sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Memórias de Carnaval.

"Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando e não posso falar... Tô me guardando pra quando o Carnaval chegar..." (Quando o Carnaval Chegar - Chico Buarque)





Adoro carnaval! Adoro a alegria vibrante, pulsante, contagiante! Adoro a criatividade, a ousadia, a transgressão, a subversão! Adoro as tantas manifestações soltas e loucas! Adoro as cores, texturas, sonoridades, sabores, odores! Adoro a mistura, a permeabilidade, a osmose! Adoro os espaços de ninguém e de todos, os tempos suspensos e esticados! Adoro a pausa permitida e permissiva!

Minhas memórias carnavalescas mais remotas são dos bailes infantis que minha tia Guanahyra, irmã da minha mãe, nos levava. Na época, morávamos em Belo Horizonte e passávamos as férias no Rio. A tia nos levava nas matinês de domingo, devidamente munidas dos confetes e serpentinas que tanto amávamos! Lembro-me, em especial, das nossas fantasias de havaiana, embora de olhos bem compridos para  a de melindrosa que nossa prima Marcinha usava. Aquela cigarrilha longa era tão chique! Deve ser por isso que melindrosa sempre foi a minha fantasia preferida! E demorei muitos anos até ter uma!

Os carnavais do início da minha adolescência foram na quadra da Vila Isabel. Minha tia Yara, outra irmã da minha mãe, tio Carlos e meus primos eram sócios ativos e grandes foliões! Todos com muito samba no pé! Minha tia não parava um minuto e, no auge da animação, rodopiava lindamente como uma baiana na avenida! Como aproveitamos aqueles bailes! Primeiras paqueras de carnaval, blocos de pareô, quantas lembranças boas! Foi ali, naquela quadra, que participei do primeiro ensaio de escola de samba da minha vida: "ó cirandeiro, ó cirandeiro ó, a pedra do teu anel brilha mais do que o sol" em 1972.

Em seguida vieram os dourados anos dourados. Ano após ano. Olhos compridos nos famosos bailes do Monte Líbano ali ao lado, mas firmes e fortes na comportada AABB. Quantos carnavais! Fantasias exclusivíssimas made by D.Algenir. Novas adesões dos amigos do Colégio de Aplicação a cada ano. Como nos divertíamos! Quantas vezes saímos dos bailes e fomos pra Av. Presidente Vargas pegar o final dos desfiles das escolas de samba! Andávamos, andávamos e a bendita entrada não chegava nunca! "E onde vamos fazer a curva? Lá na m...?" Quantos desfiles maravilhosos conseguimos assistir de penetras já à luz da manhã... Doces lembranças de uma adolescência inesquecível!

Minha mudança para São Paulo em 1978 mudou também os meus salões carnavalescos. D.Toninha e Sr. Lorival, amigos dos meus pais, tinham uma fazenda em Birigui, interior de São Paulo, coladinha em Araçatuba. E foi lá que passei as temporadas de muito sol, piscina e estrada de terra nos carnavais do início dos anos 80! Só havia um clube na cidade e todos iam aos mesmos bailes. Éramos quatro amigas no frisson dos preparativos, no troca troca interminável de roupas, nas táticas de paquera, nas confidências no day after, sempre com o lança-perfume que, graças a Deus, nunca faltava! As idas e vindas pela estrada de terra, as entradas sorrateiras pela porta dos fundos com o dia já adiantado e as sonecas preguiçosas nos colchões da piscina "pra não perder o bronzeado"! Bom demais!

Depois veio a Sapucaí. Solo sagrado! E palco do espetáculo mais lindo dessa Terra - e acredito que de todas as outras Terras! Fui a muitos desfiles na Sapucaí! Coração sempre batendo forte! Com emoção palpitante a cada entrada da minha Mangueira! Meu coração é verde e rosa! Com torcida também sempre fiel pra minha também Vila Isabel.   Com olhos embotados de coloridos deslumbrantes e ouvidos tomados por sambas inesquecíveis.  Quem já atravessou a Sapucaí atravessa um tipo de umbral onde magia e energia se misturam e impregnam para sempre e sempre mais! Não se sai incólume dessa experiência.

O tempo do carnaval é irreverente e caprichoso. E pula e brinca e se inventa. E acha na genética o seu jeito próprio de se fazer presente. E foi nesse tempo emprestado e herdado que o carnaval dos meus filhos se construiu/constrói. No tempo e na sedução de fantasiar-se, de tornar-se outro, fazer-se outro. Daniel é folião.  Mangueirense como eu. E bloquista convicto em ritos sagrados de produção. Marina, mais contida, revela-se no Sargento Pimenta. Foi minha companheira em um dos desfiles da Vila Isabel.  Mas aproveita a folia tanto quanto a calmaria. Tudo vale!

 E, afinal,  já não dizia o poeta que tudo vale a pena se a alma não é pequena? E que tamanho tem a alma inundada de tantos carnavais?






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