sábado, 29 de outubro de 2022

A política e o poder de perdoar.






Amanhã encerraremos o longo e triste período eleitoral para a escolha do presidente que governará o Brasil pelos próximos quatro anos.  

Longo, porque não se ateve aos três meses normalmente concedidos para as campanhas, mas que se mantém ativo e vigoroso desde a campanha de 2018. Verdade seja dita, o atual presidente NUNCA deixou de ser candidato. NUNCA assumiu a presidência e NUNCA governou para todos. Todo o exercício do seu mandato foi voltado única e exclusivamente para os seus apoiadores, excluindo, explicitamente, quem não o apoia.

Triste, porque presenciamos, nesses quatro anos, atos de barbárie indescritíveis e inimagináveis. O atual presidente promoveu, de todas as formas possíveis, o ódio em todas as suas possíveis facetas. Dividiu o país de forma quase irreversível. Armou a população de forma leviana e irresponsável. Atacou e menosprezou as instituições democráticas construídas com tanta luta. Impôs sigilos ao invés de promover a transparência. Levou 780 mil brasileiros à morte durante a pandemia da Covid-19 com toques de crueldade jamais vistos. Desmontou todas as políticas de preservação ambiental. Reduziu a Educação e a Cultura a patamares difíceis de serem galgados outra vez. Ignorou todas as ações de proteção a minorias. Entregou o orçamento ao Centrão. Atacou a imprensa de forma implacável. Promoveu o negacionismo. Trouxe  de volta doenças erradicadas. Usou a mentira como principal arma presidencial. Disseminou fake news como nem pensávamos possível. Agrediu países parceiros. Tornou o Brasil um país pária no mundo. Contaminou a laicidade do Estado, atiçando verdadeiras guerras santas. Cercou-se de ministros e conselheiros cínicos, oportunistas e ignorantes. Criou gabinetes paralelos. E expôs comportamentos e discursos indignos, baixos e vis. Em nosso nome, mas sem o nosso consentimento.

Amanhã, seja qual for o  resultado, encerraremos esse interminável cabo de guerra. Estamos todos cansados, exaustos, exauridos, combalidos.

Amanhã, um dos lados comemorará. Amanhã, o outro lado lamentará. O lado da civilidade, se ganhar, comemorará com profundo alívio e muita esperança. Se perder, será um lamento enlutado, dolorido, fundo e profundo. Já o lado da incivilidade, se ganhar, será estrondosa, espaçosa, alardeante. Se perder, será reativa, agressiva, violenta, armada, perigosa. 

Mas temos que tirar, desse horror que temos vivido, alguma lição. Temos que encontrar conforto. E, principalmente, temos que encontrar alguma maneira de reconciliação. Caso contrário, não sobreviveremos como nação soberana, unificada e compromissada.

E foi pensando nisso que busquei alguma inspiração que me ajudasse a  vislumbrar o caminho de retorno depois do resultado amanhã. Seja ele qual for.

E foi nessa busca que recorri a Hannah Arendt, uma das mais conceituadas filósofas políticas do século XX. Para ela, é a atividade política que diferencia o ser humano dos outros seres vivos,  pois é através de atos e palavras que os homens se revelam. Nessa visão, a política é baseada na liberdade e espontaneidade, revelando, assim, as incoerências a pluralidade dos homens. E é aqui que entra o seu conceito de "perdão". Para Arendt, o  "agir" é imprescindível e a imprevisibilidade da ação não deveria ser um empecilho. O "perdão" desempenharia o papel de "remédio" para as ações que não podem ser desfeitas, mas podem, sim, ser perdoadas.  O perdão libertaria e impulsionaria a capacidade de agir, mesmo considerando toda a imensa área de incertezas das eventuais  consequências. 

O oposto do perdão é a vingança, a reação natural e previsível. O correlato do perdão é a punição, que, como o perdão, põe fim a algo que poderia vir a prosseguir indefinidamente. A pergunta que se põe, então  é: conseguimos perdoar qualquer tipo de ação para a qual não há punição? 

Os atos do presidente, dos seus ministros, de governadores, prefeitos, vereadores, deputados, senadores,  dos administradores e funcionários públicos e  dos demais colaboradores podem ser punidos.

Mas e nós? Como sociedade? Como prosseguiremos, depois de amanhã, com os nossos atos de oposição uns aos outros, para o quais não há punição? Não podemos ser punidos por escolher um ou outro caminho. Não podemos ser punidos por defender ideologias antagônicas, inconciliáveis. Mas, no entanto, estamos, sim,  nos punindo metaforicamente pelo que defendemos. Implacáveis, irredutíveis, acusativos.

Por mais que tenhamos valores cristalizados e inegociáveis, se não dermos um passo  em direção ao perdão  ao que nos opomos tão veementemente, não nos reconciliaremos, não teremos como construir  o país que queremos e merecemos. Não colocaremos fim ao cabo de guerr.

Amanhã um dos lados sairá "vencedor". Espero, do fundo do meu coração, que seja o lado da civilidade. Esse lado será capaz de unir, acolher e, sim, perdoar o que parece  imperdoável. O outro lado, se ganhar, pelo seu histórico,  infelizmente, fortalecerá seus ressentimentos, seus ódios e sua exclusão.  




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