sábado, 14 de novembro de 2015

O rio e o mar.

Tinha o sonho de um dia ver o mar. Rio conhecia bem. Nascera e crescera ali nas beiras, de roupa sempre gotejada e sede matada a goles de água doce. mas quem conhecia jurava que o mar era muito mais. Ela tentava imaginar como seria mais água do que a que avistava do seu rio, lá longe, fazendo a curva adiante. Sonhava sentir a água salgada que não tinha fim, que nem se via onde curvava, e que vinha em ondas que formavam espuma brancas pra morrer aos pés da areia. Não entendia como água que morria podia infindar. Só podia ser o sal, pensava. E sonhava. E sonhava.

E foi assim, na distração do pensamento, que não viu o mar chegar. Chegou sem aviso nem sobreaviso. Chegou chegando, sem cerimônia e fazendo alarde. Chegou ávido e insaciável. Chegou arrastando e invadindo. Poucos viram. Poucos escaparam.

Ela mesma, sentada na beira do seu rio, foi tomada pela força daquelas águas inesperadas que não conhecia. Mas logo entendeu que era o mar! Seu sonho finalmente se realizava!Fechou os olhos e entregou-se à corrente das águas imaginadas. Antecipava a leveza da liquidez infinita. Antecipava a poesia o diálogo entre ondas cristalinas. Antecipava o salgado curador.

Mas logo estranhou. Não entendeu a cor de barro sujo e nojento. Não entendeu o peso das águas pastosas. Não entendeu os gritos e sussurros de morte. Não, não podia ser! Aquele mar era impostor! Saia, saia já do meu sonho! Volte pra sua imensidão! Mar não invade rio! Você não sabe que é rio que corre pro mar? Alguém? Alguém me salva do meu sonho? Alguém leva esse mar embora? Juro que não sabia que mar era lama! Pensei outro mar! Alguém? Alguém volta o meu mundo? Alguém?

Fechou os olhos bem fechados e rezou. Sentiu o gosto amago e indigesto que nem de longe lembrava o sal. Antes de perder a consciência, chorou o doce do seu rio.





(Publicado no Grupo Minicontos em 14/11/2015: palavra-tema: LAMA)



Nenhum comentário:

Postar um comentário