sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

2021: sobre décadas e dandelions.

 


Dandelion é a nossa flor Dente-de-leão. Uso o nome em Inglês, porque gosto mais  do som. Acho que tem mais som de flor, tem mais cheiro de flor. Além disso, o meu poeta preferido, Walt Whitman, escreveu um lindo poema  chamado "The First Dandelion", e então eu adotei de vez o nome, em estrangeirismo assumido.

São muitas as lendas em torno dessa flor. Dizem, por exemplo, que dandelions são casas de fadas. Com a chegada do homem ao mundo, todas as criaturas mágicas tiverem que se esconder.  Os vestidos volumosos das fadas dificultaram  os seus esconderijos e elas, então, se transformaram nas belas dandelions. Dizem  também que a cor amarela tão intensa é poeira produzida pela carruagem do Sol. Acreditava-se, como outro exemplo,  que esfregar a flor sobre a pele atraía irresistível bem-querer e até as bruxas usavam essa tática para serem aceitas pelas pessoas. Até mesmo a mitologia atribui poderes para essa flor. Segundo a lenda, Teseu teria se alimentado  apenas de dandelions por 30 dias seguidos para adquirir a força necessária para derrotar o Minotauro. No Nordeste do Brasil, dandelions são conhecidos como "Esperança" e há um dito popular que se refere à flor: "Abre as janelas e deixa a esperança entrar na tua casa trazida pelo vento da tarde." Não é lindo? 

Dandelions resistem ao inverno e renascem a cada primavera em florações em tom amarelo vivo. Após florir, formam um papilho de sementes claras que mais parecem plumas. E essas plumas espalham-se facilmente ao menor sopro. Ou pela brisa mais suave. 

Quem, em criança, não adorava colher essas flores que se espalha por todo o lado e as soprava  mentalizando desejos secretos? Uma das mais doces memórias da minha infância em Belo Horizonte era desejar algum desejo bem intensamente e soprar as flores para ver para onde eram levadas... Ou apenas soprar, sem desejos, apenas por soprar.  

Pensando na década que se encerrou no  dia 31 de dezembro de 2020, e  na nova década que se inicia hoje, pensei em toda a simbologia dessa flor. 

A década passada foi cruel. Para nós, brasileiros, foram dez anos de grandes desafios políticos e econômicos. E um enorme retrocesso nos valores humanos... Para o mundo, a pandemia do novo coronavírus selou a década num rastro de mortes, perdas, incertezas e atos de extremas desumanidades. 

Na nova década, teremos que enfrentar esse terrível legado. Teremos que rever conceitos, valores, práticas. Teremos que refazer planos, ajustar expectativas. Teremos que recuar algumas casas para avançar na direção que queremos e devemos. E, para isso, precisaremos de força, otimismo e  muita esperança.

E é aí que dandelions me emprestam a sua poesia. É da imagem da força dessa flor que brota, perene, desafiando o improvável, que resistiremos. É  do otimismo de sempre acreditar na fecundidade dos solos, ou aventurar-se pelo desconhecido, que insistiremos. 

Mas é sobretudo da esperança obstinada e incansável, que venceremos. Sopremos! Sopremos dandelions! Imitemos a sua capacidade de serem levadas pelo ventos. Sigamos, em frente, a favor do vento. Sopremos! Sopremos dandelions! E, a cada sopro, um desejo profundo de cura. Curas físicas. Curas emocionais. Curas individuais. Curas coletivas. 

Que a nova década seja  um imenso jardim de dandelions! E que elas brotem, vigorosas, rompendo o inverno árido e estéril que acabamos de deixar pra trás. Hoje é o primeiro dia! A primeira dandelion! 

Como inspiração, segue o lindo poema do Walt Whitman, seguido da tradução. Como eu gosto desse poeta! 

The First Dandelion (Walt Whitman)

"Simple and fresh and fair from winter's close emerging,

As if no artifice of fashion, business, politics, had ever been,

Forth from its sunny nook of shelter'd grass-innocent, golden calm as the dawn,

The spring's first dandelion shows its trustful face."


"Singelo, fresco e belo quando brota no fim do inverno,

Como se nenhum artifício da moda, negócios, política tivesse um dia existido,

Surge do seu soalheiro recanto a erva abrigada - inocente dourado, sereno como a aurora,

o primeiro dente-de-leão primaveril que mostra o seu rosto confiante." 



 




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