tributo à sétima arte, já característico do diretor. Mick vê diante de si dezenas de personagens femininas, devidamente - e lindamente! - caracterizadas e repetindo suas falas como bonecas de corda. Cena maravilhosa!
Termino com a cena final. A razão de tudo e onde tudo se justifica: a apresentação de Simple Song #3, performada pela soprano Sumi Jo. Ali tudo se mostra tão simples e tão complexo... Tão humano e tão sublime... Tão belo... Tão incrivelmente belo... E a certeza de são as grandes belezas que, enfim, preservam a juventude!
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