sexta-feira, 14 de abril de 2017

Porque são tantas as cruzes nessa vida...








Cristãos de todo o mundo  - e também não cristãos - lembram hoje a paixão e morte de Jesus, fazendo da crucificação o maior dos seus símbolos. Não creio haver memória coletiva de maior abrangência e impacto.

Independentemente da crença religiosa ou fé de Jesus ser ou não o filho de Deus, a sua figura história é evidenciada,  não questionada e tem sido, ao longo dos séculos, objeto de estudo minucioso e de teorias cada vez mais surpreendentes e divergentes, criando, inclusive, muitas vez, mal estar entre as comunidades científicas/históricas/teológicas e a Igreja.

Algumas dessas teorias são rapidamente refutadas, mas outras ganham consistência quanto mais os estudos desmistificam as metáforas e simplificações que fundamentam os evangelhos. Conhecimentos de geografia, por exemplo, contradizem localizações. Da mesma forma, aprofundamento nos hábitos sociais e políticos da época apontam incoerências em muitos relatos. Nada que comprometa a evidência irrefutável da passagem de Jesus no mundo, mas que ajustam as distorções - acidentais ou propositais - promulgadas nos textos bíblicos.

 Zelota - A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, publicado em 2103, por exemplo, causou uma enorme polêmica ainda não resolvida. Escrito por Reza Aslan, historiador (por acaso,  muçulmano) que dedicou 20 anos de pesquisa às religiões com foco em Jesus, o livro apresenta o personagem histórico desvinculado da figura religiosa construída e perpetuada pela Igreja católica. O Jesus histórico, segundo ele, foi o maior revolucionário de todos os tempos!E transgressor nada pacífico do domínio político romano e da opressão da casta sacerdotal de Jerusalém. Claro que, na época, política e religião se fundiam e confundiam  e muitas das interpretações atribuídas à espiritualidade de Jesus eram, na verdade, posicionamentos meramente políticos. Assim, segundo Aslan, a crucificação foi, afinal, uma punição por crimes contra o Estado. Essa visão desmistifica também os companheiros de cruz de Jesus - o bom e o mau ladrões - atribuindo a eles a mesma motivação rebelde.

Independentemente das falhas e questionamentos veementemente apontados por críticos em todo o mundo, pessoalmente, gosto da imagem desse Cristo predominantemente revolucionário e que lutou, incansável, ao custo de sua vida, pelos ideais que defendia. Político ou espiritual, reinos terrenos ou celestes, revolucionário ou pacifista, judeu convicto ou precursor de outra religião, filho de Deus, profeta ou apenas humano, seja o que for, a verdade inquestionável é que Jesus foi a figura que mudou a história do mundo. De todo o mundo. E nenhum outro personagem sob qualquer natureza, convicção ou motivação  chegou perto de mudanças tão profundas.

E nessa Sexta-Feira Santa - particularmente nessa Sexta-Feira Santa, soterrados sob a lama venenosa da nossa política nefasta,  penso em todos nós, em cada um de nós, que, capengas e como podemos, ainda tentamos  vias crucis individuais e coletivas por um mundo melhor. Em maior ou menor escala, lutamos pela sobrevivência a duras penas, abandonados e desassistidos. Lutamos contra perseguições e preconceitos por pensar e agir "diferente". Lutamos pelas liberdades individuais e coletivas. Pelas minorias e pela diversidade. E pelas artes e expressões. Todos lutamos. De alguma forma. Por alguma causa. Sob alguma forma.

Mais ainda, penso no forte símbolo da cruz. A cruz punitiva e definitiva. Mas também redentora e salvadora. E torço para que essa ambiguidade da  crucificação se resolva. E que a nossa cruz, as nossas cruzes, sejam mais leves, suportáveis e libertadoras. Porque está, de verdade, muito difícil carregar as cruzes que, por justiça e merecimento, não são nossas.

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